30-S: O Estado Espanhol contra o Povo Catalão

Há uma verdadeira guerra entre a democracia que defende o povo catalão com seu direito a decidir e o totalitarismo do Estado espanhol.

Alfons Bech 30 set 2017, 14:31

Crônicas catalãs

A primeira vítima que cai nas guerras é a verdade. Isso está passando nessa guerra entre a democracia que defende o povo catalão com seu direito a decidir e o totalitarismo do Estado espanhol que se nega a reconhecê-lo e lança todas suas hostes “por terra, mar e ar”.

Um exemplo disso é como viram as coisas do avesso e todos os meios de comunicação espanhóis, desde os do Estado até os privados, atacam o referendo que amanhã vão fazer os catalães. “El País”, por exemplo, dedica inteira toda a primeira página ao ‘momento decisivo do desafio soberanista’ com uma manchete bem grande que diz: ‘A Generalitat lança a população contra o Estado’.

Se não bastasse a intoxicação midiática a que levam meses dedicando-se, mas especialmente estes últimos dez dias, a Guarda Civil anda louca perseguindo e fechando websites. Páginas que são imediatamente replicadas pela Generalitat. O Govern catalão encontrou aliados inesperados e insólitos, como Julian Assange e outros que opinam, ajudam e dão conselhos para driblar esses ataques cibernéticos. Estamos no século XXI e isso se parece a uma ‘Guerra das Galáxias’ onde o Império ataca uma jovem República que inclusive está por nascer.

O espetáculo dos últimos dias mais comentado, o mais horroroso também, é a aparição de centenas de supostos manifestantes espontâneos que saúda as tropas da Guarda Civil ao grito de “A por ellos, oee; A por ellos!”. É o fascismo emergente. Essas manifestações foram muito poucas e em algumas cidades de Andaluzia ou Castela. Mas, como diz o presidente Puigdemont, essa ação foi pensada em Madri.

O líder semifascista do partido Ciudadanos, Albert Rivera, no ato final seu de Barcelona também defendeu o plano que já têm falado e previsto o PP e Ciudadanos. O plano consiste em tratar de impedir pela força o referendo do domingo, acusando os independentistas do Govern de estar sob as ordens dos anticapitalistas da CUP. E se isso não funciona, passar ao plano B: deter Puigdemont, Junqueras e os principais líderes do Govern e os partidos independentistas, declarar um Estado de exceção, suspender a autonomia aplicando o artigo 155 e, com todos os independentistas inabilitados ou na cárcere, que desde o Governo espanhol, ou através da nomeação de um governador para a Catalunha, convoque novas eleições autonômicas, onde ganhariam as forças que ‘não querem romper a Espanha’ e chegariam a um acordo para uma reforma da Constituição espanhola. Todo um plano de golpe de Estado. E os chamados ‘socialistas’ fazendo o seu jogo com o apoio ‘à aplicação da lei contra o referendo’. Vergonha! Entretanto, isso já não assusta os catalães. Pelo contrário, isso faz avançar a consciência de que já não resta outra saída que ir votar e decidir sair deste regime em plena involução. Até alguns dirigentes sindicais do partido ICV, os mais contrários à independência e ao referendo, me disseram publicamente que ‘se Catalunha consegue sua independência, então eu já não quero voltar a Espanha’. É também a visão do oportunismo, como o dos operários que não querem fazer greve por medo das represálias mas logo se apontam as vantagens de um bom convênio conseguido graças à luta dos demais. Sempre há gente assim. E nas cúpulas, muitíssimas mais.

O protagonismo é o povo. ‘Alea Jacta Est’, a sorte está lançada. Os bombeiros fizeram um ato emocionante, com uma faixa LOVE DEMOCRACY no Museu de História. Estão dispostos e se ofereceram à Assembleia Nacional Catalã para proteger os atos e as autoridades. Os professores também estão fazendo assembleias. Os pais, mães, alunos, crianças, estão ocupando as escolas que são centro de votações, para impedir que a polícia entre e leve o material ou interrompa as votações amanhã. O porta-voz do Governo e todos os meios chamam isso de ‘usar as crianças como escudos humanos’. Ou seja, para eles o voto dos catalães é a guerra. Preparam-se para exercer a violência e acusam a sociedade e o Governo catalães de que ‘serão os responsáveis das consequências”. Eles ‘aplicarão a lei’, caia quem caia.

Estamos no século XXI, mas tudo recorda o século XX e inclusive anteriores. Entra na Wikipedia me interessei em ler que havia passado na revolta dos ‘Segadors’ (os segadores) de 1640. Eu tinha vagamente na memória, mas relendo o que ocorreu não pode menos que assombrar-me da similitude com que se dão certas coisas e, sobretudo, comportamentos. O imperialismo espanhol segue bem vivo e os catalães foram sempre a principal resistência interna que tiveram. Graças a ela, Portugal pode-se independentizar em 1640.

Estamos vivendo a história de maneira viva. Estamos assistindo a uma mudança que afetará não só a Catalunha, mas a Espanha e toda a Europa. Ganhe ou perca, a luta dos catalães em seu direito de ser um Estado independente já traçou um caminho. Este caminho é o de uma revolução democrática. É algo novo na Europa. Se ganha, pode influenciar toda a Europa, pode ajudar a mudar as políticas retrógradas, de destruição dos direitos laborais e e humanos, de políticas econômicas neoliberais, de crescimento da pobreza, de insensibilidade com as mulheres e com a Natureza. Como disse Puigdemont em seu discurso de campanha final ‘é hora de passar do processo (independentista) ao progresso”.

Tudo está no ponto. As tropas estão no ponto. O estado com suas Guardas Civis, Policiais, Juízes, Promotores, Meios de Comunicação mentirosos. Bancos ameaçantes. O povo com sua gente, suas avós e avôs, suas crianças, seus pais e mães. Alguns têm todas as armas. Os outros só têm a razão. Quem poderá mais, a força das armas ou armas da democracia? O Estado Policial ou o povo? Este é o desafio do século XXI.

30 de setembro 2017


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