Gravíssima crise dos de cima… ausência de poder dos de baixo

Brasil vive a pior crise de sua história, temos que entendê-la para além do impressionismo jornalístico e atuar sobre a contradição existente na luta de classes do país.

Pedro Fuentes 10 out 2017, 17:41

A maneira de introdução

Brasil vive a pior crise de sua história, não somos nós que dizemos, dizem os próprios comentaristas da burguesia. Temos que entender esta crise para além do impressionismo jornalístico e atuar sobre a contradição existente na luta de classes do país; uma crise gravíssima dos de cima e uma falta de poder dos de baixo. Isso tem que server para definir programa, estratégia e tática para todo um período no qual o que está colocado é construir uma alternativa de poder.

Em resumo, neste texto tocam-se os seguintes pontos:

  • a crise da estrutura global do poder (do regime da Nova República) e da economia brasileira. Como estas duas crises estão levando a uma situação de agravamento brutal da pobreza. E como, apesar desta crise, o governo com suas instituições apodrecidas segue tomando mais medidas reacionárias contra os trabalhadores, agravando a crise.
  • a contradição mais importante da situação nacional que tinge e dá as cores do todo é que em meio à crise, mesmo estando deteriorado, este regime continua em uma ofensiva contra o povo e o país. Isso é possível porque há um desenvolvimento desigual, uma contradição entre a crise do regime e a reação das massas ante à mesma. Quem sofre os efeitos da crise são as massas, com o aumento da miséria, do desemprego agravado pela ofensiva do governo contra os direitos. Esta ofensiva também agride o país, suas riquezas e o meio ambiente. Mesmo levando em conta reações positivas contra esta ofensiva de um governo em crise (como o movimento dos artistas em defesa da Amazônia) e sem deixar de ver que por esta mesma crise o governo não tem conseguido votar nem a reforma política, nem a reforma da previdência, ainda assim, o governo segue pela falta de reação das massas
  • a situação das vanguardas que hoje existem no Brasil para avançar na resolução dessa contradição; quer dizer, construir uma alternativa frente ao colapso já definitivo do PT. As velhas e novas vanguardas que existem e como se combinam as táticas e a estratégia para desenvolver uma alternativa de massas no país.
  • podemos definir o período que se abriu como de uma crise dos de cima que não se fecha e uma acumulação por baixo aberta. Em síntese, a crise do regime da “Nova República” se parece à de um doente crônico que padece de uma enfermidade incurável… ainda que não terminal, porque só morrerá quando as massas o derrubem. A tarefa é derrubá-lo e isso ocorrerá quando as massas o façam, em um processo superior às Jornadas de Junho de 2013, a partir da combinação entre espontaneidade das ruas e uma alternativa política. Esta é uma perspectiva que temos que ajudar a construir. É a saída estratégica à situação, que não se dará só objetivamente (quer dizer, somente por forças objetivas que a provoquem), mas será produto de uma combinação entre estas condições e uma alternativa de poder para as massas.
  • a necessidade estratégica dos revolucionários de aumentar qualitativamente a inserção no movimento de massas e de uma política internacionalista.
  • as linhas programáticas e as consignas reivindicativas e transicionais principais para responder à situação que vive o país. A combinação entre a democracia radical (revolução política) e as tarefas anticapitalistas.

Antes e depois do 30 J; dois momentos distintos da conjuntura

1 – A não realização da greve de 30 de Junho fechou o caminho para uma mudança, ou uma intervenção mais decidida do movimento de massas que poderia levar a crise que mudasse a correlação de forças no país e talvez um novo momento superior a Junho de 2013. Esta hipótese não se deu. Por isso a crise nas alturas segue sendo recorrente e muito grave, sobretudo com os fatos da primeira semana de setembro (delação de Palocci, punhalada mortal em Lula e o apartamento de Gedell, punhalada em Temer) que mostram a gravidade da situação do regime.

A máfia no poder conseguiu evitar o impeachment; isso foi uma derrota subjetiva e objetiva muito importante para o povo. A partir de então, o governo retoma certo espaço para avançar com algumas de suas reformas, como a aprovação da lei da reforma trabalhista (que é um verdadeiro retrocesso das relações de trabalho que a classe trabalhadora brasileira havia conquistado). Também se inicia um contra-ataque, encabeçado por Gilmar Mendes, aos procuradores e juízes da Lava Jato. No entanto, a crise da superestrutura provocada pela Lava Jato é tão grande que os desejos da grande burguesia encontram problemas para realizarem-se. Por exemplo, é cada vez mais difícil levar adiante a reforma da previdência e uma reforma política.

2 – Com ou sem Temer, caminhamos para as eleições nas quais não se apresenta um quadro fácil nem para a burguesia, nem para o movimento de massas. Está claro que já não há condições para que surja um Bernie Sanders, um Corbyn ou coisa parecida; não há no horizonte uma nova alternativa de poder deste calibre. Esta oportunidade perdeu-se. Mas, tampouco para a burguesia a saída é fácil. O PSDB que parecia o setor mais sólido para 2018 (reflete uma burguesia menos lumpenizada e mais produtiva), tem pela frente um caminho difícil. Aécio já está descartado e o PSDB não está em seus melhores momentos; dividido entre os que seguem no governo e os que saem do mesmo. A disputa entre Doria e Alckimin significará também um desgaste. Por outro lado, é impossível para o PMDB, depois das malas de Gedell livrar a cara. A possibilidade de Lula, que viria mais domesticada do que em 2003 para governar, assim esteja crescendo nas pesquisas, é cada vez mais improvável pelo trabalho de Lava Jato. Nesta incerteza, também entra apagada e indefinida Marina Silva que não tem nada de novo, mas que, antes da crise, poderia ser uma peça de reposição.

3.- E há Bolsonaro! Esta situação explica o crescimento de Bolsonaro, um outsider, o Trump brasileiro que é o mais perigoso de todos para o movimento de massas é pouco confiável para a burguesia. Cresceu pelo ceticismo das massas, porque um setor do povo quem “mão forte” e por isso ganha força. Não só cresceu Bolssonaro; a inatividade do movimento de massas faz que muitas pessoas comecem a creditar de que se necessita mão firme, e essa mão firma são os militares.

É verdade que não temos derrota histórica ou estratégica do movimento, mas o fato de inação é muito perigoso porque o movimento não só pode ser derrotado por uma confrontação perdida; também pode ser por inação, pôr no sair a briga. A burguesia está longe de querer um governo militar, mas este tem posto um pé ultimamente ao não sancionar ao coronel que falou que se nenhuma instituição resolver a crise estão eles para fazê-lo. Significa que tem aberto uma pequena janela, não muito mais, mas janela ao fim.

4.- Mais além da conjuntura o problema decisivo é criar uma alternativa de poder de ruptura política e econômica com o atual regímen da Nova República. Para isso existe uma grande desigualdade e entre a crise e a ação do movimento de massas frente à mesma. Todos os dias assistimos a fatos que mostram o repúdio do movimento de massas aos “políticos”, que o povo distingue como outra coisa, outra classe. O povo que diz “são todos iguais” é dominado pelo sentimento de decepção e não de indignação ativa.

5 – Por isso existe este impasse crítico que não vai se resolver em curto prazo (especialmente após o 30 J). Este impasse crítico não significa nem calmaria, nem derrota aplastante ao movimento de massas. Tudo segue vivo e as contradições como uma panela de pressão que segue em ebulição pela crise do regime e o aumento da pobreza que será cada vez pior. No movimento de massas fica o sabor amargo da crise e, ainda que sua consciência não tenha avançado para levar a cabo ações independentes, a panela segue no fogo.

É muito difícil para a burguesia fechar a crise

A crise do regime da “Nova República”

1 – Apesar da derrota parcial que significou o fato de Temer não ter o equilíbrio na superestrutura é sumamente instável e crítico; não só porque o movimento de massas não está derrotado, mas porque a própria crise intrínseca do regime é muito profunda e a Lava Jato segue atuando.

A Nova República como sistema de dominação está em crise, fragmentado…. Como dizem muitos comentaristas “o Brasil passa pelo pior momento de sua história moderna”, e não é para menos, o elemento mais grave é de crise das instituições do regime político; o outro é as grandes dificuldades para encontrar um plano econômico com o qual as classes dominantes possam superar a crise.

2.- O golpe mais duro que o regime recebeu foram as Jornadas de Junho; desde então não houve recuperação. Isto é assim porque há uma degradação muito grande de todas as instituições com diferentes graus: o governo, os partidos políticos e o parlamento, a burocracia estatal que controla os serviços públicos, a justiça (já em menor grau, ainda que esteja muito afetada também).

Há no governo um clã mafioso (que o povo reconhece como tal); há um congresso ocupado por uma casta política lúmpem que não vacila em defender seus privilégios de forma descarada. Se trata de uma casta política/burocrática que está encrustada nos mecanismos estatais que atua a serviço das grandes corporações da indústria, do agronegócio e dos bancos, estabelecendo estas relações com base em mecanismos de corrupção muito difundidos, que atingem o regime como um todo. Este passou a ser o modo de vida desta casta.

3 – A corrupção é intrínseca ao sistema (como sempre dissemos), e tem sido muito forte no Brasil desde a época colonial. Aumentou vertiginosamente nas últimas décadas, transformando-se em uma conduta normal da burguesia que tem traços mais lúmpens (como Joesley, maior produtor de carne e Ike Batista que chegou a ser a maior fortuna do país) e do rentismo financeiro. Esta relação não começou com o PT, vem de antes, dos militares, do coronelismo de Sarney, Renan, ACM, os Gomez e suas reciclagens.

O governo do PT com o PMDB, o PP e outros retomou este sistema e, com o vento a favor das exportações estabeleceu uma relação orgânica que teve sua origem no domínio da burocracia sobre grandes fundos de pensão, antes mesmo de ser governo. Com o BNDES em suas mãos e com a alta dos preços das matérias-primas, a promessa do Pré-Sal, etc. adaptou este sistema e impulsionou as corporações burguesas, cujos pontos altos foram JBS e Odebrecht. Enquanto corporações e bancos faturavam altos lucros, a casta política fazia literalmente um banquete (lembremos as festas de Palocci na casa de Brasília, denunciadas por seu porteiro e o aniversário de Cabral em Paris). Aécio, que até pouco tempo atrás era a principal figura do PSDB, também era uma das “figuras” que praticava de forma ostensiva este esquema do qual se salvam muito poucos políticos brasileiros.

4 – A Lava Jato é a reação de um setor da justiça (especialmente quadros de procuradores, juízes médios e delegados da PF) a este sistema. As fissuras na Justiça são consequências das Jornadas de Junho de 2013. É também possível que um setor da burguesia a esteja alentando, cansada de ter gerentes tão parasitários. Entretanto, é impossível que se produza uma mudança de regime somente com a Operação. A Lava Jato pode tirar a sujeira do carro, mas toda a carroceria já está carcomida e oxidada e é preciso trocá-la. A Lava Jato não pode fazer isso sozinha. Seus procuradores, delegados, desembargadores podem ser parceiros de luta para isso e somarem-se à revolução democrática que as massas precisam para fazê-lo.

5 – Uma mudança de regime radical e democrática só é possível com uma revolução política que termine com a aliança entre a grande burguesia e a casta política. A burguesia não pode fazê-la, pode haver setores dela que apoiem, mas esta é uma das tarefas estratégicas colocada para o movimento de massas no Brasil, como também em muitos outros países do mundo.

A crise econômica

1- O governo fala no início da recuperação econômica. É verdade que existem sintomas e que “o pior já passou”. Crescimento pequeno do PIB, baixa dos impostos e da inflação e uma pequena recuperação no consumo com base na classe média e média alta. Mas não há ainda investimentos externos significativos que não sejam aqueles que atuam na especulação.

2 – Por isso a burguesia tenta o ajuste selvagem, a venda de setores-chave do país, a reforma trabalhista e da previdência. Estas últimas para tentar reduzir o déficit do orçamento do paquiderme burocrático; a trabalhista para baratear a mão de obra e tentar ter competitividade industrial mundial; as privatizações das empresas e recursos minerais oferecendo o país às grandes corporações para que elas enriqueçam. Esta grande tentativa de ajuste leva o país a ainda mais miséria, mais desigualdade e não sabemos como o próprio Brasil consegue se encaixar como ator de relativo peso na atual economia-mundo.

As classes dominantes estão esperando e apostando na retomada econômica com o grande ajuste e dizem que a economia vai bem, diferente da crise política. Isso é parcialmente certo. Um regime desacreditado frente às massas como este não pode ir até o final para resolvê-la; para isso teria que haver uma derrota não parcial, mas total do movimento de massas (um triunfo contrarrevolucionário), o que é pouco provável.

3 – A burguesia brasileira não tem soluções fáceis, pois não se pode voltar somente ao que foi antes, quer dizer, ao esquema que se consolidou durante os governos petistas, situação favorável às exportações, uma demanda interna de consumo de base e certo melhoramento econômico das classes médias, muito com base no crédito. Nesta dinâmica e com base no dinheiro do BNDES potencializaram-se as grandes construtoras que cumpriram um papel subimperialista no continente. O Brasil está perdendo seu papel subimperialista no continente e a China em primeiro lugar está tomando seu lugar. E terá muitas dificuldades em competir com a Ásia (na produção manufatureira e com as potências imperialistas ocidentais em tecnologia e capital).

Durante o último período o Ornitorrinco de que falava Chico de Oliveira se desenvolveu já em 2003 quando começou o auge dos comoditties. “A evolução do país acabou assim numa nação anômala, que não é mais subdesenvolvida, pois conseguiu se industrializar, mas não chegou a ser desenvolvida, pois só consegue acumular capital sugando recursos públicos. Para explicar o monstrengo social resultante dessa ‘acumulação truncada’ é que Oliveira usou a imagem do ornitorrinco, mamífero com bico de pato e que põe ovos” (OLIVEIRA, 2003). Nós poderíamos dizer que é um grande paquiderme, porque carrega uma pesada estrutura burocrática, um orçamento estatal deficitário e uma pesada dívida que produz crise a partir do momento em que se terminam as vantagens dos comoditties e um consumo mais massivo. (Uma prova que o mercado interno se restringe, se expressa nos modelos que produz a indústria de automobilística, um motor econômico. Acabou a produção de carros populares; agora são mais os modelos para a classe média de alto poder aquisitivo).

4 – É difícil ré encaixar o Brasil na economia mundial globalizada se não for mediante a submissão às grandes corporações e ao capitalismo imperialista dos EUA e da China que disputam a hegemonia econômica mundial. Acontece que o Brasil é um grande país-continente que com a crise que viveu parece que “perdeu o trem” no qual subiram a China e a Índia. Como corretamente colocou Clovis Rossi na Folha comparando país com os outros dos BRICS. De 2010 a 2016 o crescimento do Brasil foi de 2% se comparado com a Rússia (6%), África do Sul que cresceu 12%, Índia 48% e China 56%.

5 – Disso decorre a impossibilidade do sonho de um setor da velha esquerda de um novo keynesianismo ou neodesenvolvimentismo com as atuais estruturas econômicas de dominação. E também que nosso plano econômico seja um plano de transição e ruptura com a grande burguesia e a oligarquia financeira, ou seja, transicional e anticapitalista.

Por que o povo não voltou às ruas e superou o freio das direções do 30 J?

1 – Estas são as primeiras perguntas que temos que responder para fazer a análise da nossa classe e do povo. As centrais pelegas, a cúpula da CUT e Lula (bonaparte indiscutível do PT), que nos bastidores foram os principais operadores para que não tivéramos 30 J. O Objetivo de Lula é que ele e toda a casta política escape da Lava Jato para que ele próprio não seja condenado e possa candidatar-se nas eleições como o “novo” Lula para salvar os negócios da burguesia em crise.

2 – Mas também há dois elementos que explicam porque o movimento de massas não pôde superar o freio das direções.

Por um lado, porque domina no movimento de massas o sentimento de ceticismo e frustração em detrimento da rebeldia; se poderia dizer que agora o movimento de massas não tem capacidade de tomar decisões radicais. Fazendo uma comparação odiosa com outros países, caberia pensar se em uma situação como esta, frente a tremendo ataque reacionário e à miséria crescente que se vive, ante um regime e um governo mafioso como o que temos aqui, outro país já não teria incendiado as ruas.

Há muitos elementos que o explicam e, entre eles, tem peso certas características nacionais do movimento de massas pela formação econômico-social do país. Mas o ceticismo presente tem sua principal fonte na grande frustração que resultou o PT. Sua integração ao regime e sua relação orgânica com as corporações e o capital financeiro foram um punhal nas esperanças dos trabalhadores. Como já foi dito, a falência do PT é para o Brasil o que foi a queda do Muro de Berlim para a esquerda mundial.

Outro fator que não podemos perder de vista, fundamental para a análise (que impede que as massas possam ver outra alternativa) é que a velha vanguarda foi incapaz de insurrecionar-se e transbordar a operação desmonte das cúpulas desprestigiadas. Esta é a derrota subjetiva que nós revolucionários também sofremos.

3 – É importante reconhecer que se perdeu a oportunidade que se abriu entre os meses de abril e junho (2017). Neste período de mobilizações, tornou-se muito importante o problema de direção e, infelizmente nem o PSOL nem a esquerda avançou por onde havia espaço para avançar. A vanguarda ficou muito apegada à análise justificativa da cúpula petista e, e sua política, a reboque do PT. Por isso mesmo fez uma análise totalmente equivocada da Lava Jato que cada vez mais está tornando-se mais clara. E, repetimos, a reboque do PT não se apresentou como alternativa ao movimento de massas.

Em situações de crise o fator subjetivo passa a tornar-se muito importante. E é preciso preparar-se para isso no futuro. Citando Plekhanov “O papel do Indivíduo na História”, Mandel escreveu: “especialmente nos momentos históricos de mudanças decisivas ou de crises, as peculiaridades pessoais dos indivíduos podem influenciar no tipo de organização de classe e liderança que está disponível”.

4 – Por tudo isso, no movimento de massas há um sabor amargo pela crise e, ainda que a consciência do povo não tenha avançado para impulsionar sua ação independente, a panela de pressão segue esquentando. O povo vê a malandragem dos de cima e sua miséria avançar a passos de gigante. Subjetivamente está cético, decepcionado, mas não objetivamente derrotado. Ou seja, estamos passando por um período de incertezas e, ao mesmo tempo de acúmulo de forças, de gestação de novas forças na classe e em sua vanguarda; a luta continua e o movimento de massas e suas vanguardas voltarão a tomar novas forças, já estão tomando.

Uma velha e uma nova vanguarda

1 – Estamos no ciclo de construção de uma nova direção. Isto não é um processo linear e/ou automático como pensa o ultra-esquerdismo autoproclamatório que diz: “a vanguarda somos nós, estamos preparados, venham a nós”. Pelo contrário, opinamos que não estamos sós. A nova direção é um processo onde agem diferentes atores. Como o colapso do PT é um processo irreversível, a forma que tomará esta nova direção depende de vários fatores: o impulso da classe, a atuação da velha e da nova vanguarda, o papel dos indivíduos concretos e, é claro, nosso esforço militante com base em boas táticas e uma boa estratégia.

2 – Fazendo uma análise dos processos que estão se desenvolvendo, podemos dizer que há uma velha e uma nova vanguarda. Isto acontece tanto no campo sindical como político. Não se deve separar estes processos. Os dois existem e há pontos de contato entre ambos.

3 – A velha vanguarda é o ativismo de setores de esquerda que está nos sindicatos, em partidos políticos de esquerda (PCB, PSOL, PCdoB, uma parte do PSOL) nas ONGs, Associações de Bairro, etc.).

Se trata de uma vanguarda que está bastante superestruturalizada, com muitos traços burocráticos, porque depende bastante dos aparelhos para sobreviver. Tem pouca conexão com a base dos trabalhadores e o povo pobre, quer dizer, é pouco enraizada. Basta olhar a ação dos sindicatos para ver esta situação. Politicamente carrega ainda o peso da traição petista, não consegue superá-la e, nesse grave déficit tem bastante responsabilidade a direção majoritária do PSOL.

A máxima expressão da capitulação ao velho é, sem dúvidas, sua política para Venezuela. Um país destroçado pela política do neoestalinismo, que avança a passos rápidos a uma ditadura totalitária. Apesar de nossas declarações, o PSOL arca com a vergonha pública de ser identificado como madurista pela mídia burguesa e a direita que nos colam ao PT e ao PCdoB.

Esta vanguarda é politicamente centrista, quer dizer, está entre a adaptação e a ruptura. Ela pode gerar uma nova alternativa? Depende do curso da situação; no sentido de um programa para o Brasil vai seguir sendo semi-reformista e eclética, mas a crise estrutural deixará menos margens para suas respostas. E a questão de sua ruptura com o petismo e sua postura frente à Lava Jato (temas fundamentais), dependerão de muitos fatores. Muito importante se torna o tema se Lula poderá ou não concorrer.

4 – A nova vanguarda é a que surgiu em todo Brasil nas ocupações de escolas, no ativismo de apoio a Freixo, a que está brotando da miséria e da pobreza dos bairros, da falta de perspectivas para os jovens, entre as mulheres e nas categorias de trabalhadores, especialmente onde há certa mobilidade e renovação da mão de obra

É uma vanguarda muito estendida, inexperiente, de base, mas muito aberta para uma política independente e a nossas posições. Fazendo uma comparação exagerada é como a que surge nos EUA e está bem descrita no documento do DSA que está no Portal de la Izquierda. O melhor dela surgiu das ocupações das escolas que produziu uma nova camada de jovens revolucionários. Essas ocupações ensinaram muito aos secundaristas, e seus efeitos permanecem até agora. Não é casual que cursinhos populares como o de Emancipa este ano tenha ganhado uma nova dinâmica e seus cursinhos se tornaram mais politizados. Tem a ver com o peso que ganhou a necessidade da solidariedade e as tarefas associativas frente ao desgaste e em alguns casos bancarrota das velhas superestruturas, como os partidos e os sindicatos.

No movimento sindical se dá o mais novo que está aparecendo este ano e é algo que devemos seguir com mais atenção porque é nosso ponto débil. Há elementos novos que seguramente estão provocando uma fragilização da burocracia sindical. O mais recente foi o fim do imposto sindical que vai fissurar a estrutura burocrática que alegremente vivia dela. E, de outra parte, também os efeitos que está causando a política traidora que tiveram as direções de 30J. Estes processos acontecem em meio a uma política de ajuste e congelamento salarial dos trabalhadores. É inevitável o processo de surgimento de uma nova direção sindical que combine os velhos ativistas com o novo, este processo não vai se fechar.

Para trabalhar com esta vanguarda que está na base do movimento, é preciso estar inserido em baixo, nas massas. Como dizia Moreno na polêmica com Mandel, a política não responde às necessidades da vanguarda, mas às do movimento de massas e esta é uma diferença importante que temos com o centrismo hoje em dia. Por isso, é chave a inserção, porque embaixo existe um espaço praticamente infinito, porque nem o centrismo, nem a velha esquerda, nem os aparatos estão ali, aí os competidores que lamentavelmente tem muito mais força são os evangélicos.

É uma vanguarda que não está unida ao passado, nem orgânica, nem politicamente; por isso assimila nossa política muito rapidamente. O exemplo de Juntos e Emancipa e o trabalho sindical são as ferramentas fundamentais para chegar nela. Esta vanguarda está ávida por aprender, por ter uma explicação do que passa no mundo e ávida de ação. Não responde a esquemas passados como a velha, que é mais difícil de convencer de nossa política.

Os limites para ganhá-la; nossos limites são nossas próprias forças, o tempo trabalha a nosso favor e é uma estratégia que requer paciência e uma aprendizagem também de nossa parte. (Como dizia Marx nas Teses sobre Feuerbch “o educador necessita ser educado”). É a política para as massas e o enraizamento para ganhar a vanguarda o rumo estratégico de nossa política nos próximos anos.

As mobilizações contra o governo.

1 – Temos que estar na primeira fila das mobilizações de resistência. Ainda que não tenhamos uma greve geral à vista (como propõe maioria da Conlutas), a resistência ao governo e à direita reacionária vai continuar nas lutas dos trabalhadores por salários que terá um ponto importante nas negociações que podem ser por empresas a partir da reforma trabalhista. As lutas democráticas contra o curso autoritário do governo e do regime e o surgimento de uma direita reacionária que, ainda que tenha seus limites, está crescendo. A luta das mulheres contra o machismo que segue em ascenso. As lutas do movimento estudantil, universitários e secundas. Do movimento negro, do enfrentamento aos planos privatistas a serviço do extrativismo como já se colocou em relação à Amazônia. Em todas elas há possibilidades de unidade de ação democrática, de frente única com diferentes setores novos e velhos. Temos que estar aí tentando sempre convencer e disputar a melhor política para levar o movimento adiante.

2.- A construção de uma nova direção é mais difícil e complexa e será muito mais ampla que nós, dependerá do desenvolvimento da luta de classes e como esta atua sobre as vanguardas. Não podemos correr o perigo de nos isolarmos do processo real e, tampouco, perder a estratégia.

Nós temos que ser parte de todo reagrupamento que esteja à esquerda do PT seja da velha ou nova vanguarda.

Um programa democrático radical, anticapitalista e internacionalista

Este texto não contém o programa completo. Aqui nos referimos às consignas de transição mais importantes para este período e que a realidade colocou como uma necessidade, mesmo que o mesmo não seja tomado imediatamente pelo movimento de massas. Não tocamos nas palavras de ordem mais imediatas para a mobilização de massas; reforma Trabalhista, salários, desemprego, segurança, demandas democráticas, mulheres, etc. Nem as palavras de ordem que fazem ao reagrupamento da esquerda e a formar uma nova direção sindical. O que desejamos aqui é destacar como todos as consignas se juntam neste período ao nosso programa socialista através de um eixo ordenador que vincula essas consignas com as duas tarefas fundamentais do período desenvolvidas ao longo do texto:

  • A taxação dos ricos, das grandes fortunas, as corporações e o capital financeiro.
  • A expropriação da Odebrecht, da J&B, assim como de todas as outras empresas alcançadas pela Lava Jato. Não se trata da expropriação de todos os grandes capitalistas, mas de um passo necessário e ao qual os trabalhadores e o povo podem ver como factíveis. Esta consigna requer uma explicação, que forma de regime e governo podem levá-la adiante e que tipo de participação democrática se necessita que cumpram os trabalhadores e o povo brasileiro. Esta é a consigna transicional que deriva da luta contra a corrupção e que é um passo para a democratização dos meios de produção.
  • A revolução política para com o regime decadente da Nova República e a implantação, por meio de uma Assembleia Popular Constituinte de um novo regime com base na democracia real e participativa.

(Artigo originalmente publicado no Portal de la Izquierda.)


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Pedro Micussi