O que falta para salvar a UERJ?

O dinheiro para salvar a UERJ existe e sempre existiu, mas permanece com os poderosos, investido em seus próprios benefícios.

Theo Louzada Lobato 13 set 2017, 12:15

O mês de setembro de 2017 começou com uma notícia bastante assustadora para o cenário da educação brasileira: o Ministério da Fazenda, em parecer direcionado ao Governo Estadual do Rio de Janeiro sugeriu, entre outras medidas de sua política de ajuste e austeridade a “revisão da tarefa do ensino superior”. Ou seja, pela primeira vez o Governo Temer demonstrou oficialmente seu interesse em que as universidades estaduais do Rio — a UERJ, UEZO e UENF — sejam, de fato, fechadas. Não menos grave, o governador, ao declarar que não estaria de acordo com a privatização ou fechamento da UERJ (sem citar diretamente se o mesmo se aplicaria para as outras estaduais do Rio), cogitou de que seus estudantes sejam obrigados a trabalhar sem remuneração dois anos para o Estado, como uma forma de uma suposta “contrapartida”. Ambas declarações são de enorme preocupação para todos que lutam e acreditam numa educação pública, gratuita e de qualidade e são demonstrações do projeto que o PMDB, em conjunto com os outros partidos da ordem têm para a educação brasileira: precarização e privatização.

As universidades estaduais do Rio de Janeiro são marcadas por sua luta. A UERJ, fundada em 1950 ainda com o nome de UDF, é, em especial, uma das instituições do ensino público com um dos históricos mais marcantes de resistência do país. Em 1984, por exemplo, seus professores estavam de frente contra a ditadura numa greve de peso por conta de medidas antidemocráticas que o governo vinha tomando dentro da universidade. Mobilizações como essas se repetiram em diversos outros momentos: em 2006, após um corte de 25% de sua verba mensal, mais uma vez foi decretada uma greve e um confronto direto com o então Governador Sérgio Cabral, hoje um dos presos pela operação Calicute. Mais recentemente mobilizações estudantis como a ocupação da universidade aos fins de 2015, um ano antes da onda de ocupações universitárias que ocorreu por todo Brasil em 2016, demonstraram como essa história continua viva.

Porém, a importância dessas instituições vai além de seus processos mobilizatórios. A UENF (projetada por Darcy Ribeiro) e a UEZO são essenciais no Estado do Rio de Janeiro por possibilitarem o acesso à educação pública em regiões onde há séria escassez de oferta de ensino — o Norte Fluminense e a Zona Oeste carioca. E certamente, a contribuição que a UERJ, já sendo uma das instituições de ensino mais reconhecidas nacionalmente, deu a todo país ao ser a primeira universidade a implementar, em 2002, o sistema de cotas, com já naquela época 45% das vagas destinadas a ex-alunos de escola públicas (20%), negros e negras (20%), além de pessoas com deficiência ou pertencentes a minorias étnicas (5%), não pode ser negada como uma das mais importantes medidas já criadas na história da educação superior brasileira.

Sendo assim, basta nos perguntar que motivos levam ao Ministério da Fazenda e o Governo do Estado proporem tais medidas para universidades de tanta relevância e contribuição social e que têm, além disso, constantemente, como no caso dos cursos de Direito ou Enfermagem da UERJ, tendo seu ensino considerado entre os melhores do país. A resposta é sempre a mesma: não a verba suficiente. Segundo o DataUERJ, por exemplo, no ano passado a universidade, que deveria receber cerca de 2,5 bilhões de reais para seu funcionamento regular ficou com um pouco mais que a metade — apenas 1,4! Esse cenário se justificaria pela crise fiscal e econômica e entre os gastos a serem repensados, os primeiros seriam os sociais, como no caso da educação. Basta saber, então, sendo o cenário tão grave, qual é a real política de arrecadação e de gastos dos Governos Federal e Estadual.

Em primeiro lugar, é importante entender quais despesas esses governos têm priorizado. Exemplos dos absurdos da Presidência não são poucos: após ser denunciado por corrupção passiva pela Procuradoria Geral da República, Temer liberou entre 1,8 a 4,1 bilhões para Emendas Parlamentares com o objetivo de comprar apoio de possíveis aliados que garantissem que a investigação de seu caso não fosse para frente — essa verba poderia servir para manter a UERJ por um ou dois anos. Outro exemplo bastante ilustrativo também tem relação direta com a questão da corrupção — a Odebrecht, empresa que obteve enorme parte de seu crescimento a partir de licitações ilícitas com as diferentes esferas do Governo conseguiu em 2015 aumentar seu lucro operacional de 10 bilhões para 13,64 bi, boa parte proveniente de acordos com o próprio Estado.

Mas a maior contradição vem quando analisamos o que deixa de ser arrecadado. A companhia de telecomunicações Oi, de forma ilustrativa, mesmo já devendo mais de 15 bilhões em nível federal, ainda tem recebido milhões em isenções fiscais pelo Estado do Rio de Janeiro. Além disso, as dívidas bilionárias com o Estado de empresas como a Mackenzie ou a própria JBS continuam a se acumular, correndo, inclusive o risco de serem perdoadas numa política de renegociação de débitos proposta pelo Governo Temer. Ou seja, quando se trata de manter o lucro, muitas vezes obtido de forma ilegal, das grandes empresas nacionais e internacionais ou beneficiar de forma direta, como vimos no caso dos 51 milhões encontrados na casa do ex-ministro Geddel, ou indiretamente a casta política, o dinheiro parece estar sobrando.

É dessa forma que podemos ver qual é o verdadeiro problema das universidades estaduais do Rio: não é a falta de verba que as condenam, mas os interesses políticos privatistas e corruptos de uma casta que se mantém no poder concedendo favores às grandes empresas e aos ricaços enquanto precariza os serviços públicos e ataca diretamente os direitos do povo. O dinheiro para salvar a UERJ existe e sempre existiu, mas permanece com os poderosos, investido em seus próprios benefícios.

É esse mesmo projeto que ameaça o fechamento, por meio dos bloqueios do Governador Beto Richa, de boa parte das universidades do Paraná e que permite os cortes na assistência estudantil em tantas outras como no caso da UFRJ que deixou de abrir suas bolsas de auxílio para os estudantes cotistas. A solução de Temer para o “problema” da educação é o desmonte do ensino público de qualidade para uma posterior política de fechamento e privatização das mesmas instituições. A luta pela UERJ, UEZO e UENF tem de ser de toda educação brasileira. Nossa saída está nas ruas, somente a resistência às medidas de Temer e Pezão são capazes de mudar esse cenário — existem soluções, da taxação das grandes fortunas até a auditoria da dívida Federal e dos Estados e a taxação de dividendos, mas elas só poderão vir a partir de nossa própria mobilização pelas reais prioridades do país e do povo.


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