Vietnã heroico: a primeira grande derrota dos EUA

Nos 48 anos da morte de Ho Chi Minh lembramos texto que analisa a heroica resistência vietnamita na guerra contra os Estados Unidos.

Pedro Fuentes 2 set 2017, 13:52

A imagem do helicóptero deixando a embaixada ficou gravada como a maior humilhação recebida pelos EUA em uma guerra. Nos referimos à imagem do último aparato cheio de soldados e funcionários e uma multidão de seus acólitos vietnamitas tratando de subir antes que decole da embaixada ianque em Saigon, pouco antes da chegada das tropas da Frente de Libertação Nacional (FLN) e do Exército do Vietnã do Norte. Este episódio do 1 de maio de 1975 foi o desfecho da maior derrota militar ianque em sua guerra mais longa, talvez só superada em anos pela atual guerra do Afeganistão.

Sem dúvida, a história da luta de libertação da Indochina teve como principal episódio a derrota do ‘xerife’ mundial. Este artigo versa essencialmente sobre este tema e suas consequências para os EUA.

No entanto, relendo textos, recordando a luta vietnamita, e pensando nos numerosos jovens que têm se incorporado nestes últimos anos e abraçando as ideias do socialismo e da revolução, não podemos deixar de nos referir à história anterior a este feito. Logicamente a parte mais conhecida é a heroica luta armada, mas não podemos deixar de fazer referência aos capítulos que se iniciam com a invasão japonesa, a luta contra o colonialismo francês, as greves e insurreições dos trabalhadores e do povo da Indochina, além do imenso papel desempenhado pela luta contra a guerra nos EUA.

Tampouco podemos deixar de esclarecer os episódios posteriores a 75 e o papel jogado pela Rússia, China e os Partidos Comunistas durante e depois da guerra. A unificação do Vietnã em 1975 significou a última revolução que expropriou a burguesia e que depois terminou na década de 90 na restauração do capitalismo como ocorreu com a China, Rússia e outros países do chamado “socialismo real”.

A primeira guerra de libertação da Indochina e a derrota do imperialismo francês
Há um precedente muito importante à guerra do Vietnã que é a guerra de libertação contra o imperialismo francês na Indochina 1, uma de suas colônias mais importantes. A Indochina foi invadida pelo Japão na Segunda Guerra Mundial, substituindo as tropas francesas que haviam se movido para o Camboja. Com a derrota do Japão no início de 1945, cria-se uma situação de vazio de poder já que a retomada do governador e das tropas francesas careciam de legitimidade, uma vez que tinham sido nomeados pelo governo francês de Vichy colaboracionista com a Alemanha.

O jornal Avanzada Socialista do PST da Argentina, em um artigo publicado em 1972 intitulado “Vietnã e Camboja: Refutam ou confirmam a guerrilha argentina?”2, comentava o papel desempenhado pelos trabalhadores e camponeses do Vietnã ao expulsar o exército do Japão, marcando as diferenças entre o que era guerrilha argentina de tipo “foquista” com a luta de massas e a luta armada no Vietnã:

“Em agosto de 1945, se produziu uma poderosa insurreição dos operários e camponeses que liquidou com a ocupação japonesa e seu ex-sócio francês e iniciou a construção dos órgãos de poder operário e popular. A rendição japonesa ante os aliados foi a válvula que destapou a energia revolucionária e o ódio aos exploradores coloniais, assim como à poderosa casta latifundiária que os mantinha perdidos na miséria.

As sublevações camponesas dão início à luta, enquanto as massas urbanas se armaram e constituíram destacamentos; nos bairros operários de Saigon surgiram os primeiros Comitês do Povo que declararam abolido o velho regime3. O Vietminh (Liga pela Independência do Vietnã) entrou nas cidades e, junto com este movimento incontido das massas, encontrou-se dirigindo todo o país.

Desgraçadamente, o Partido Comunista do Vietnã não aceitou nem o exemplo nem o poder. Menos de um mês depois chamava a dar as boas-vindas ao avanço das tropas britânicas. Um setor importante do povo de Saigon, encabeçado pelos trotskistas, resistiu. A resposta do PCV foi fechar os Comitês do Povo e assassinar os principais dirigentes trotskistas. Os britânicos responderam as boas-vindas do Vietminh com um golpe. O Vietminh se viu obrigado a refugiar-se no campo e iniciar ali a “prolongada” resistência. Em dezembro de 1946, com a queda de Hanói, a estratégia da “guerra prolongada” se impôs em todo o país e foi prolongada por oito anos, até o triunfo em 1954 com Diem Bien Phu. Esses oito anos de luta merecem o mais alto reconhecimento da resistência e do valor de um povo. Diferente da sua direção, que prolongou desnecessariamente os sofrimentos e sacrifícios das massas, ao ter confiado no imperialismo e na “guerra prolongada” como estratégia-modelo.

Algo a mais deve ser dito sobre esta etapa, àqueles que creem na necessidade de demonstrar o caminho para as massas através da mística de empunhar as armas. A colossal vitória de Diem Bien Phu surgiu também das entranhas do movimento de massas, de suas necessidades e experiências. Disso surgiu uma arma poderosíssima, que aumentou a força e a coragem dos exércitos vietnamitas e levantou a pontaria de seus soldados. Esta arma poderosíssima foi uma medida política, a Reforma Agrária, arrancada pela pressão do movimento de massas em 1953. Foi a expropriação dos latifundiários, medida longamente retardada pelo Partido Comunista, que respondeu à necessidade fundamental das massas camponesas e alimentou seu heroísmo legendário e a vitória de Diem Bien Phu”4.

Diem Bien Phu era uma grande fortaleza em que os franceses haviam criado em um vale central a uns 300 km de Saigon, com o objetivo de estabelecer uma grande base para retomar o controle do país relançando a luta contra o Vietminh. Depois das insurreições de Saigon, o Vietminh passa a ser uma guerrilha camponesa diretamente controlada pelo Partido Comunista do Vietnã do Norte. Para estabelecê-la, os EUA deram uma importante colaboração fazendo chegar de paraquedas as armas mais sofisticadas.

Em maio de 1954, em uma das mais hábeis manobras que os militares se recordam, o Vietminh dirigido pelo famoso chefe militar do Vietnã do Norte Nuyen Giap inflige uma tremenda derrota à grande fortaleza. Em 17 de maio, as tropas francesas em debandada terminam abandonando Hanói e todo o território do Vietnã do Norte5. Dizemos que este episódio foi histórico porque demonstrou outra vez que o mais poderoso exército e a mais alta técnica militar de tropas invasoras não podem contra um exército de libertação que conta com uma moral diferente e o apoio do campesinato e do povo. Isso novamente iria se demonstrar posteriormente na guerra contra os EUA no Vietnã do Sul, como em muitas outras guerras de ocupação que têm se sucedido, inclusive, guardando as devidas diferenças, a resistência no Iraque e Afeganistão.

As reuniões de negociação na Genebra determinaram a divisão da península no Vietnã do Norte, controlado por Ho Chi Min, e o Vietnã do Sul. Vietnã do Sul fica em poder de uma ditadura militar tutelada pelos EUA de Diem que em 1955 violam o acordo estabelecido que era a convocatória para as eleições que decidiriam a futura unificação do Vietnã.

Estas negociaciones se dan en los marcos de los acuerdos de Yalta y Postdam entre Roosvelt y Stalin realizadas al fin de la segunda guerra mundial y que establecieron la división del mundo, limitando a Rusia a la influencia militar alcanzada. En medio de una situación revolucionaria mundial provocada por la guerra Rusia se comprometió a permanecer solamente en Rusia y Europa Oriental. En medio de una agitación de masas, un gran ascenso en Europa, en el mundo colonial y semi colonial, y un gran prestigio de los partidos comunistas europeos por el papel jugado en la derrota al nazismo, Stalin aceptó la división de Alemania e incluso su capital Berlin. Como decimos la zona de influencia de Rusia quedó demarcada a los países de la Europa Oriental.

Estas negociações ocorrem nos marcos dos acordos de Yalta e Potsdam entre Roosevelt e Stalin, realizadas no final da Segunda Guerra Mundial, que estabeleceram a divisão do mundo do mundo, limitando a influência da URSS à suas conquistas militares até ali obtidas. Em meio a uma situação revolucionária mundial provocada pela guerra, a URSS se comprometeu a permanecer nos seus domínios e na Europa Oriental. Em meio a uma agitação de massas, um grande ascenso na Europa, no mundo colonial e semicolonial, e um grande prestígio dos partidos comunistas europeus pelo papel jogado na derrota do nazismo, Stalin aceitou a divisão da Alemanha e, inclusive, sua capital Berlim. Como dizemos a zona de influência da Rússia ficou restrita aos países da Europa Oriental.

Stalin e a posterior burocracia russa encabeçadas, primeiro por Kruschev e depois por Brejnev, cumpriram rigorosamente. Os partidos comunistas da França e da Itália, que haviam encabeçado a resistência antifascista e tinham uma grande força de massas, foram obrigados pelo aparato stalinista a renunciar a luta pelo poder político em seus países. Dessa maneira, foram freadas numerosas revoluções no pós-guerra; e as que ocorreram foram conquistadas graças às fissuras que ficaram abertas em países coloniais ou semicoloniais, em rebeldia com esses pactos como foi o caso de Mao na China e Fidel Castro em Cuba. No Vietnã, como estamos vendo no texto, seu papel foi seguir a reboque das massas ou a contragolpe das brutais ações do imperialismo. Depois voltaremos a este tema.

A partir desse pacto surge a hegemonia americana que fica como a grande potência econômica e militar. Muitos historiadores e intelectuais que mesmo agora tocam o tema do imperialismo americano e sua situação, esquecem a luta de classes e que essa hegemonia não só foi conquistada por sua supremacia econômica e militar, mas que também é o resultado desse pacto que fez a burocracia russa em nome da coexistência pacífica, argumentando que o socialismo iria se impor por meio da maior fortaleza econômica da economia russa sobre o imperialismo. Esse era um dos argumentos mais utilizados para justificar a teoria do “socialismo em um só país”6.

A segunda guerra. A derrota dos EUA no Vietnã do Sul
Em 1960, forma-se a Frente Nacional de Libertação no Vietnã do Sul cujo braço militar apoiado no campesinato foi conhecido como Viet Cong. O FNL foi uma frente única de diferentes setores que eram independentes do Partido Comunista do Vietnã controlado por Ho Chi Min. Este movimento vai começar a jogar um papel decisivo na luta contra a ditadura e vai a obrigar os EUA, que por essa data tinha ao redor de 600 assessores militares, a ir entrando em cena. O historiador e militante trotskista argentino Hector Palacios relata em seu livro “Império Americano, ascenso, apogeu e decadência”, que “no final de 1961, havia 2600, no final de 62, 11000, e em novembro de 1963 (morte de Kennedy), 16 500”.

Diem aplicou uma política repressiva que gerou uma grande oposição, seu exército enfrentou mobilizações desarmadas e tomou por assalto pagodes budistas. Entre novembro de 1963 e o final de 1965, produziram-se doze trocas de governo em Saigon. Até 1965, Johnson (sucessor de Kennedy no governo), tinha enviado mais de 184 mil soldados, que no final de 1966 transformaram-se em 385 mil e no final de 1967, 535 mil.

A partir de 1964, começam os bombardeios sistemáticos não só sobre o corredor criado através de Laos e Camboja por onde entrava a ajuda militar e de soldados do Vietnã do Norte até o Sul (estrada chamada Ho Chi Min) mas também sobre a capital Hanói e também todo o Vietnã do Norte.

O Exército de Libertação Nacional – que como dizíamos era um autêntico movimento de libertação independente do Partido Comunista do Vietnã do Norte – já tem um forte braço armado de muito peso e influência nos camponeses que trabalhavam durante o dia e faziam as ações militares durante as noites. São famosos os túneis com os quais conta, pelos quais se mobilizam e fazem frente aos sistemáticos bombardeios e às tropas terrestres dos EUA. Em 1965, o exército dos EUA é autorizado a usar o agente Laranja que era um esfoliante de alto poder tóxico que secava as árvores e produzia enfermidades nos camponeses para favorecer a localização dos refúgios e das milícias da FLN.

Em 1966, o general norte-americano Westmoreland (que possuía o comando-geral das ações) reconhecia que apesar dos enormes gastos de guerra, o próprio número de baixos estadunidenses resultavam desproporcionalmente altas enquanto que o número de vitórias ia se reduzindo e os vietnamitas estavam começando a se incorporar ao FNL e defender as cidades.

1968, um ano de revoluções e insurreições no mundo. No Vietnã, a ofensiva do Tet muda o rumo da guerra
Em janeiro de 1968, se produz o ponto crítico da guerra. Os bombardeios sistemáticos nas aldeias e nos campos, sobre Hanói e a estrada de Ho Chi Min haviam contido o desenvolvimento do FNL e do Exército do Vietnã do Norte. A LCR, seção francesa da IV Internacional, escrevia um boletim interno que “a ajuda soviética e chinesa à frente revolucionária na Indochina é, com efeito, muito inferior tanto em valor como em quantidade e em qualidade aos meios postos em ação pelo governo americano. Frente ao imperialismo ianque, a situação de debilidade da revolução da Indochina depende essencialmente da natureza da ajuda dos soviéticos (e dos chineses). A URSS só negou fazer do território do Vietnã do Norte uma parte inviolável do campo socialista. Não enviou para Indochina o material militar em quantidade e qualidade que houvesse permitido a vitória final.”

Com efeito, enquanto o exército do Vietnã do Sul e meio milhão de soldados ianques contavam com as armas mais sofisticadas e poderosas, a FLN combatia com base na sua força moral e uma ajuda à conta-gotas. Nesta situação é que se produz a ofensiva do Tet que vai provocar uma mudança importante no curso da guerra. Hector Palacios no livro já citado, comenta desta maneira: “Em 30 de janeiro de 1968, se produz o ponto crítico da guerra, foi a ofensiva do Tet, o ano novo lunar dos vietnamitas. Atacaram-se 36 das 44 capitais e se conseguiu entrar em Saigon, chegando até o Palácio Presidencial; tomaram a estação de rádio, o aeroporto e inclusive a Embaixada dos EUA que estava fortemente fortificada. Finalmente, foram rechaçados. Poderia se dizer que do ponto de vista militar foi um fracasso, que teve um grande custo em vidas e materiais. Os rebeldes não conseguiram manter nenhuma cidade, devido ao furioso contra-ataque dos EUA e seus sócios sul-vietnamitas. No entanto, tratou-se de um triunfo psicológico ao demonstrar-se que os imperialistas não tinham nenhuma segurança e que eram muito vulneráveis a ponto de até tomarem sua embaixada.”

Nahuel Moreno, em um informe internacional ao CC do PST argentino disse que “a ofensiva do Tet tem traços sociais e militares característicos que a fazem qualitativamente diferente. É uma superação teórico-prático da concepção maoísta da guerra de guerrilhas. O essencial foi que a guerrilha rural acossada e em um retrocesso relativo no campo teve que apelar à população urbana e a métodos insurrecionais para derrotar taticamente o imperialismo”.

A resposta de Johnson foi aumentar a escalada militar, fazendo bombardeios generalizados não só contra Hanói mas também contra Laos e Camboja, ao mesmo tempo que também se incrementava a brutalidade de suas tropas em terra. Os bombardeios eram realizados com os temíveis B52 que arrasavam aldeias. Em março de 1968, aconteceu a matança de My Lai que mostrou ao mundo aonde havia chegado a brutalidade com a qual atuavam as tropas dos EUA. Em uma operação sobre aldeias, as tropas violaram as mulheres e as meninas, mataram o gado e atearam fogo nas casas até deixar o povo arrasado por completo. Para terminar, reuniram aos sobreviventes em um açude e dispararam suas armas contra eles até matar a todos os habitantes da zona (ou seja, anciãos, mulheres e meninos). Cerca de 500 habitantes foram massacrados desta forma. My Lai foi um escândalo mundial que mostrou as atrocidades norte-americanas que nem por isso voltaram a se repetir na história até nossos dias.

A moral das tropas foi sendo minada pouco a pouco até chegar ao estado de colapso. Os mortos aumentavam, chegaram a ser mais de 50 mil e os feridos que voltavam para sua casa eram também dezenas de milhares; os veteranos de guerra nos EUA começavam a se organizar. O mais importante era que se desenvolvia uma ampla mobilização contra a guerra no próprio país que abarcava os campi universitários, mas que se estendia aos negros e aos trabalhadores.

É neste contexto e quando o gasto militar dos EUA, chegava a 75 bilhões de dpolares, o governo de Nixon decide em 1971 a retirada progressiva e a vietnamização do conflito. A classe dominante yankee já via uma derrota militar anunciada e começava a retroceder. Foi um movimento contraditório já que ao mesmo tempo que começava este processo, invadia Camboja, onde o movimento de libertação nacional do KHMER Vermelho avançava e por onde entrava, como já dissemos, a ajuda militar do Norte uma vez que a via marítima havia sido bloqueada pela flota yankee.

1968, um ano de revoluções e mobilizações contra a hegemonia americana e a coexistência pacífica
O ano de 1968 estremece o exército americano no Vietnã graças principalmente à moral político-militar de um povo em luta pela sua libertação. Também se abre uma brecha profunda no esquema de dominação mundial sustentado na coexistência pacífica entre o imperialismo dos EUA e a burocracia soviética, conforme pactuado em Yalta. Como já mencionamos, por esse acordo, a burocracia assegurou que cumpria sua parte no compromisso de auxílio militar à conta-gotas.
A exceção socialista era a revolução cubana e Che que desde antes de 1968 levantava a consigna de “façamos dois, três, muitos Vietnãs”. Precisamente, esta bandeira, “yankees go home” e “Ho Ho Chi Min” foram consignas levantadas pela juventude mundial neste período. Antes de 68, as mobilizações já haviam tomado conta dos EUA e também eram poderosas na Inglaterra.

De qualquer forma reconhecemos como detonantes principais e um ponto de partida da situação de 1968 o processo revolucionário do maio francês, uma insurgência estudantil e da juventude que logo ultrapassou o controle do PC nas fábricas com as ocupações das mesmas e uma greve geral que durou um mês. Mas foi um processo muito mais generalizado. Foi um movimento mundial antissistêmico, contra a velha esquerda encarnada na burocracia soviética e na social-democracia, e também contra a hegemonia imperialista.

Se a ofensiva do Tet fez parte disso, a revolução cultural na China também fez. Esse movimento dos guardas vermelhos, desatado pelo setor de Mao em disputa com a ala que se fazia mais poderosa da burocracia, acelerava seus privilégios e seus métodos totalitários, atacando durante vários anos os interesses da ala oposta. Henry Kissinger, que como depois veremos é o grande articulador político do império americano com a China a partir de 1972, escreve desta maneira sobre a revolução cultural: “Mao decidiu pulverizar o Estado chinês e o Partido Comunista. Lançou o que ele considerou que ia ser o ataque frontal contra os obstinados restos da cultura tradicional de cujos escombros profetizou uma nova geração ideologicamente capaz de salvar a causa revolucionária contra os inimigos internos e externos (…) Mao a denominou como a Grande Revolução Cultural Proletária”.

Nesse processo, a juventude recuperou sua espontaneidade e se mobilizou de maneira tal que pôs o país à beira de um grande enfrentamento contra a estrutura burocrática; as escolas e universidades ficaram paralisadas, o país ficou à beira da guerra civil. O mesmo Mao teve que frear abruptamente o processo que havia desencadeado para reconstruir o status quo com a burocracia e as instituições do estado chinês.

Na Tchecoslováquia se deu a primavera de Praga, um movimento desatado também pelos questionamentos de Dubzek, um honesto dirigente do Partido Comunista, e que levou a um levante revolucionário dos trabalhadores que fizeram comitês revolucionários. A primavera só pôde ser parada pela invasão do exército vermelho provocando uma grande matança e uma ocupação militar do país até restabelecer o poder burocrático. Obviamente que os EUA respeitosos com o pacto de Yalta não intervieram e só fizeram propaganda ideológica.

Teríamos que comentar outros processos revolucionários: a rebelião estudantil no México, o Cordobazo e Rosariazo na Argentina, além é claro da Revolução dos Cravos em Portugal, que podemos dizer que foi a última das revoluções de 68. Entretanto, o fundamental para entender a derrota dos EUA é o desenvolvimento do movimento anti-guerra da juventude em todo o mundo com destaque para a juventude europeia e o grande movimento contra a guerra que comoveu, como nunca antes havia ocorrido, os EUA.

O papel decisivo da luta contra a guerra nos EUA
Nesse contexto mundial, em nossa opinião, não se pode explicar a derrota dos EUA sem as duas armas decisivas que definiram a contenda: o povo vietnamita com seu heroísmo e ação militar enfrentando o exército mais poderoso da terra e a própria mobilização e situação interna que se criou nos EUA por causa da guerra. São os dois pilares que explicam a derrota político-militar ou, melhor dizendo, militar e política.

Não é possível que um império seja derrotado apenas “de fora”, mas é preciso haver uma ação recíproca do externo e o interno. Assim ocorreu em toda a história (o Império Romano é um exemplo), da mesma maneira que precisamos analisar a hegemonia ou não do imperialismo dos EUA e a luta pelo socialismo no mundo.

Dizemos isso retomando o tom polêmico da mencionada citação do PST argentino com aqueles que pensam que tudo foi obra da direção de Ho Chi Min e seu exército, da inegável habilidade militar de Nuyen Giap e a ajuda e abastecimento militar da Rússia e China. Como já vimos, são meias verdades que em definitivo explicam que a guerra tenha se prolongado por tanto tempo e que o imperialismo americano terminou absorvendo, embora tenha sofrido uma derrota humilhante.

Voltando à mobilização nos EUA. Os bombardeios massivos e a crueldade da guerra retransmitida pela primeira vez com bastante liberdade começaram a mudar a imagem que tinham os estadunidenses de si mesmos. Generalizou-se a ideia de um país enorme machucando os soldados de um país pequeno junto com a ideia de matanças indiscriminadas na Ásia.

As manifestações contra a guerra iniciadas nos campi universitários fizeram eclodir um movimento mais geral nos EUA, no movimento negro, nos trabalhadores e na luta pela pela libertação feminina. Todo este conjunto sacudiu a sociedade ianque e também provocou uma importante crise política em seu regime que culminou com a renúncia de Nixon. O movimento hippie era uma deformação que a imprensa mundial fazia de todo esse processo.

As mobilizações jogaram um papel-chave para que os EUA se retirassem do Vietnã. Nos EUA, a bandeira fundamental era “voltem as tropas para casa, paz para o Vietnã”7. O serviço militar obrigatório para todos os varões estadunidenses e com ele a possibilidade de ser enviado ao Vietnã alimentou os protestos. Milhares de jovens universitários nos campi decidiram queimar suas carteiras militares. Em outubro de 1967, 200 000 marcharam em frente ao Pentágono, exigindo a paz.

O movimento racial negro que já vinha mobilizado desde anos antes, também tomou a bandeira da guerra já que essa mesma discriminação social também chegava ao exército e eram o setor mais exposto a sofrer no front. O setor mais radical de Malcom X e o mais pacifista de Martin Luther King ganharam um novo impulso. O movimento não era só universitário, mas também se estendia aos trabalhadores.

Foi um fato de repercussão mundial o pódio das Olimpíadas de 1968 no México em que dois atletas ergueram os punhos, simbolizando o poder negro. Outro acontecimento de grande impacto foi a recusa do boxeador Cassius Clay em se alistar para ir ao Vietnã, o que valeu uma pesada suspensão para o maior lutador de todos os tempos.

O movimento de libertação da mulher também sacode a sociedade norte-americana. Surgem numerosas organizações e uma coalizão em defesa dos direitos da mulher e do aborto que produz grandes mobilizações nas quais participam uma ala de mulheres democratas, a esquerda marxista, (em particular a trotskista que lança a primeira candidata mulher à presidência, Linda Jenness, pelo SWP) e setores anarquistas.

Pela primeira vez um presidente dos EUA não se apresenta à reeleição. Vendo a humilhante derrota que já se manifestava nas pesquisas ante o prolongamento da guerra, Johnson decide se retirar. Com o assassinato de Robert Kennedy (candidato democrata), assume o poder Richard Nixon destituído pelo escândalo de Watergate (1973). Esse evento consistiu na descoberta de escutas por meio de mini-microfones que a administração Nixon havia posto na sede do partido Democrata. Mas este escândalo era somente uma parte dos métodos que estava empregando o governo Nixon que havia montado um gabinete de conspiração secreto ao redor dele mesmo, paralelo ao governo. O governo de Nixon, pressionado pela crise, estava utilizando métodos que levavam o regime democrático-burguês clássico americano ao bonapartismo. Sua renúncia põe fim a esse processo, mas nem assim a guerra.

A invasão do Camboja com o objetivo de cortar a ajuda militar que entrava por esse país e derrotar a frente de libertação do KMER Vermelho realizado quando já estavam começando as negociações de paz fazem recrudescer o movimento anti-guerra que chega a seu pico mais alto.

É de se notar que a esquerda marxista desempenhava então um papel muito importante neste movimento, sobretudo o SWP, o principal partido trotskista criado por Joseph Canon, fundador também do Partido Comunista e que se passou para a oposição de esquerda. Nesses momentos, o SWP estava em um grande momento de apogeu e havia se apresentado nas eleições com Peter Camejo que era um dos líderes do movimento anti-guerra8.

Como já dissemos, a crise e o rechaço à guerra nos EUA se dava também dentro de suas tropas que combatiam no Vietnã. Não só era um problema de baixa, mas de desacato, de protestos, consumo de drogas para poder sobreviver ao horror das ações que foram muito ilustrativos da situação.

1972-73 As negociações de paz de Paris e o papel da burocracia chinesa e russa prolongam a guerra

Os EUA iniciam a “vietnamização” da guerra e as negociações de paz em Paris são desatadas. As mesmas que se realizaram em 1972 até os acordos de 1973, arrastaram o triunfo no Vietnã do Sul até 75. Os EUA, ao mesmo tempo em que negociavam, desencadearam ferozes bombardeios no Vietnã do Norte e do Sul.

Moscou e Pequim mantinham sua ajuda a um nível mínimo que era indispensável para que a RDV e as forças de libertação no sul sobrevivessem ao brutal ataque dos EUA. A pressão do governo de Ho Chi Min, a necessidade de não deixar morrer as tropas e em certa medida também a pressão do governo de Castro que ameaçava mandar soldados para combater o Vietnã obrigou aos regimes burocráticos a manter essa ajuda.

Mas Moscou e Pequim continuaram dando máxima prioridade para obter um acordo de viver e deixar viver com os imperialistas. Feldman no artigo já citado comenta deste modo: “Em 1967, quando maior número de tropas ocupavam o solo vietnamita, o primeiro-ministro soviético Kosigin foi a Glassboro, Nova Jersey para ter um encontro cordial com o presidente Johnson. O 26 de novembro de 1968, o regime de Mao fez um chamado com o fim de melhorar as relações com o imperialismo norte-americano, baseado nos “cinco princípios da coexistência pacífica”, entre os quais não se incluía a finalização do ataque ao Vietnã”.

A pressão dos governantes de Moscou e Pequim em 1972 foi decisiva para impulsionar os dirigentes vietnamitas a aceitar outro compromisso, o dos Acordos de Paris, em janeiro de 1973. Nos meses intermediários, as forças vietnamitas de libertação realizaram uma ofensiva massiva que ameaçou derrotar o exército de Saigon. Nixon respondeu ordenando um bloqueio naval e minando os portos de Vietnã do Norte. Em três meses se levaram a cabo mais de 5000 bombardeios contra Vietnã do Norte.

Brejnev consentiu este bloqueio, reduzindo a ajuda ao Vietnã e deixando claro que Nixon seguia sendo bem-vindo em Moscou. Os vietnamitas se encontraram pressionados a ceder terreno ou a enfrentar a arma pulverizante do imperialismo, sem contar os aliados poderosos. Dessa maneira a FLN e Hanói foram forçados finalmente a ceder à pressão, propondo um arranjo que se traduziu nos Acordos de Paris em janeiro de 1973. Pelos mesmos se estabelecia uma trégua no conflito: os EUA tinham 60 dias para retirar suas tropas terrestres enquanto que Vietnã do Norte manteria 150 mil soldados no Sul.

Sobre os acordos de paz o boletim interno do PST argentino dizia: “A existência de dois partidos stalinistas no Vietnã, um dos quais tem o governo no Vietnã do Norte, torna ainda mais perigosa essa trégua, já que esses partidos chamam à formação de um governo de coalizão nacional com a burguesia.”

Entretanto, o Vietnã estava obrigado a forçar um acordo deste tipo para a guerra e defender o poder dual conquistado no sul. Não era a mesma situação das burocracias dos chamados países do “campo socialista”. Por isso, em vez de fazer um bloco como com os EUA, levavam adiante uma disputa de interesses de cada burocracia instalada em seus países o que habilmente é utilizada pela diplomacia estadunidense. De um lado, e pensando no perigo do expansionismo soviético mais que do imperialismo, a China de Mao dá uma viragem em sua política internacional e começa – ainda na era Nixon-, a diplomacia de ping-pong com os EUA. Por sua vez, Rússia, que mantinha como já vimos sua política de coexistência de Yalta, vê na China um rival que não era dócil a sua política e podia ampliar sua zona de influência na Indochina. Esta rivalidade inter-burocrática já havia se expressado nos enfrentamentos militares na fronteira entre os dois países.

O salto para os acordos da China com os EUA significou uma mudança qualitativa da política chinesa que até então havia se mantido em uma posição independente. Em seu livro “China”, Henry Kissinger denomina isso de “ o abandono de Mao da política de revolução permanente pela do diálogo”. Referindo-se às negociações com o presidente chinês Chou em Lai e à diplomacia chinesa, Kissinger explica que “chegou o momento, subordinamos o acordo da retirada de nossas tropas em Taiwan ao acordo sobre a Indochina.”9 Este acordo em um longo processo de negociações terminou funcionando. E o mesmo foi fundamental para que os EUA pudessem recompor-se da derrota sofrida no Vietnã.Contudo, apesar deste nefasto papel, a FLN e o exército do Vietnã do Norte terminam minando até levar a derrota o Exército do Vietnã do Sul.

1 de maio de 1975 “A embaixada é nossa!”
Voltando ao que dizíamos no começo deste artigo, em 30 de abril de 1975, quando os últimos funcionários da embaixada dos Estados eram evacuados, as massas de Saigon, entraram nela, saqueando-a e incendiando-a. “A embaixada é nossa”, disse sorrindo um soldado do exército de Saigon, segundo relata Feldman em seu artigo já citado.

A maioria dos edifícios abandonados pelos norte-americanos foi saqueada, enquanto outras partes de Saigon permaneceram intactas graças aos operários, estudantes, jovens e quadros da FLN que se encarregaram de manter a ordem.

Horas mais tarde, um tanque da RDV derrubou as portas do palácio presidencial, enquanto colunas das tropas da FLN e da RDV se mobilizavam dentro da cidade. Os soldados dos tanques gritavam “olá, camaradas” aos espectadores e jornalistas estrangeiros.

Assim, dessa maneira, culminou a derrota dos EUA e se iniciou outro processo; a unificação do Vietnã que terminou pela pressão das massas expropriando a burguesia do Vietnã do Sul. E começou outra história que permitiu estabilizar o domínio imperialista dos EUA.

Uma catástrofe. China invade Vietnã. A Guerra entre os países do chamado socialismo real. (Estados operários)

Com a guerra entre os países chamados do “socialismo real” começou outra história e também novos debates. Já haviam ocorrido a invasão da Rússia e da Hungria em 1956 e a Tchecoslováquia em 1968. O novo período começou com a invasão do Vietnã ao Camboja, que de nossa parte consideramos que tinha um caráter contraditório porque a libertação desse país não havia significado a expropriação da burguesia. Isso se faz muito mais evidente com a invasão da China ao Vietnã10.

Este foi o fato mais lamentável ocorrido depois do colossal triunfo revolucionário quanto mais se mostraram de modo inflamado os diferentes interesses das burocracias. Ocorreu porque a Rússia tinha uma maior influência sobre o Vietnã que a China. Por esse motivo, a China decide em 1979 invadir o Vietnã unificado. A China tinha o temor que a expansão da influência russa poderia significar uma invasão desta a seu país. Um argumento insustentável que mostra o aspecto pérfido dos interesses burocráticos e da defesa destes antes do interesse superior de levar adiante uma luta comum contra o imperialismo.

É essencialmente o papel da burocracia que permite ao imperialismo americano recompor-se depois de sua derrota no Vietnã. Wallerstein comenta no livro citado que o pacto de Yalta havia sofrido um dos mais poderosos golpes no Vietnã mas que eram assimiláveis como são os golpes no abdome ou são nos braços numa luta de boxe.

Foi essa situação que permitiu dar o golpe no Chile em 1973 e dessa maneira estabilizar seu quintal e começar a fechar a situação pré-revolucionária mundial que abriu o maio francês.


Notas do autor

1 A península indochinesa era formada por Laos, Camboja e Vietnã.

2 Ver artigo completo em anexo

3 Desde o começo da ocupação japonesa houve levantes. Em outubro de 1940, em Tonkin, em novembro na Conchinchina, em janeiro de 1941 em Annam. Os imperialismos japonês e francês se uniram para reprimir ferozmente estes movimentos populares. É então que se constituiu o Viet Minh: Liga pela Independência na Indochina. Estava formada por dois partidos. Nacionalistas que abarcavam a pequena-burguesia e a ala esquerda da burguesia liberal, de dois partidos comunistas (o stalinista e o trotskista). Em 1945, estala a insurreição em Saigon onde a Liga pela Independência joga um papel importante. A partir da oposição de esquerda no seio da Internacional Comunista, o trotskismo vietnamita foi muito forte. Por exemplo, em eleições realizadas no ano 39, obteve 80 vezes mais votos que o Partido Comunista. Um dos seus principais dirigentes era Ta Thu Thâu que praticamente passou mais da metade de sua vida em pressão até que foi assassinado pelas guerrilhas controladas pelo Vietminh. A partir da oposição de esquerda no seio da Internacional Comunista, o trotskismo vietnamita foi muito forte. Por exemplo, em eleições realizadas no ano 39 obteve 80 vezes mais votos que o Partido Comunista. Um de seus principais dirigentes era Ta Thu Thâu que praticamente passou mais da metade de sua vida pressionado até que foi assassinado pelas guerrilhas controladas pelo Vietminh.

4 Nahuel Moreno em seu livro “A revolução chinesa e indo-chinesa” cuja primeira versão é de 1968 comenta as peculiaridades da direção comunista do Vietnã com a de Mao Tse Tung, considerando a primeira muito mais ligada com Stalin pelos vínculos que tinha com o PC francês.

5 Giap conseguiu transportar desarmados os canhões em bicicletas para depois instalá-los nas colinas que rodeavam A Fortaleza. Fizeram isso de maneira que que os franceses não os viram, utilizando túneis e fazendo que só aparecesse nas ladeiras as bocas dos canhões. Depois de várias semanas de bombardeios, a infantaria carregou e destruiu Dhen Bien Phu.

6 Immanuel Walerstein, intelectual e professor universitário dos EUA, em seu livro “A decadência do Império Americano” é quem melhor explica essa relação.

7 Ao redor desta questão houve uma interessante polêmica na IV Internacional. Apesar de que o tema central do debate ao redor do qual se havia duas tendências para o X Congresso girava em torno do foquismo guerrilheiro na América Latina, na qual nossa corrente personificada principalmente no PST Argentino defendia como o SWP e Hugo Blanco a luta armada ligada ao movimento de massas, contra a liderada por Ernest Mandel e a LCR francesa, que incentivava essa forma de luta, também havia uma certa polêmica a questão das consignas frente a guerra. Enquanto nós defendíamos a posição adotada pelo SWP “voltem as tropas e a paz no Vietnã, (que jogava um papel fundamental nos comitês antiguerra dos EUA), a corrente de Ernest Mandel criticava o SWP e encabeçava suas colunas com a consigna de apoio a Ho Chi Min.

8 Como já vimos o Socialist Workers Party fazia parte da IV Internacional e formou junto ao PST argentino de Nahuel Moreno, o PST peruano de Hugo Blanco, a Tendência Leninistas Trotskista. Esta tendência que logo se transformou em fração deu uma luta intensa para o X Congresso. Seu texto base foi “Argentina y Bolivia un Balance”.

9 Taiwan é uma ilha em frente a China que nunca foi reconhecida por Pequim e que ficou em poder da burguesia do Kuomitang durante a revolução chinesa. EUA e a comunidade internacional a reconhecem como país até hoje, ainda que depois de vários anos de negociações, os EUA terminaram retirando suas tropas.

10 Isso significou um debate na IV Internacional na qual o PST argentino tinha posições mais concordando com Mandel que com o SWP dos EUA. Mandel e nós apoiávamos o Vietnã. Depois a polêmica se clarificou mais quando a China invadiu o Vietnã. Ver Boletins de discussão da IV sobre este tema no site do MES


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Pedro Micussi