“Esperamos o máximo de solidariedade dos outros povos”

Entrevista com Miguel Salas, membro do Conselho Editorial do “Sin Permiso” e dirigente da organização marxista Aurora, sobre a Catalunha.

Israel Dutra, Miguel Salas e Pedro Fuentes 23 set 2017, 16:12

Entrevista realizada 18/09 (dois dias antes do avanço da repressão do Estado Espanhol sobre a soberania catalã)

Pedro Fuentes – Catalunha tem um impacto mundial muito grande neste processo que existe contra a globalização neoliberal num mundo cada vez mais multipolar, mais cheio de incertezas e crises, de maior competitividade pela decadência dos EUA expressa em Trump e na emergência da China. Queria começar pelo internacional, daí que minha pergunta seja sobre a importância da luta da Catalunha no marco internacional.

Miguel Salas – Diria que é uma situação um pouco contraditória, porque por um lado há lutas importantes e povos que estão exigindo seus direitos e lutas populares mais amplas exigindo a autodeterminação de seus direitos, tentando responder à altura o que significa a crise internacional de 2008. Nos situamos nessa encruzilhada, a qual tem a ver com a Europa. Não faz muito tempo houve a experiência do referendo na Escócia que foi um importante exemplo de como se podiam fazer coisas para a luta da Catalunha. Como sabem aqui não foi possível pactuar um referendo com o estado. Há um apoio importante do povo da Europa, ainda não chegou a ter expressões nas ruas. E existe o contrário, uma oposição muito forte de todos os governos da UE que consideram que a situação da Catalunha pode fazer saltar os alarmes, e por isso tentam limitar o aspecto muito espanhol.

Sinceramente é mais difícil, desde a Catalunha, as repercussões que tem na América Latina o movimento nacional catalão. O movimento nacional só no último período buscou referências de apoios internacionais e eu creio que desde que se convocou o referendo é que este se abriu para o mundo que agora busca saber, conhecer e compreender o que ocorre na Catalunha. E creio que o enfrentamento com o Estado Espanhol é o que abriu mais possibilidades de que se conheça e de que os povos se solidarizem.

Pedro Fuentes – Israel Dutra me dizia que o referendo catalão tinha efeitos parecidos com o Brexit. Como vê esta comparação?

É uma discussão interessante; há semelhanças porque o Brexit ocorreu há pouco. O Brexit num aspecto está nas antípodas porque foi um ponto de reação contra os imigrantes num processo contraditório de ruptura da Inglaterra com a UE. Na Catalunha, não há nenhum sintoma de rechaço aos imigrantes. A base independentista é abertamente democrática e se mobilizou em apoio aos imigrantes. Barcelona é a cidade onde houve nesta primavera uma mobilização de milhares para exigir a acolhida dos imigrantes que vêm de Oriente Médio e da África. Desde esse ponto de vista não há semelhanças.

O movimento não postula uma saída da UE, o movimento tem uma exigência política democrática e não-econômica, ainda que logo me explico sobre isso. O objetivo do movimento catalanista soberanista e independentista é que o povo catalão decida se segue sendo parte do estado espanhol ou proclama sua República. Essa é a base de união e mobilização do movimento. Agora, é necessário distinguir duas coisas sobre o movimento catalão: trata-se de um movimento nacional, onde há um setor da burguesia catalã que está no movimento também, não sendo somente um movimento das esquerdas, um movimento exclusivo do povo debaixo; há um setor da burguesia catalã que se une e se incorpora ao movimento por duas razões; uma, porque o estado espanhol sufoca a economia catalã e neste sentido sufoca um setor da burguesia e esse setor se adere ao movimento ou caso não o faça, o movimento o supera. Dessa maneira, há um setor da burguesia ou próximo a ela que noutra etapa defenderia um acordo unicamente econômico. Mas agora existe uma grande mobilização. E esta é a base democrática radical do movimento que defende Sim mais que por estas relações econômicas, porque quer sua soberania e construir uma República.

Pedro Fuentes – Quais são as forças que estão se enfrentando dentro hoje mesmo da Catalunha? Quem apoia essa campanha que diz que vocês são uma minoria, que têm 800 mil pessoas a menos nas mobilizações das Diadas anteriores e que sustenta que a maioria do povo catalão está contra a independência?

Há um enfrentamento entre o Estado Espanhol com a Catalunha no sentido mais amplo da nação catalã com suas diferentes classes sociais. E há setores da burguesia catalã opostos à independência. Dentro da Catalunha, há setores populares que não veem isso claro. No que respeita aos setores burgueses catalães opostos, são setores ligados politicamente ao Partido Popular ou ao partido Cidadãos que representam também os setores econômicos com uma determinada relação e dependência com o Estado Espanhol e também com a grande patronal catalã que se opõe. Mas para tenham uma ideia da força do movimento, estes setores têm que se opor com o que aqui chamamos “com a boca pequena”. Não participam em campanhas abertas contra, tiram resoluções.

Os setores populares que não veem isso claro se expressam de duas maneiras. Um são os setores populares descendentes de uma imigração espanhola de pais e avós, que têm a tradição de idioma espanhol. Mas também há certos setores que veem com desconfiança que o partido da burguesia, a antiga Convergencia e agora Juntos por el Sí, esteja encabeçando a direção deste movimento; porque claramente são os partidos que no governo lideraram os cortes na saúde, na educação. Então, neste sentido, há uma complexidade porque o povo catalão, que como nós dizemos que é um só povo que vive e trabalha na Catalunha, tem tradições de línguas e experiências complexas. Para que o leitor entenda melhor, está claro que há uma luta de classes no movimento, mas não é só burguesia contra a classe trabalhadora, senão que está mais mesclado porque a reivindicação é basicamente política e democrática.

Há também outro elemento para a informação e é que no movimento há os setores independentistas e também os soberanistas. Qual a diferença? Para o independentista é sobretudo ou basicamente a independência, ou seja, o estado catalão. Para o soberanismo, o importante é que o povo possa decidir por uma República Catalã, mas também e ao mesmo tempo confedarada com o outras Repúblicas espanholas e ibéricas.

Pedro Fuentes – E você se localiza como?

Eu me situo na posição soberanista de uma República Catalã confederada com outras repúblicas do estado espanhol. Agora, o problema concreto e político atualmente é que a distância entre o nível do movimento político independentista na Catalunha com o omovimento republicano no resto da Espanha é abissal. Não há um movimento republciano com força na Espanha. Por exemplo, inclusive no País Basco, o movimento pela independência que é muito importante, não está no mesmo patamar que a Catalunha.

Há também gente na Catalunha dizendo que como defende uma Federação com a Espanha se opõe a independência. Em minha opinião pessoa fazem uma confusão, porque no movimento catalão ninguém quer se opor a um movimento republicano espanhol; mas para gerar e federar tem que haver um momento de independentizar-se, tem que haver uma República da Catalunha para que no futuro desde esta independência em todo caso se possa conseguir uma República com o restante dos povos da Espanha.

Israel Dutra – Duas perguntas, Miguel. Uma é como será o processo em 2 de outubro, o dia seguinte, como ele vai impactar a mobilização em Euskadi e Galícia. A segunda é sobre o Curdistão Sírio, onde há um movimento que se dispõe proclamar um confederalismo democrático. Há uma discussão sobre isso, e eu relaciono com o que você fala da Confederação Ibérica. Há também um novo encaixe na Espanha que é o que internacionalmente pode passar depois do dia 1. Pode converter-se em uma bandeira para outros processos de Saara Oriental, Escócia, Curdistão.

Para a primeira pergunta lhe digo sinceramente Israel que não tenho resposta totais. Vamos ver, estamos vendo uma situação onde eu diria que as incertezas são quase todas. Porque está havendo a vontade do governo catalão e de todas as forças que estamos neste movimento de querer votar em 1; desata-se a repressão e isso torna difícil conjecturar algo além de acompanhar o dia a dia. Vocês devem saber que houve uma intervenção nas contas da Generalitat, ontem (17/09) a Guarda Civil recolheu um milhão de cartazes. Eu creio que estamos num ponto em que predomina a vontade, e assim chegaremos ao 1 de outubro. Mas é muito difícil saber como chegaremos. Então, estamos no caminho e estamos lutando. Vejamos onde chega esta luta. Nós dizemos desde o princípio que este movimento tomaria a envergadura que tem. E chegaria um momento que haveria que se enfrentar com o Estado Espanhol. Estamos vivendo esse momento. O resultado desse choque está por se ver. Nesse sentido, deixa-me ser prudente sobre as opiniões do que vai se passar no dia seguinte ao 1-O. Eu não sei que vai se passar nesta semana, até agora deixaram fazer os atos políticos, mas não sei como agirá a guarda civil na semana que vem. Hoje, às sete, temos um ato muito importante em Barcelona. Ainda não reprimiram, mas não sabemos o que vão fazer. As indicações dadas pelo fiscal geral são que havia que proibi-los, mas não o estão fazendo por enquanto; porque não quererm provocar mais ou creem que seria um erro.

Respondendo a Israel; no sábado houve uma manifestação em Bilbao com mais de 30 mil. Foi até agora o ato mais importante de apoio a Catalunha. Em Madri, proibiu-se um ato que mesmo assim se realizou e reuniu duas mil pessoas. Este número pode parecer pequeno, mas para Madri é um ato político importante no coração do Estado Espanhol e estou convencido de que a situação em Madri vai avançar. Para esta semana, estão convocadas duas concentrações. Uma em La Coruña e outra em Santiago de Compostela. A sensação que temos é que tudo isso vai se aprofundar e irá mais adiante. Tudo isso está sendo disputado dia a dia.

E a segunda questão sobre a repercussão internacional. Bom, é preciso dizer que ela já existe. Todos os jornais importantes do mundo se pronunciaram e em muitos sites se observa com atenção o que se sucede. Agora, com respeito a mudanças na situação europeia mais concretas, no futuro, a mim me parece que dependerá de como evolua a situação aqui na Catalunha nestas duas semanas. A priori, é muito difícil dizer como vai se apresentar, se saber se vamos poder proclamar nossa República. A partir de que possamos votar e haja um resultado aceitável de participação popular veremos quais as repercussões mais intensas e práticas, que seguramente se expressarão.

Na esquerda europeia há uma luta programática desde há muito tempo para que se aceito o direito à autodeterminação; tem sido uma polêmica difícil, exceto com os irlandeses e os escoceses, e seguramente a mobilização independentista catalã está ajudando a resolvê-la. Quando há discussão na esquerda da Espanha, utilizamos dois argumentos. Perguntamos: todos os que estamos aqui somos republicanos? E em geral respondem que sim, mas dizem que querem uma República Espanhola. Isso é uma forma de dizer não à República Catalã, que é o que existe de mais concreto hoje. E então, nós dizemos que queremos uma República Catalão e que esta se confedere com a República Espanhola.

Escrevi ontem (17/09) em um artigo no Sin Permiso a seguinte frase de Andreu Nin que é muito importante levar em conta, porque quando há momentos de mudança, busca-se nas raízes, buscam-se referências políticas ou de outras épocas que nos possam ajudar a compreender a situação. E essa referência muito, muito recomendável é a de Andreu Nin (1892-1937) que num artigo de setembro de 1934 escreveu: “O movimento nacional da Catalunha por seu conteúdo e pela participação das massas populares é, no momento atual, um fator revolucionário de primeira ordem”. Daí se deduz claramente a atitude que a classe trabalhadora deve adotar.

Numa síntese geral, eu diria brevemente duas coisas: que o movimento agora e até o 1 de outubro é a mobilização para se conseguir que o povo decida, possa votar e dizer Sim ou Não à constituição de uma república independente. E que estamos e somos parte de um movimento democrático, muito mas muito massivo, popular e interclassista, com uma posição de esquerda e democrática forte que se necessita também para melhorar a situação da classe trabalhadora e o povo em geral. E que esperamos o máximo de solidariedade de outros povos com essa luta.


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Pedro Micussi