“Polícia Federal – A Lei é para Todos” e a ilusão da neutralidade

O filme de Marcelo Antunez traz diálogos mal construídos que permeiam lugares-comuns do imaginário brasileiro sobre as instituições políticas do país.

Maria Estela Andrade 26 set 2017, 12:48

Se, como diria Maria Rita Galvão, a forma de significar, significa, logo, a neutralidade é uma ilusão. Dessa forma, o que podemos pensar em relação a um filme ficcional – mesmo que não se ponha dessa forma – sobre uma investigação ainda em curso e que coloca em cheque o sistema político de uma nação ?

Todo significado se forma dentro de um contexto e, para o audiovisual brasileiro, o momento não é dos mais animadores. Mesmo com a nomeação da experiente produtora Débora Ivanov para a diretoria da ANCINE, há incertezas sobre a continuidade do Fundo Setorial do Audiovisual, um dos principais estímulos à produção no país. Neste cenário, toda obra financiada via leis de incentivo torna-se um ponto de resistência, mas, nem sob essa perspectiva é possível defender o filme “Polícia Federal – A Lei é para Todos”, que retrata a Operação Lava-Jato, inteiramente financiado por investidores privados.

Dirigido por Marcelo Antunez, o filme até instiga o público nos primeiros minutos, no entanto, o ritmo rapidamente se perde e a narração (para o desespero de muitos roteiristas) torna-se redundante junto a diálogos mal construídos e que permeiam lugares-comuns do imaginário brasileiro sobre as instituições políticas do país (mas não seria o papel da arte justamente questionar o senso comum e propor novas alternativas?) – nada funciona na república das bananas. A sutileza permitida pelo cinema não está presente, mas quem dera esse fosse o único problema do filme em relação ao roteiro; um indicativo de romance e um drama familiar que não se desenrola compõe a estrutura da película e tentam convencer o(a) espectador(a) de que os investigadores são “gente como a gente”. Diferente da realidade brasileira, em que a cada semana nos deparamos com um ponto de virada, a falta de trama torna a narrativa arrastada, trabalha-se muito apenas a exposição dos fatos, mas pouco as emoções que eles mobilizam, nada digno do House of Cards que é a realidade de Brasília.

A falta de tato torna o doleiro Alberto Youssef uma personagem cômica e carismática, enquanto o ex-presidente Lula, interpretado por Ary Fontoura (escolha que arranca risos da plateia), é apenas um velho carrancudo e mau humorado, com distorção das piadas e o tom de voz do petista, ignorando que sua condução coercitiva e depoimento tenham sido transmitidos em cadeia nacional no horário nobre, com direito a uma releitura teatral de William Bonner. A princípio, poderíamos imaginar que o juiz Sérgio Moro seria figura de peso no filme, no entanto, sua participação se reduz a um mero assinador de papeis (uma pessoa desinformada não entenderia o motivo de esse homem ter sido recebido com tanta festa por pessoas vestidas com as cores da bandeira). Porém é em Ivan que o público cria sua identificação. O delegado chefe da investigação representa o típico cidadão médio: tenta não pender para nenhum dos lados, afinal, tudo está perdido, mas ainda assim tenta acreditar que pequenas mudanças e algumas prisões irão manter o sistema e restaurar uma paz que nunca existiu.

Quanto à direção, não há um estilo próprio, mas também não vemos referências que perdurem. Câmera na mão, zoom e planos estáticos são misturados sem propósito, revelando certo amadorismo, que se confunde com uma mistura de gêneros; em duas horas, é passado da ação à investigação e ao drama.

Apesar de levar em conta os fatos ocorridos até março de 2016, não há menção a dois grandes astros da corrupção brasileira: Michel Temer e Aécio Neves, nem quando os maiores escândalos políticos são listados (por uma narração, claro) é feita menção direta e clara ao PMDB e ao PSDB; nem mesmo a ex-presidenta Dilma Rousseff é muito lembrada, o que nos leva a classificar a obra como uma propaganda anti-lulista para a classe média órfã de quem a levou às ruas. Talvez essas sejam cenas dos próximos capítulos, já que é esperada uma trilogia.

Os que se desesperaram com o lançamento de “Polícia Federal – A Lei é para Todos” podem ficar tranquilos, pois essa não é uma obra que contribui para impulsionar a onda conservadora; sua única contribuição é reforçar o imaginário popular de que a produção cinematográfica brasileira não vale a pena.

Em resposta à pergunta da personagem inspirada em Deltan Dallagnol, que se questiona a quem serve o que está sendo feito, é possível responder que, no caso dessa película, a ninguém.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 19 nov 2024

Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas

As recentes revelações e prisões de bolsonaristas exigem uma reação unificada imediata contra o golpismo
Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi