Black Friday: Violência física e competição social

Sociólogo francês estima que a violência nas lojas traduz o advento de uma cultura de mercado que combina rivalidade material com a diversão sem limites.

Vincent Chabault 24 nov 2017, 16:09

A Black Friday marca nos Estados Unidos o ponta-pé inicial das compras de fim de ano no dia seguinte ao dia de ações de graça, celebrado na quarta quinta-feira do mês de novembro. Promoções importantes são ofertadas pelos distribuidores – a expressão Black Friday se refere, aliás, ao primeiro dia do ano a partir do qual essas empresas lucram (de modo que a contabilidade passa do vermelho ao preto). No momento em que os varejistas tentam importar essa data ao território francês nas lojas1, mas principalmente em sites online, o Journal of Consumer Culture publica um artigo de dois pesquisadores britânicos especialistas em criminologia sobre as práticas de compra na Inglaterra durante a Black Friday desde 2014, mas sobretudo sobre os transbordamentos ocasionados (Oliver Smith e Thmas Raymen, “Shopping with violence : Black Friday sales in the british context”, Journal of Consumer Culture) como mostra, nos EUA, uma reportagem da CNN em uma loja do Walmart na Florida em 2012.

O que simboliza as injúrias, empurrões, pisotiamentos, e disputas entre os clientes nesses dias, ocasionando, por vezes, prisões policiais e hospitalizações? Quais são as motivações dos consumidores em participar de tal evento comercial? Interrogando cerca de trinta indivíduos e observando a várias dessas datas, os pesquisadores oferecem uma série de respostas.

Para os autores, essas manifestações de violência anuncia o triunfo do capitalismo liberal e do individualismo. À competição social que comumente traduz o ato de consumo (Veblen, Baudrilllard, Bourdieu) se acrescenta nesse caso uma rivalidade física para acessar os bens.

Do lado das motivações, a participação nessa data joga um papel de recuperação econômica: trata-se de adquirir bens eletrodomésticos ou vestimentas habitualmente caros demais.

É, inclusive, interessante observar que os clientes descrevem suas experiências com a Black Friday em termos afeituosos, a tal ponto que necessidade da mercadoria se apresenta como uma forma de reparação de uma falta. Os objetos, se dificlmente acessíveis, levando em conta os movimentos da multidão, tomam seu lugar numa forma de revanche

já iluminada pelo sociólogo Olivier Scwartz em sua investigação dos grupos operários do norte da França – o consumo-revanche que relata as frustrações acumuladas. “Le Monde privé cês ouvriers” (O mundo privado dos operários, sem tradução ao português).

Consumir é também tomar cuidado com seu pertencimento social e com a construção de sua identidade: “É uma oportunidade de se atualizar, segundo um cliente de 22 anos (…), mudar de look, comprar coisas novas se não você tem a tendência de não existir mais, porque você terá sempre a mesma aparência.”

Segundo algumas pessoas interrogadas, a tensão e as violências viriam da crença de passar o dia passando e perder a oportunidade de bons negócios.

Enfim, se trata também para muitos indivíduos de viver uma experiência inédita, de consumir um espetáculo excitante e mediatizado -estar lá – ao mesmo tempo em que se realizam as compras. As filmagens dessas grosserias no interior de lojas especializadas já foram vistas mais de 5 milhões de vezes no YouTube.

Àqueles que se recusam em participar dessas corridas da mercadoria, sites como a Amazon organizam igualmente a Black Friday. Para os outros consumidores que ignoram a existência desse assustador espetáculo comercial, os comentários suscitados e as imagens difundidas contribuem para fazer ser conhecido esse evento fora dos países anglo saxões. Os distribuidores francês trabalham, ademais, para o popularizar…

Artigo originalmente publicado no jornal Le Monde. Tradução de Pedro Micussi para a Revista Movimento


Nota do Tradutor

No Brasil, notará o autor, que tal prática vem se difundindo rapidamente nos últimos anos. Fruto de uma importação acrítica de uma cultura estadunidense, a Black Friday tupiniquim parece guardar muitas semelhanças com os casos relatados neste artigo. Os vídeos exibidos, inclusive, podem a muitos soar familiar àqueles habituados com o contexto no qual a Black Friday é celebrada no país.


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