Brochuras desde um olhar latino-americano sobre a revolução catalã e a Europa

A revolução democrática catalã parece ser o evento mais importante desta segunda década do século XXI.

Pedro Fuentes 10 out 2017, 13:44

Nos parece que a recém-iniciada revolução democrática catalã, é o evento mais importante desta segunda década do século XXI como o foi na década passada a revolução bolivariana. São processos diferentes, mas para um estudo político prático é bom fazer uma comparação. Para nós latino-americanos que vivemos e participamos ativamente do bolivarianismo, observar melhor o que ocorre na Catalunha e na Europa é uma tarefa importante para auxiliar e tirar lições.

O bolivariano foi um longo processo popular e democrático, antimperialista, capaz de produzir uma ruptura com o regime de Punto Fijo1, gestando a nova constituição da Venezuela. Teve também elementos anticapitalistas que se estancaram em consequência da reação termidoriana encabeçada por Maduro.

Já o catalão é um processo que acaba de iniciar. Podemos dizer que na Catalunha há uma situação revolucionária, na qual se inicia uma revolução democrática que ainda não malogrou ou triunfou. Diferentemente do bolivariano, não é antiimperialista mas uma mobilização democrática revolucionária pela independência. Esta mobilização do povo catalão desafiou a ação repressiva do governo Rajoy e conquistou o referendo pelo SIM. Este abriu um caminho para a realização de uma Assembleia Popular Constituinte que proclame a República Catalã. A luta está em curso: ganhou-se uma batalha, mas não a guerra. O povo catalão já rompeu com o regime monárquico do Estado espanhol; conquistar a república é um novo passo para se concretizar num novo estado essa ruptura.

A revolução venezuelana foi parte de um processo latino-americano de grande ascenso da luta de classes em nosso continente (‘Argentinazo’ em 2001, a Guerra da Água em 2000 e a luta semi-insurrecional que derrubou Losada e Mesa na Bolívia, insurreições no Equador, derrota do golpe militar na Venezuela em 2000).

A Revolução Democrática Catalã se dá num marco de crise da UE que provocou diferentes processos. Convivem as expressões direitistas fascistoides (AfD na Alemanha, Le Pen na França, Orban na Hungria, etc.), a resistência dos trabalhadores aos ajustes, a aparição de novas expressões políticas como Mélenchon na França, Corbyn na Inglaterra e Podemos na Espanha, fortalecimento de movimentos independentistas na Escócia e na Catalunha.

Tanto o bolivarianismo como o independientismo catalã são ambos são processos populares revolucionários, nos quais a classe operária não emerge como sua principal força; são processos de ruptura com o regime e em certa medida com o estado; o papel de direções cabe a forças pequeno-burguesas e/ou burguesas que ultrapassam os prognósticos.
O objetivo desta nossa comparação não é especulativo ou diletante. Tem a ver com a importância atual e a experiência que aprendemos no processo bolivariano no qual pudemos intervir.

Catalunha está na Europa, continente de grande tradição de luta

A revolução democrática catalã tem lugar no berço do capitalismo e onde se viveram as contradições mais agudas que ocasionaram guerras e revoluções. A Europa engendrou tanto revoluções triunfantes, degeneradas e/ou derrotadas, como contrarrevoluções. Vinculadas a elas, também estavam as lutas independentistas. Um grande acúmulo de lutas operárias e populares, movimentos de autodeterminação e de independência. Por sua vez, a Europa foi o centro da concorrência inter-imperialista que originou duas grandes guerras mundiais (1914 e 1939), em grande medida parteiras das principais revoluções.

No século XX, esta longa experiência começa com a revolução russa de 1917 (metade europeia e metade asiática). Continua com as revoluções e desdobramentos da revolução russa entre 1918 e 1924 (Hungria, Polônia, Alemanha, Áustria, Itália). Depois de um período de impasse (onde se destaca a greve geral inglesa em 1926), há um novo ascenso nos anos trinta com a revolução alemã (1933), a situação revolucionária na França (1936-38), a revolução austríaca (1934), a revolução e guerra civil na Espanha (1936-1939). A derrota alemã e a política de Stalin facilitam o triunfo do nazismo na Alemanha e a derrota da guerra civil da Espanha, acontecimentos que se somam ao triunfo anterior de Mussolini na Itália para amadurecer as condições para uma nova guerra mundial.

A Europa não se deteve ali. Durante a guerra mundial e o pós-guerra, a resistência armada partisan derrotou os exércitos de ocupação do fascismo: na França, La Résistance esmagou o Regime de Vichy; na Itália, os partigianicortaram os fasces de Mussolini e colocaram para correr as tropas de Hitler; na Iugoslávia, as brigadas proletárias expulsaram o Wehrmacht de Hitler; o levante de Varsóvia interrompeu os horrores do Eixo nazifascista. A resistência partisan, nas quais os PCs tiveram uma importante participação, depois se combinou com as insurreições operárias e populares, também majoritariamente dirigidas pelos comunistas, antecedendo o avanço dos exércitos aliados. Com exceção de Tito na Iugoslávia, o resto das revoluções foram abortadas ou freadas tanto pelas tropas aliadas quanto pelo exército russo. Os pactos de Potsdam e Yalta repartiram o planeta entre as potências triunfantes na guerra e possibilitaram a hegemonia do stalinismo nas principais organizações operárias em grande parte do mundo, inclusive no Brasil.

A Europa não se silenciou e lutou diretamente contra o stalinismo. Revoluções políticas se sucederam na Alemanha Oriental em 1953 (ano da morte de Stalin), na Hungria em 1956 e na Tchecoslováquia em 1968. Todas elas foram reprimidas pelo stalinismo com a benevolência dos impérios ocidentais.

O fim do boom econômico do pós-guerra e a reação aos stalinistas tiveram seu ponto alto no maio francês de 1968 e suas derivações (a greve com ocupações de fábrica na Itália e na Alemanha em 1969, a revolução dos Cravos em Portugal, a derrota do franquismo na Espanha, o fim da ditadura militar na Grécia, a revolução do Solidarionosc na Polônia, etc.)

Também as lutas de autodeterminação e independência nacional têm uma longa história e tradição na Europa. Onde existiram e existem são produtos do desenvolvimento desigual do capitalismo; porque há nações que não são países que não puderam construir suas fronteiras nacionais independentes e seu estado independente, que não conseguiram formar seu próprio mercado de desenvolvimento capitalista próprio na época do capitalismo de livre-concorrência.
Veio a fase dos grandes monopólios e ficou praticamente interditada a possibilidade de independência política das nacionalidades oprimidas no interior das metrópoles, sem grandes rebeliões.

Em diferentes momentos durante o século XX, as nacionalidades oprimidas na Europa levantaram-se para ter direito a sua autodeterminação. Assim se passou com os escoceses, irlandeses, galegos, bascos, catalães, etc. Não por acaso, uma das maiores conquistas e atrativos dos anos iniciais da revolução foram o respeito máximo pela autodeterminação dos povos, principalmente dos oprimidos pelo antigo Império Russo. A União Democrática Soviética proclamou em seus estatutos que todos os povos tinham o direito de decidir por si mesmo os seus destinos.

A crise da União Europeia

A rebelião democrática catalã se da em meio da crise da União Europeia. A EU foi gestada com o crescimento econômico do pós-guerra, como tentativa da burguesia imperialista europeia (especialmente das mais importantes da França e da Alemanha) de finalizar um período de concorrência econômica e ocupar o espaço deixado pelo começo da decadência imperialista dos EUA. Este projeto parecia se concretizar com relativa força quando se deu a derrubada da burocracia nos países do Leste. Teve um passo importante com a unidade monetária de 1998-99 que estabeleceu a Eurozona e com a abertura das fronteiras. Criou-se o Banco Central Europeu. Para isso, fizeram-se os tratados para unificar os orçamentos (o mais importante é o de Maastricht), que em definitivo eram o início do ajuste contra os povos por parte da burguesia.

A UE para avançar tinha que confeccionar uma constituição europeia e estabelecer um governo europeu. Algo impossível de se chegar pelas próprias contradições do capitalismo e da luta de classes. O primeiro fracasso foi o NÃO nos referendos da Holanda e da França em 2005, onde a então LCR desempenhou um papel importantíssimo à diferença de outros agrupamentos trotskistas que se recusaram a apoiar o NÃO com o argumento de que a direita nacionalista também estava pelo NÃO. De todas as formas, houve certo período de investimentos dos grandes capitalistas europeus (especialmente da Alemanha) nos países mais pobres e periféricos do bloco (Espanha, Portugal, Grécia, etc.), desenvolvendo infraestrutura para facilitar seus lucros e estimulando seus grandes bancos (especialmente da Alemanha) a comprarem grande parte da dívida dos países mais periféricos que se viram obrigados a entrar nesta ciranda. Os capitalistas espanhóis, todavia, não foram idiotas e utilizaram grande parte deste período para se fortalecer, realizando fortes investimentos na América Latina.

A construção da UE já estava questionada pelas suas contradições e a luta de classes mudou bruscamente com a crise de 2008. O idílio da ‘unidade’ terminou; veio a troika como uma camisa de força sobre os países do sul (Grécia, Espanha, Portugal) aos quais impuseram planos de austeridade típicos dos governos latino-americanos agentes do imperialismo. Nestes países, esta política e o exemplo da primavera árabe fez aparecer os indignados na Espanha, além da situação pré-revolucionária que levou Tsipras (Syriza) ao governo na Grécia. A história grega, aliás, é tão conhecida quanto lamentável, produto da ideia do grupo de Tsipras de que era possível negociar com a UE e do isolamento conjuntural do pequeno país helênico.

A crise mundial e a rebelião catalã

Que a rebelião catalã ocorra num período diferente da venezuelana quer dizer muitas coisas. Ocorre no período no qual definimos como impasse crítico global, um período de contradições agudas em decorrência da maior crise da história capitalista e da ausência de direção revolucionária. Um período onde se concentram tanto nos EUA quanto nas metrópoles europeias: a imigração resultante da fome e das guerras no Oriente Médio; o surgimento de correntes nacionalistas e de uma ultra-direita protofascista; crises dos regimes bipartidaristas de associação entre os Partidos Populares cristãos da burguesia com a velha social-democracia dos oportunistas sindicais.

Por outro lado, também há a resistência dos trabalhadores: lutas democráticas contra a repressão e o autoritarismo, venha de onde venha; luta contra as opressões; genuínos processos de independentismo na Escócia e agora na Catalunha, como antes ocorrera na Bósnia-Herzegovina e Kosovo. Todas as contradições e suas vias de solução, para um lado ou para o outro, estão vivamente abertas.
Isto é, o processo da Catalunha não é uma ilha num mar tranquilo; localiza-se em meio de uma tormenta, com raios e trovões, assim como foi em sua época a guerra civil e a revolução espanhola de 1936.

Como escreveu o economista Husson num artigo de 2014, publicado pelo Viento Sur, estamos em meio a uma ‘crise de dominação e de caos na circulação”. Uma decadência do imperialismo americano (Trump é a maior expressão política disso) e uma maior concorrência mundial, cujos polos adversários são os EUA e a China.

As lutas da Espanha e Catalunha contra a monarquia castelhana e o franquismo

As lutas pela autodeterminação dos povos que são nações sem estado na Europa fazem parte desta tradição das massas europeias. A independência deles é um processo genuíno que tem sua história e que eclode na Espanha como na Escócia pela situação de crise e pelo atraso do proletariado mundial de levar adiante uma luta que unifique a classe operaria dos distintos povos.

A Península Ibérica, como os Balcãs, é um lugar onde a formação do capitalismo foi mais deformada. O povo basco, galego e catalão foram sometidos historicamente pelo imperialismo castelhano baixo a monarquia bourbônica. Desde 1714, as tropas bourbônicas oprimem a região da Catalunha, desprezando seu passado, sua língua, sua cultura e seus símbolos nacionais.

Em 1931, depois de anos de luta contra a monarquia bourbônica há eleições municipais onde triunfam os republicanos. É uma revolução democrática que derruba a monarquia. Isso ocorre em meio a uma mobilização geral do povo e se proclama a República. Na mesma, estabelece-se nitidamente o respeito às nacionalidades ibéricas, como nunca antes tinha sucedido. É um regime democrático, uma federação que respeita as peculiaridades nacionais. E desde estão esta é uma consigna histórica que terão que conquistar todos os povos da Espanha.

A atual luta pela independência catalã é parte disso. Não à toa nas manifestações começaram a aparecer as bandeiras republicanas reprimidas pelo franquismo e posteriormente pelo pacto da Moncloa que reestabeleceu a monarquia.

A guerra de Franco contra a República vai de 1936 a 1939, levada adiante pelas tropas franquistas com apoio de Hitler e Mussolini. Esta guerra combina a luta democrática da defesa da República com uma luta em seu interior sobre como fazê-la e quem precisa encabeçá-la. Há de fato um duplo poder em seu interior. As vacilações do governo da Republica, nas mãos dos socialistas apoiados na burguesia republicana tem enormes vacilações. Por isso, ao mesmo tempo, surgem em toda a Espanha as milícias e as brigadas nas quais jogam um papel fundamental os anarquistas – num primeiro momento, também o Partido Comunista com peso nos trabalhadores madrilenhos.

Na Catalunha estão também as milícias do POUM, partido dirigido por Andres Nin, trotskista líder da oposição de esquerda ao stalinismo e partidário da IV Internacional. Nas zonas republicanas (Astúrias, Catalunha, Aragão, especialmente) há de fato uma revolução operária no campo republicano; expropriam-se fábricas, leva-se adiante a reforma agrária. O ponto mais alto é a Catalunha onde se chega a uma insurreição operária contra o governo da Generalitat, um enfrentamento nas ruas entre as milícias dos anarquistas de Durruti e o POUM contra o partido comunista e o exército republicano. Nas jornadas de Maio entre 3 e 8 de 1937, as brigadas anarquistas e do POUM tomam diversas localidades das províncias da Catalunha, com epicentro na cidade de Barcelona. Nestes acontecimentos, enfrentavam-se os grupos anarquistas e trotskistas (partidários da Revolução), por um lado, e o Governo da República, a Generalitat da Catalunha e alguns grupos políticos, por outro lado. Foi o ponto culminante do enfrentamento entre a legalidade republicana do pré-guerra e da Revolução, que estavam em fricção constante desde 18 de julho de 1936.

A partir da derrota das brigadas anarquistas e poumistas, ganha força o Partido Comunista que, dirigido desde Moscou por Stalin, vai desmontar as brigadas para ‘normalizar’ o exército, que termina sendo derrotado, pelas tropas franquistas quando estas tomam a Catalunha.

Nos últimos anos do franquismo antes da morte do caudilho em 1975, surge uma grande resistência da classe operária que se organiza nas Comissões Operárias (CCOO) e das nacionalidades especialmente no País Basco. As CCOO dirigidas pelos comunistas são uma organização clandestina com trabalho nas fábricas que enfrenta os sindicatos falangistas do franquismo e que vão conquistando poder cada vez maior contra estes.

A morte de Franco ocorre em meio a este fortalecimento do Partido Comunista e o ressurgimento dos socialistas. Coloca-se novamente a luta pela República. Os stalinistas e socialistas voltam a jogar um papel traidor ao assinar com os partidos herdeiros do franquismo o famoso pacto na qual a autoridade soberana, por cima do regime pseudodemocrático e o Rei.

O pacto de Moncloa concede um novo estatuto de autonomia parcial à Catalunha, que seria repetidamente descumprido nas décadas posteriores. Jordi Pujol presidirá a Catalunha de 1980 a 2003, sempre pactuando com a monarquia castelhana. Emerge o empresário Artur Mas, com base em promessas de terminar com a opressão fiscal de Madri e contra as seguidas decisões monocráticas do Tribunal Constitucional. O crescimento de força independentista ERC pressionará Mas a convocar o referendo unilateral de 2014. Por fim, Mas é substituído por Carles Puigdemont, que assume a tarefa de levar adiante o processo independentista, em acordo com a anticapitalista CUP que lhe permite na Generalitat.

O plebiscito, a repressão, a greve geral, o discurso do rei. A uma ruptura subjetiva das massas com o estado monárquico espanhol

Nestes dias, houve uma sucessão de acontecimentos que transformaram a aspiração do povo catalão a sua independência e a resolução da Generalitat de fazer o plebiscito numa rebelião, num primeiro momento, e agora numa porta para a revolução.

A mobilização independentista, sempre latente na memória coletiva dos catalães, ganha um impulso com a Diada de 2012, no espaço aberto pelos indignados do 15-M. O Diada daquele anos compreendeu uma mobilização de massas que passou então a desempenhar um papel determinante na escalada de conflitos entre o Estado castelhano e a Catalunha. Internamente, mudou-se o governo regional e a Convergencia y Unió transformou-se num bloco chamado Juntos por el Sí. As mudanças de Pujol a Mas e Puigdemont refletiram estas etapas distintas dos últimos cinco anos.

A convocação e realização do plebiscito é, antes de tudo, uma consequência da intransigência do governo de Rajoy de abrir uma negociação com os independentistas, majoritários no Parlamento da Catalunha.

A organização do plebiscito foi uma tarefa que conseguiu unir o governo catalão com um importante setor do movimento de massas em desacordo com o Estado espanhol.

O plebiscito triunfou, ante todas as ameças e pressões da Espanha. A iniciativa do governo foi respaldada pelas massas, havendo uma correspondência dialética entre o golpe autoritário de Rajoy e o contra-ataque certeiro do independentismo. Mais de 2 milhões de catalães compareceram às urnas, enfrentando a cruel repressão da Guarda Civil espanhola, numa mobilização revolucionária e pacífica, a fim de assegurar a realização do plebiscito. O SIM triunfou inequivocamente (90% dos votos totais), mas Rajoy não recuou um passo em sua ação autoritária, fechando a porta para qualquer negociação e provocando uma greve geral.

A greve geral do 3-O consistiu numa grande mobilização, também pacífica e revolucionária, do povo catalão. A política conciliatória e vacilante da burocracia da UGT e CCOO colocaram as principais organizações sindicais na retaguarda do movimento. Não se trata de uma greve geral operária clássica, portanto; mas de uma greve popular, cívica, onde a parte do movimento operário que o protagoniza não é industrial. A SEAT (FIAT da Espanha), histórico bastião da luta contra o franquismo, não parou. Um grande papel coube também aos payeses (camponeses), com seus tratores bloqueando mais de 40 estradas e rodovias.

Os companheiros da Catalunha reportam uma mobilização permanente contra a Guarda Civil espanholista e repressora.

No mesmo dia da Greve Geral, Filipe VI resolve ir a TV e acusa os independentistas catalães de ‘deslealdade’. O discurso do rei enterra as últimas possibilidades de uma negociação e tenta proteger o governo de Rajoy, internacionalmente desacreditado pelo autoritarismo do 1-O.

Os próximos acontecimentos no restante da Espanha, a partir de agora, serão determinantes para a política da burguesia espanhola que já rompeu com a catalã., através de uma asfixia financeira. O desejo da burguesia espanhola é uma política para toda a Espanha que, como em outras oportunidades, frature o independentismo.

Por fim, deve-se observar que uma das tarefas históricas do povo espanhol, a de derrubar o ultrapassado regime monárquico, passará a depender cada vez mais do que se suceder na Catalunha. Democratas, revolucionários e anticapitalistas precisam apostar na ruptura da Catalunha como a janela de oportunidade capaz de enfraquecer ainda mais a super-estrutura de Moncloa a fim de que se fundem novas bases políticas também em Madri, cuja essência seja radicalmente oposta à austeridade permanente imposta aos trabalhadores espanhóis.

Vivem-se momentos decisivos

A etapa mais difícil está começando. A declaração e concretização da independência podem ser anunciados nos próximos dias, a depender da decisão do movimento de massas e também de sua atual direção. Os problemas maiores são estes: o perigo inerente a todo passo inédito do movimento de massas; a repressão física do estado espanhol e a ação direta econômica de setores da grande burguesia catalã, descontente com a secessão (Oryzon, um grande laboratória, já se prepara para mudar-se para Madri); a fuga dos bancos e possível escassez monetária, etc. Esta situação em pleno agravamento obrigará a tomada de medidas mais radicais, o que torna ainda mais decisiva a permanência da mobilização e as escolhas realizadas pela direção.

Sobre as direções independentistas cabe mais uma vez se atentar para seu caráter frequentemente policlassista. É preciso disputar a direção dos movimentos independentistas e democráticos. Entretanto, alguns setores de esquerda costumam vacilar neste aspecto, cumprindo um papel centrista e, no limite de alguns casos, contrarrevolucionário. Uma pergunta que vale ser respondida é quem tomaria a direção em caso de quebra ou de negociação por parte da atual direção catalã. É possível que os comitês populares que estão surgindo, como nos relata Alfons, desempenhem este papel.

Desde o ponto crítico do processo, a vanguarda das mobilizações de massa têm sido as organizações da Assembleia Nacional Catalã e a OMNIUM, uma instituição em prol da língua e cultura catalãs. Enquanto partidos, Esquerra Republicana e a CUP estão na linha de frente do independentismo. A CUP é anticapitalista, mas com a contradição de negar a necessidade de se fazer avançar o movimento operário neste período histórico.

À esquerda destes, encontra-se um setor à reboque do movimento, embora cada vez mais solidário e integrado a ele. Aqui se destacam Aurora e um setor dos Anticapitalistas, entre outras forças. Outro setor é mais centrista. Catalunha em Comum, ligada a Podemos, demorou para se posicionar sobre a pertinência do referendo, mas agora joga um papel progressivo na mobilização em rechaço à repressão de Rajoy. Nesta nova etapa que se abre, está para se ver qual papel desempenhará.

Por fim, ha também um juventude indignada na Catalunha que assume a característica de juventude democrática e revolucionária.

Primeiros ensinamentos aos latino-americanos

As consignas democráticas são o primeiro motor junto as lutas económicas da mobilização revolucionária neste período histórico. A questão mais importante é que as primeiras são a que podemos produzir a ruptura com os regímenes de exploração atuais. De ai a importância da Assembleia Popular Constituinte como corolário da revolução democrática.

As correntes revolucionárias não podem deixar de estar ativamente dentro destes processos. Existe uma série de erros que não devem ser cometidos novamente, a começar pela recusa a se integrar a estes processos. Evidentemente, trata-se de uma equação difícil de ser selecionada, porque há mobilizações populares revolucionárias que se dão sem uma ação revolucionária que coloque a classe operária na posição de caudilho. A classe não participa como tal, como classe para si, nas mobilizações populares democráticas, não se transformando no caudilho das demais classes. Por isso é tão difícil compreendê-las e estar na primeira fila para nós que temos convicção de que a classe operária precisa desempenhar um papel de direção se queremos que os cursos revolucionários cheguem até as últimas consequências. Em que pese esta complexidade, temos que aprender, enxergar as debilidades da classe e participar por todos os meios possíveis dos novos processos revolucionários que despontam no século XXI.

Para o Brasil, uma lição imediata é a necessidade de encampar as tarefas democráticas. E a luta contra a corrupção é parte inevitável destas. O rechaço de uma grande da esquerda às campanhas contra a corrupção das castas políticas/empresariais, por mais que o PSOL seja o partido mais decente do parlamento, deixa ao partido na metade do caminho para levá-las adiante. Há similitudes com o papel que a esquerda espanhola e catalã exerce na atual situação revolucionária na Catalunha.

Duas conclusões que talvez sejam uteis para participar nos novos processos populares democráticos para esquerda

Estar dentro da classe operaria. Não podemos aguardar que a classe faça sua parte de caudilho com estas direções. Para que tenhamos mais possibilidades de disputa dos movimentos populares necessitamos ter mais inserção na classe operária para enfrentar a inércia, burocratização e adaptação aos regimes das direções do movimento operária. Nossa classe necessita de novas direções que sepultem as atuais direções adaptadas às benesses do Estado burguês. Catalunha mostrou que infelizmente na grande greve geral cívica e popular o proletariado más histórico e de tradição de luta, a SEAT de Martorell, ficou por fora. Isto é também certo para o Brasil.

Construir juventudes anticapitalistas. O lugar onde melhor podemos atuar e intervir nestes processos democráticos continua sendo a juventude. Não é à toa que a juventude está na linha de frente na Catalunha, como esteve nas revoluções árabes, nos indignados espanhóis, na revolta dos Guarda-Chuvas em Hong Kong, no levante popular e juvenil de junho de 2013 no Brasil, etc. Está solidamente demonstrado que é na juventude onde nossas ideias marxistas e a política democrática revolucionária, ou seja anticapitalista, podem ser escutadas com mais facilidade. Ali temos que atuar e ali podem seguramente avançar muito os revolucionários catalães.

(Artigo originalmente publicado no Portal de la Izquierda.)


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Pedro Micussi