A direita busca seu plano (e como enfrentá-lo?)

A indefinição na agenda política do país abre uma série de cenários à esquerda e à direita. Num ambiente imprevisível, a um ano da eleição presidencial de 2018, a direita busca um plano para manter-se no poder.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 9 out 2017, 23:38

A indefinição na agenda política do país abre uma série de cenários à esquerda e à direita. Enquanto Temer segue sangrando, apesar de ter folga para vencer a segunda denúncia na Câmara, a bolsa de apostas eleitorais começa a se intensificar. Depois de um intenso debate no Congresso, a reforma política aprovada – à  exceção da criação do bilionário “fundão” para campanhas – muda pouco ou quase nada o atual sistema eleitoral. A agenda do governo segue lenta, já que Temer discursa a favor das reformas, mas luta de forma renhida para afastar-se das denúncias de corrupção e garantir maioria parlamentar para concluir seu mandato. Nesse cenário ainda imprevisível, a um ano da eleição presidencial de 2018, a direita busca um plano para manter-se no poder.

A crise que vive o PSDB, principal expressão partidária da direita, também abre margem para saídas mais extremadas. A disputa interna entre Alckmin e Doria, somada à condenação de Aécio, levam os tucanos a uma crise sem fim. A recente pesquisa de opinião do Datafolha, publicada no domingo 9 de outubro, demonstra que João Doria começa a perder espaço e popularidade no mesmo momento em que sua reação arrogante e irada às críticas de Alberto Goldman amplia antipatias da cúpula tucana a suas pretensões presidenciais.

A avaliação do prefeito João Dória está em queda e sua administração, aos poucos, revela-se um fiasco mesmo nas áreas onde prometia ser uma grande renovação, o que foi registrado em recentes e duros editorias da Folha e do Estadão. Sua aprovação caiu 8 pontos – oscilando de 40 para 32%. Enquanto isso a reprovação chegou a 26%, subindo para 40% os que o enxergam como “regular”. 58% dos entrevistados acreditam que ele sequer deva concorrer a presidência. Suas constantes viagens são atribuídas como “prejuízo” para a cidade e apenas busca por benefícios pessoais para o prefeito. Na enquete, Alckmin tem 45% contra 31% de Doria quando a pergunta se refere a quem deveria ser o presidenciável do PSDB. Está claro que o governador de São Paulo começa a ganhar a dianteira dessa guerra interna no ninho tucano.

Dias antes, a revista Piauí revelara em reportagem muito competente as conexões empresariais e debates políticos da coordenação do MBL. Em seu grupo de WhatsApp, os dirigentes do grupo são claros: trabalham pela implosão do PSDB e para garantir uma candidatura de Doria, encabeçando uma aliança envolvendo PMDB, DEM, o agronegócio e lideranças políticas evangélicas. Ou seja, diante da crise do país, a estratégia do MBL é reciclar os velhos partidos corruptos e manter a direita fisiológica que comanda o governo Temer no poder, com um programa de privatizações e ataques aos direitos do povo, combinado a um discurso reacionário contra LGBTs, mulheres, negras e negros, religiões de matriz africana e as artes, como ficou claro na campanha de calúnias promovida por este grupo contra a exposição do Queermuseu, em Porto Alegre, e contra a performance de um bailarino no MAM-SP. O grupo finalmente revela o que sempre foi: uma nova roupagem para o atraso nacional, que se move em apoio às pretensões presidenciais de Doria.

Outra frente aberta contra o modo tucano de governar é a batalha que o funcionalismo público de Porto Alegre trava com o prefeito Nelson Marchezan Júnior. Outro prefeito da grife MBL de novos “gestores”, Marchezan Jr. também se encontra em apuros. Acaba de ser derrotado em dois projetos importantes na Câmara dos Vereadores – o que modificava o sistema de transporte público e a proposta de aumento do IPTU. Isto trouxe uma ruptura importante na própria Câmara, com a perda do líder do governo, além da demissão de uma série de secretários. Aliás, na oposição parlamentar, o PSOL tem-se apresentado como uma alternativa em contraposição ao prefeito tucano. Também nas ruas a resistência a Marchezan Jr. aumenta com a greve dos municipários.

Doria e Marchezan não escapam da crise profunda que vive o PSDB. O congresso partidário marcado para 8 de dezembro possivelmente será seguido de uma revoada tucana. Na disputa pela sucessão de Aécio, vários setores organizam suas próprias batalhas internas. Há um flerte do setor de economistas do PSDB com o Novo, partido no qual já ingressou Gustavo Franco – um dos cabeças do Plano Real e do grupo liberal da PUC-Rio. Armínio Fraga é cogitado como o próximo da lista.

Bolsonaro e a linha dura conservadora

A exposição dos interesses e conexões financeiras dos aliados de Doria, a queda da popularidade do prefeito e as críticas crescentes a sua péssima administração em São Paulo talvez possam abrir terreno para Bolsonaro e os seus granjearem apoios para uma “coalizão” à direita da direita tucana. A nova roupagem de um partido inexpressivo que cedeu a legenda para Bolsonaro – o PEN, que agora se chama Patriota, parece estar a serviço desse projeto.

Seus planos são dificultados pelas resistências a Bolsonaro em enormes parcelas da sociedade e também na própria burguesia – como mostrou a reportagem de Veja. Não à toa, Bolsonaro tenta com muito custo dissociar-se da imagem de militar tosco sem programa econômico, para apresentar-se como um “liberal” alinhado aos Estados Unidos. Uma ala importante da burguesia não tem em seu horizonte uma saída militar ou de extrema-direita. A Globo tem-se destacado por posições contrárias às posturas mais reacionárias no terreno dos costumes. E realizou uma série bastante crítica à ditadura militar: “Os dias eram assim”. Para esse setor da burguesia, o ideal não é acirrar os ânimos do país, mas tentar manter alguma estabilidade e coesão da vida social e aprovar reformas duras contra o povo no terreno econômico. É neste caminho, aliás, que Alckmin aposta suas esperanças para vencer a disputa interna no PSDB e ganhar apoios na burguesia: apresentar em 2018 uma candidatura conservadora, com “experiência” para seguir aplicando o ajuste e “estabilidade” para garantir a retomada da confiança empresarial.

Ainda repercute a declaração do general gaúcho Hamilton Mourão. Sua defesa de uma intervenção militar constitucional – como se fosse possível conciliar esse paradoxo entre um golpe e a defesa dos marcos constitucionais – avivou o debate no país. Foi recebido com uma posição leniente, ainda que contrária por parte do alto mando das Forças Armadas.

Apesar de pequenos, os atos pela intervenção militar acabaram tornando-se ruidosos. A crise do regime é a base da instabilidade e o fermento para as posições conservadoras, que ganham destaque inclusive entre os setores mais atrasados da massa. Tal crise é motivada pelo cansaço e indignação diante dos escândalos de corrupção. O desmonte da greve geral de 30 de junho e a vitória de Temer sobre as manifestações que pediam sua saída também foram um elemento importante de desmoralização.

De outra parte, não podemos abstrair a enorme crise de segurança pública nas grandes cidades. Como efeito da crise social, o aumento da violência é gritante. As disputas entre bandas do tráfico alarmam o país. A expressão máxima é a Rocinha, no Rio de Janeiro, onde o Exército promoveu uma ocupação. A guerra do tráfico paralisou aulas nas escolas. O medo da violência, os repetidos crimes bárbaros e o total descrédito nas polícias vinculadas à corrupção, como mostrou pesquisa do Datafolha no Rio, alimentam a ideia de que é necessário um salvador da pátria. Bolsonaro é quem, hoje por hoje, se apresenta como tal personagem. Sua ambição e estratégia levaram-no a uma turnê, a partir desse domingo, por várias cidades dos Estados Unidos, onde quer passar credibilidade para investidores e representantes do capital financeiro. Beber da fonte da extrema-direita no mundo é também outro objetivo manifesto dessa viagem de Bolsonaro. Num ambiente de maior polarização, posições de extrema-direita ganham peso e assentos nos parlamentos. Depois de inesperada eleição de Trump, a onda Le Pen na França e o recente resultado da extrema-direita alemã – que conquistou posições no Parlamento – assustaram a Europa.

A luta está em curso: resistir e enfrentar pela esquerda

Diante dos impasses políticos, a melhor forma de enfrentar a direita é construir uma alternativa de verdade, por baixo e relacionada às lutas da sociedade. Apesar da defensiva causada pela crise econômica e o aumento do desemprego, há categorias resistindo e a esquerda socialista deve buscar a maior unidade para defendê-las e enfrentar os ataques sistemáticos dos patrões e governos.

Apesar de sua tendência restritiva, a “reforma política” aprovada mostrou o pântano em que se encontram os grandes partidos, incapazes de aprovar, diante de seu impasse, a totalidade das medidas que planejavam para assegurar sua reprodução e impedir a expressão da esquerda autêntica. Ao mesmo tempo em que se aprovou uma cláusula de barreira que teremos de enfrentar com afinco em 2018, o limite para participação em debates passou a cinco deputados, garantindo a presença do PSOL e mitigando parte dos efeitos nefastos da “lei Cunha” que sentimos em 2016.

É hora de o PSOL organizar sua candidatura própria para 2018 e apresentar ao povo, à classe trabalhadora e à juventude uma saída para a crise nacional, enfrentando os ensaios mórbidos da direita e suas tentativas reacionárias de reciclar-se para conservar o poder. Uma alternativa generosa, construída com participação popular e debate, para ligar o melhor do acúmulo que construímos até aqui com as lutas que o povo tem organizado: das jornadas de junho de 2013 à resistência aos ataques da burguesia. Sem qualquer compromisso com a falência deste regime político apodrecido, nosso partido tem todas as condições de reunir aquelas e aqueles que apostem neste caminho.


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