Plataforma sindical anticapitalista
Nossa concepção sobre a luta dos trabalhadores e o atual estágio do movimento sindical de nosso país.
1 – Os ataques de Temer e a necessidade de mobilizar, organizar e unir a classe
Estamos passando hoje no Brasil por aquela que pode ser considerada uma das maiores crises de nossa história. É uma crise combinada e muito profunda, uma crise econômica, social, política e moral que já aponta para um esgarçamento do tecido social, uma decomposição radical das condições de vida e das perspectivas de futuro das famílias trabalhadoras e da juventude. A desmoralização das instituições políticas e judiciais é cada vez mais abrangente, enquanto chafurdam na corrupção explícita e generalizada e destroem os serviços públicos e os direitos sociais e trabalhistas do povo brasileiro. O governo Temer, nascido da manobra golpista que depôs Dilma da presidência, expressa uma articulação nefasta entre a casta política corrupta do PMDB, PSDB e quase todos os demais partidos do regime, por um lado, com o grande capital nacional e transnacional associados, sob a liderança do rentismo financeiro, por outro. Tudo sob a chancela da maioria do STF, da cúpula das Forças Armadas e da mídia empresarial monopolista, tal como vazado na tristemente célebre conversa gravada entre Sérgio Machado, Renan Calheiros, Sarney e Romero Jucá, e cada vez mais verificado na prática. Esse pacto oligárquico busca equilibrar os interesses da corja governamental e parlamentar, com intenção de abafar as investigações da corrupção reinante entre as cúpulas do poder político e econômico e os interesses da elite bilionária, no sentido da subordinação absoluta e exclusiva do Estado brasileiro à valorização de seus capitais.
Com a economia mundial estagnada desde o colapso financeiro de 2007/2008, a rentabilidade dos investimentos em quadro similar, e com o comércio e o fluxo de capitais internacionais patinando, os grandes capitalistas se lançam a uma ofensiva que podemos caracterizar como uma “contrarrevolução econômica permanente”. De modo a criar uma saída à superacumulação de capitais, a financeirização ainda mais acelerada da economia leva a uma aguda degeneração rentista do capitalismo, complementada pelo aprofundamento da superexploração do trabalho (com salários abaixo do custo de reprodução do trabalhador), especialmente na periferia global, para onde tem se deslocado a maior parte da produção industrial, e da classe operária mundial. Nesses marcos, a oligarquia financeira global investe pesado em uma fuga para a frente, em um movimento que David Harvey classificou como “acumulação por espoliação”: os recursos naturais e o fundo público dos países são apropriados por essa elite econômica enquanto as garantias e direitos populares são desmantelados, o objetivo é forçar a abertura de novos campos à exploração capitalista, sob uma lógica que se assemelha à clássica “acumulação primitiva de capital”, apontada por Marx.
Dessa maneira, o programa antinacional e antipopular extremista do governo Temer – com seu congelamento por vinte anos no investimento em áreas sociais, o desmonte da legislação trabalhista e a promessa de desmonte da previdência social, dentre outros ataques sem precedentes – expressa os imperativos ditados pela “junta financeira” que comanda as ações do governo golpista. Os compromissos sociais fixados na Constituição de 1988, bem como a legislação trabalhista erguida ainda na década de 1930, são considerados obstáculos à acumulação capitalista nesse momento de decadência e crise aguda. Sem cerimônias e num prazo muito curto, esse governo avança o desmantelamento do patrimônio de direitos conquistados pelo povo brasileiro ao longo de várias décadas. Não se pretende deixar pedra sobre pedra. O retrocesso imposto é gigantesco. Tendo removido a fragilidade política e as ambiguidades do PT do caminho, em um golpe palaciano em que uma parte do governo destituiu a outra, Temer e as cúpulas do PMDB e PSDB convertem o governo federal em uma “troika”, a impor pacotes aos governos estaduais e municipais endividados e falidos pelo mecanismo da dívida pública, pelas desonerações que beneficiam os grandes oligopólios empresariais, pela corrupção generalizada e pela recessão profunda induzida de cima.
Diante desses enormes ataques, os setores populares e a classe trabalhadora se inquietaram e se lançaram à mobilização, ainda que de modo muito desigual e fragmentado. O movimento estudantil secundarista e universitário vem protagonizando lutas abrangentes e muito radicalizadas. Da mesma maneira, o movimento de mulheres seguiu confrontando o conservadorismo patriarcal expresso na retórica e nas políticas do governo, do parlamento e do judiciário. Servidores públicos civis e militares partiram para a luta e para a insubordinação diante do absurdo do desmonte dos direitos sociais e do congelamento e confisco salarial impostos pelos governos que aplicam o ajuste a serviço do parasitismo rentista.
Após o auge das mobilizações da classe trabalhadora, na poderosa greve geral do dia 28 de abril e da gigantesca marcha a Brasília no dia 24 de maio, as cúpulas das maiores centrais sindicais do país revelaram seu caráter de agentes dos interesses burgueses, e desmobilizaram ativamente o processo de lutas, sabotando a nova greve geral convocada para o dia 30 de junho. Enquanto as direções da Força Sindical e da UGT pactuavam com Temer a desarticulação da mobilização em troca de tentar preservar o repasse do imposto sindical, a direção lulista da CUT e do PT buscou evitar o colapso do governo Temer, buscando se credenciar junto a setores da oligarquia e apostando todas suas fichas no projeto Lula 2018. Desde então a mobilização e a resistência se enfraqueceram e fragmentaram, abrindo espaço para o avanço dos ataques de Temer, do Congresso, dos governos locais e da patronal. A conjuntura é, no entanto, dinâmica e a desmoralização do governo e do conjunto das instituições do regime político da classe dominante, somada ao aprofundamento da crise social, pode tirar as coisas de seu lugar. Nada está definido.
A agressividade da burguesia, acossada pelos efeitos da crise mundial, combinada com a dependência do governo Temer em relação aos ditames da “junta financeira” que o dirige, levam o Palácio do Planalto a impor um ataque aos trabalhadores e as trabalhadoras por muitas frentes simultaneamente. Essa tática busca ganhar tempo e aproveitar a confusão no campo proletário e popular. Diante da hesitação dos de baixo, avança a classe dominante, impondo uma forte compressão sobre as condições de vida do povo trabalhador. O retrocesso acelerado imposto pelos de cima, combinado com a ilegitimidade crescente das instituições, abaladas pelas denúncias de uma corrupção estrutural e gigantesca, não apontam – no entanto – para uma estabilização do quadro social e político, apesar de todas as manobras nesse sentido realizadas entre as cúpulas do poder estabelecido. A possibilidade de emergência de novas crises está no horizonte. É justamente nesse desdobramento que devemos apostar. Seguir impulsionando a mobilização e a organização da classe trabalhadora, superando a confusão e apontando para a tomada da iniciativa em uma resistência frontal e combativa aos ataques dos de cima. O movimento da classe trabalhadora precisa assumir o protagonismo nessa etapa de lutas que temos diante de nós. É preciso superar a hesitação covarde e traidora da burocracia do movimento sindical e popular a serviço da estabilidade da ordem burguesa, é preciso ir às bases. É absolutamente necessário construir nesse processo de luta e organização uma alternativa democrática, popular e revolucionária de poder e de governo para o povo brasileiro, sob uma clara orientação anticapitalista, ou os setores da extrema direita proto fascista podem ocupar cada vez mais esse espaço vazio em um sentido ultrarreacionário. Essa é a essência da tarefa que temos imediatamente posta à nossa frente. Para tanto, é preciso afirmar na prática uma concepção de sindicalismo capaz de superar os limites estreitos do corporativismo burocrático dominante no quadro atual.
2 – Das origens do sindicalismo brasileiro aos nossos dias
As origens do movimento da classe trabalhadora no Brasil remontam a uma situação histórica complexa e multifacetada, própria a um país que manteve o estatuto da escravidão vivo até a última década do século XIX. A convivência no tempo e no espaço, inclusive nos mesmos locais de trabalho, de diferentes regimes de emprego de mão de obra constitui o elemento central dessa complexidade: trabalhadores escravizados, imigrantes submetidos ao “engajamento” (servidão por dívidas de caráter temporário), assim como assalariados propriamente ditos, trabalharam lado a lado nas mesmas oficinas, portos e estabelecimentos industriais – sem mencionar o campo. Além do mais, entre os próprios trabalhadores escravizados havia uma pluralidade de regimes de trabalho. O aluguel de força de trabalho escrava, entre um senhor e outro ou no regime de “ganho” (no qual o escravo oferecia, por sua própria conta, sua força de trabalho em troca de uma remuneração a ser dividida com seu proprietário) coexistiu com a escravidão privada tradicional e com a propriedade estatal de uma massa de mão de obra escravizada, empregada nas indústrias estatais (principalmente bélicas) mas também alugada a escravocratas privados. Como se pode constatar, as origens das atuais desigualdades no mundo do trabalho brasileiro deitam raízes em um período bem anterior de nossa história.
A manutenção de diferentes formas de trabalho servil e semi-servil em um contexto em que avançava a modernização, complexificação e industrialização da economia brasileira, sobretudo nos principais centros urbanos, distorceu e atrofiou o processo de constituição de um mercado de trabalho propriamente dito, deprimindo os patamares de remuneração da força de trabalho. Por outro lado, e principalmente, promoveu também uma realidade concreta na qual a história da escravidão, em sua etapa derradeira, e a história do surgimento da classe operária no país não podem ser entendidas separadamente, em especial no que se refere às lutas e iniciativas de organização emergentes nesse complexo mundo do trabalho de então. É a partir daí que se pode compreender que as primeiras greves no país, consagradas como método operário de luta por excelência, tenham sido deflagradas por trabalhadores escravizados, ainda nas décadas de 1850-60. Da mesma maneira, é por aí que entendemos que uma plataforma central das nascentes associações operárias do século XIX, tenha sido o envolvimento direto na luta abolicionista. Trabalhadores imigrantes europeus, brasileiros livres e semi-livres ou escravizados, ao lado de um percentual decrescente mas efetivo de africanos, trocaram experiências de luta e resistência em uma intensidade muito maior do que a historiografia dominante nos apresenta.
A abolição da escravatura e a proclamação da república estabelecem um novo marco na história do país como um todo, e na do movimento dos trabalhadores, em particular. O aumento da industrialização fortaleceu a presença de uma classe operária bastante significativa, não apenas no Rio de Janeiro e São Paulo, como em outros importantes núcleos urbanos do Sul, Nordeste e Norte do país. A importação massiva de mão de obra imigrante européia, nos marcos de um projeto racista de “branqueamento” desenhado pela classe dominante serviu ao aprofundamento da marginalização imposta aos trabalhadores negros brasileiros (desfavorecidos na concorrência com os imigrantes aos olhos de uma patronal fanaticamente racista), mas, por outro lado, contribuiu para o aumento do intercâmbio de experiências de luta e organização entre os trabalhadores estabelecidos e os recém-chegados por aqui. Ao lado das iniciativas de organização partidária socialistas, de inspiração reformista, gradualista e social-democrata, constituídas no país desde o final do século XIX, passaram a figurar no plano do movimento operário as influências anarquistas, trazidas principalmente por imigrantes europeus. Foi sob a hegemonia anarquista, nas duas primeiras décadas do século XX, que se deram os passos iniciais para a constituição de um movimento operário de alcance e caráter nacional no Brasil.
Os Congressos Operários Brasileiros de 1906 e 1913 revelaram a disposição organizativa da vanguarda da classe nesse momento, como também a expansão por quase todo o país dessa teia de organizações sindicais operárias. A greve geral de 1917, um feito incrível para o período de então e que, ainda assim, contou com uma adesão significativa da classe operária, pode ser considerada o ápice desse momento da trajetória do movimento sindical brasileiro sob inspiração anarquista. A repressão que se seguiu à greve foi brutal, com deportação massiva de imigrantes e encarceramento – em navios prisões e campos de concentração – de muitos dos mais importantes dirigentes operários daquela geração. Sob o regime de exceção estabelecido, a criminalização direta dos anarquistas pelo Estado, o aumento da competição política com os comunistas e as próprias conquistas expressas nas primeiras iniciativas de proteção trabalhista legal, o anarquismo foi perdendo a capacidade política de seguir dirigindo o movimento operário no país, reduzindo cada vez mais sua influência. A necessidade de reivindicar e exigir proteção legal aos trabalhadores frente ao Estado, assim como de organizar de modo mais centralizado a luta operária, crescentemente entrava em contradição com o maximalismo autonomista dos anarquistas, bem como com seu programa organizativo inflexivelmente federalista e descentralista. A partir de então, com o suporte do prestígio conferido pela vitória da Revolução Russa e o estabelecimento do governo bolchevique, assim como de uma intervenção política centralizada e uma formulação tático estratégica mais adequada à complexificação da luta operária no novo contexto histórico – nacional e internacional – a militância do PCB foi paulatinamente sobrepujando a influência anarquista no meio sindical.
A década de 1920 foi extremamente turbulenta no Brasil. Acompanhando o acirramento das lutas sociais e políticas no plano internacional, o cenário brasileiro foi marcado pela atividade do movimento operário (ainda que sob duríssimas condições repressivas), pelos levantes tenentistas, pelo desencadeamento da guerra de guerrilhas da Coluna Prestes e pelo aumento das tensões internas ao arranjo oligárquico estabelecido. O desenlace dessa década foi a crise final do regime da chamada “Primeira República”, com a eclosão do movimento revolucionário liderado por Getúlio Vargas e sua chegada ao poder em 1930. Contra o exclusivismo dos interesses do café, a monopolização do poder político pela oligarquia de São Paulo, o autoritarismo, as fraudes eleitorais e a corrupção sistêmica do regime, uniram-se setores dissidentes da oligarquia agrária (especialmente do Rio Grande do Sul, Minas e Nordeste), a jovem oficialidade “tenentista”, os setores industriais mais avançados, a crescente classe média urbana e parcelas do movimento operário, em torno da bandeira de um programa difuso, mas de orientação geral de crítica aos desmandos oligárquicos, nacionalista e desenvolvimentista. Equilibrando-se entre as pressões exercidas por esses diferentes atores, Vargas vai se afirmando como árbitro último da política nacional, ao lado dos militares de sua confiança. Depois do esmagamento do levante separatista de São Paulo, o líder gaúcho se utiliza da histeria anticomunista para concentrar poder em suas mãos e ampliar a perseguição política a toda oposição, até chegar ao estabelecimento da ditadura do “Estado Novo”.
Nesse processo, ao longo da década de 1930, muitas e importantes reivindicações históricas do movimento operário, pelas quais se travou uma luta encarniçada nas décadas anteriores, foram incorporadas na forma de leis de proteção trabalhista: salário mínimo, férias remuneradas, licença-maternidade e etc. A Consolidação das Leis Trabalhistas, firmada na década seguinte, em geral apenas agrupou essa legislação, nascida diretamente da pressão da classe trabalhadora e da participação no governo Vargas de importantes personalidades identificadas com essas reivindicações. Ainda que, em contrapartida, o Ministério do Trabalho de Vargas tenha submetido o movimento sindical a um controle burocrático e corporativo, reprimindo as manifestações independentes de organização e luta da classe operária, a identificação da conquista da legislação trabalhista pelos trabalhadores com uma concessão pelo alto de inspiração fascista não reflete a dinâmica real desse processo. Depois, sob o “Estado Novo”, se deu um impulso poderoso à industrialização, o que se desdobrou em um crescimento bastante significativo da classe operária nas maiores cidades do país. Esse crescimento se alimentou de uma significativa transferência de populações oriundas do campo para o meio urbano. Destituída assim de uma forte tradição organizativa, submetida ao controle corporativo da ditadura e impedida de contar com o apoio do mais avançado da militância comunista (perseguida e aprisionada pelo regime), no entanto, essa classe operária ampliada teria de esperar uma nova oportunidade para entrar em cena.
O fim da Segunda Guerra Mundial, com a derrota do fascismo, erodiu as bases de legitimidade do “Estado Novo”, que ruiu. O período histórico de 20 anos que se abre então, e vai até o golpe de 1964, é profundamente complexo e turbulento, no que diz respeito à luta de classes e à disputa política de modo geral. Com a deposição do ditador Getúlio Vargas por seu próprio alto comando militar em 1945, o processo de transição coordenado por cima levou à eleição do general Eurico Dutra – um dos antigos homens fortes de Vargas – à presidência da república, onde ficou até 1950. Nesse período se constitui uma Assembleia Constituinte que fundamenta jurídica e politicamente o novo regime. Depois de Dutra, Vargas é então eleito e inicia um novo governo, profundamente tensionado pelo acirramento da luta de classes, e que termina com o suicídio do presidente em 1954, diante da iminência de um novo golpe militar. No pleito seguinte é eleito Juscelino Kubitsheck, que governa buscando uma síntese entre os herdeiros do varguismo e seus opositores liberais de direita, fortemente articulados aos interesses do capital estrangeiro. Os “50 anos em 5” de JK assentaram as bases para a consolidação e expansão interna das grandes empresas transnacionais, sobretudo do setor automobilístico. O governo seguinte, de Jânio Quadros, da anti-varguista UDN, termina em uma renúncia imprevisível como coroamento de uma trajetória incoerente. A questão da sucessão de Jânio eleva a temperatura política. A recusa dos chefes militares em empossar João Goulart, o vice de Jânio, considerado subversivo, só é revertida pela campanha da legalidade dirigida por Leonel Brizola (então governador do RS), que arma o povo contra o golpe que se desenha. Essa etapa que vai da posse de João Goulart em 1961 à sua deposição em 1964 – inicialmente sob um parlamentarismo de ocasião imposto pelas forças conservadoras – é aquela na qual se dá o ápice da crise política do regime e que abre espaço para o golpe empresarial-militar.
Nossa historiografia dominante tende a caracterizar esse regime estabelecido pela constituição de 1946 como um regime democrático: o que pode e deve ser problematizado de uma perspectiva popular. Em primeiro lugar, foram excluídos do direito ao voto os analfabetos e os convocados às Forças Armadas. Em um país predominantemente rural e destituído de uma rede escolar pública minimamente capaz de atender às demandas educacionais do povo, a maioria da população do país – seus setores mais pauperizados – foi excluída da cidadania política. A proscrição reacionária do PCB também distorcia completamente a representatividade do sistema político. Esse partido, atirado então na ilegalidade, havia chegado a se afirmar como a quarta maior força política no período de abertura logo depois do fim do “Estado Novo”. Foi capaz de eleger 17 deputados federais e um senador, além de 46 deputados em 15 legislaturas estaduais. Para a Assembleia do então Distrito Federal (Rio de Janeiro), o PCB elegeu 18 deputados, se afirmando como a maior bancada parlamentar na capital do país. Tudo isso foi desmantelado e atirado na clandestinidade. Além do mais, a repressão e perseguição política brutal e sistemática contra as organizações sindicais e camponesas e suas lideranças mais autênticas e combativas, funcionava como mecanismo de terrorismo de Estado permanente contra os lutadores populares, incluindo prisões e assassinatos.
No âmbito do movimento de classe dos trabalhadores, o PCB, mesmo na clandestinidade, foi a força política mais consistente ao longo desse período. A repressão política somada à formulação estratégica do partido baseada na aliança com a “burguesia nacional”, considerada como o setor nacionalista e anti-imperialista do empresariado brasileiro, levou sua militância a atuar também sob a cobertura legal do PTB, com cujos dirigentes disputava a influência política e sindical sobre os trabalhadores. Com o país dividido politicamente em dois campos principais, ambos dirigidos por setores da burguesia: os liberais de direita pró-EUA, de um lado, e os nacionalistas, de outro, o PCB se colocou como ala mais radical desse segundo campo, vendo aumentar significativamente sua influência política e ideológica sobre setores médios e proletários do meio urbano, sobretudo a partir da segunda metade da década de 1950. No entanto, como aliado menor de uma “burguesia nacional” hesitante e oportunista, com escassa penetração entre os trabalhadores rurais (amplamente majoritários na sociedade) e – ao fim desse período – sob uma direção política excessivamente caudatária em relação aos nacionalistas burgueses no governo, o PCB não foi capaz de expressar um projeto político próprio, autenticamente vinculado à classe trabalhadora, nem de opor resistência efetiva e organizada ao golpe empresarial-militar de 1964. Tendo sido, então, tragado pela avalanche golpista e esfacelado pelas rupturas de setores mais combativos que se dispuseram a enfrentar a ditadura, o PCB acabou por se incorporar à institucionalidade do regime ditatorial, sob a cobertura do MDB.
Ao longo dessas duas décadas (1945-1964), marcadas pela condução desenvolvimentista dos governos, os processos de urbanização e industrialização se intensificaram. A classe trabalhadora urbana, fortalecida e ampliada, em uma economia cada vez mais complexa, ocupava uma posição estratégica, tanto econômica quanto politicamente: tendo de ser levada em conta, de modo crescente, nos cálculos das frações burguesas em disputa pelo poder. Sob o arcabouço restritivo da estrutura sindical corporativa e estatal, e também sob a atmosfera permanente de repressão política, os setores mais avançados do movimento sindical – sob a hegemonia do PCB – foram ainda assim capazes de impulsionar o movimento dos trabalhadores no sentido de ocupar um papel que foi se tornando cada vez mais importante, à medida que se desenvolvia esse período. O trabalho abnegado dessa militância conseguia encontrar brechas na estrutura do sindicalismo oficial e, através delas, fazer expressar a dinâmica concreta da organização e luta da classe trabalhadora. Comissões de fábrica e núcleos sindicais por local de trabalho foram os instrumentos táticos por excelência dessa vanguarda sindical, utilizados como meio de burlar o engessamento da estrutura oficial, fazendo as pressões de baixo para cima, a partir das bases, se manifestarem com peso real na vida sindical.
A repressão foi um fator permanente nesse período, desde o fechamento da Confederação dos Trabalhadores do Brasil, ainda no governo Dutra. Apesar disso, o movimento sindical protagonizou importantes e vitoriosas lutas, fortalecendo a capacidade de ação da classe trabalhadora. A chamada greve dos 300 mil, em 1953 em São Paulo, iniciada pelos operários do setor têxtil e se expandindo para diversas outras categorias operárias, dirigida a partir de comissões de fábrica, não apenas garantiu uma importante conquista salarial, contra a carestia imposta pela inflação, como permitiu a construção de um organismo de articulação intersindical por fora do sindicalismo oficial (o Pacto de Unidade Intersindical). Carlos Marighella, então dirigente do PCB, foi um dos principais articuladores desse processo. Ainda nessa primeira metade da década de 1950, o movimento sindical teve um papel decisivo na construção da poderosa e vitoriosa campanha que levou à criação da Petrobrás, apesar de todos os obstáculos repressivos impostos de cima. Na primeira metade da década de 1960, o sindicalismo se encontrava ainda mais vigoroso. As greves gerais contra as manobras golpistas da extrema-direita e por conquistas econômicas ajudaram a conferir plenos poderes presidenciais a Jango, por um lado, e arrancaram o direito ao décimo-terceiro salário, ainda em 1962. Até o golpe de 1964, o papel político do movimento sindical vai se intensificar na conjuntura do país. Greves por empresa, por categorias e greves gerais arrancavam conquistas materiais e fortaleciam a confiança dos trabalhadores em sua própria ação. No entanto, esse avanço não encontrava na direção do PCB, uma orientação política que pudesse expressar essa força em um projeto político efetivo de classe, ficando a reboque do nacionalismo burguês e seus dirigentes.
Esse movimento sindical estava enraizado mais fortemente nos setores estatais da economia, o que incluía a maior parte dos transportes e dos setores da indústria pesada. No setor privado havia uma influência significativa em categorias como têxteis, metalúrgicos e bancários. Dessa maneira, em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, dentre outras, o peso político e econômico exercido pelas mobilizações sindicais e pelas greves, gerais ou parciais, era bastante real. Apesar de demagógica, a histeria burguesa diante da hipótese de uma “república sindicalista” sob Jango demonstra, por um outro ângulo, a força relativa do movimento dos trabalhadores no país nesse início dos anos 60. O célebre “Comício da Central” em 1964, no qual discursou Jango dias antes do golpe empresarial-militar, foi também organizado pelo Comando Geral dos Trabalhadores, organismo de mobilização que reunia as entidades oficiais e extraoficiais do sindicalismo brasileiro. Diante do golpe de 64, a CGT deflagrou uma nova greve geral, mas sem a necessária articulação ampla para a resistência à quartelada, os golpistas triunfaram, fecharam o CGT e prenderam suas principais lideranças. Ao longo do regime ditatorial dos generais e banqueiros, o movimento sindical vai sofrer todo o peso da repressão militar e ser reduzido ao silêncio até o novo degelo em 1978. Vale mencionar, no entanto, as heroicas greves metalúrgicas de Osasco e Contagem, em 1968, que expressaram o último fôlego de resistência sindical contra o fechamento ainda mais rígido do regime.
Ainda que o sindicalismo hegemônico no Brasil de nossos dias tenha suas raízes históricas fincadas no “novo sindicalismo” – que emergiu a partir da movimentação dos operários metalúrgicos, especialmente do ABC paulista, na segunda metade da década de 1970 –, é óbvio que existe uma linha de continuidade mais profunda que remonta ao modelo sindical corporativo e estatal criado por Getúlio Vargas, ainda na década de 30. No entanto, o “novo sindicalismo”, que surgiu enfrentando a estrutura sindical oficial mantida também pela ditadura, conferiu os contornos de uma nova situação. Ainda que não tenha sido capaz de demolir a estrutura corporativa varguista, pôde contorná-la ou explorar suas brechas, constituindo uma situação mais complexa, uma nova síntese. A industrialização acelerada durante os anos 60 e 70 produziu uma classe operária numerosa e concentrada espacialmente, o arrocho salarial imposto pela ditadura impulsionou sua inquietação, enquanto que a inserção militante de católicos de esquerda, ex-guerrilheiros e militantes trotskistas em seu meio fez avançar sua organização e disposição de luta. As poderosas greves metalúrgicas do final dos anos 70 colocaram o “novo sindicalismo” à cabeça do movimento operário e popular que questionava a ditadura a partir de baixo, em uma onda poderosa que erodiu as bases do regime, sustentou a campanha pelas “diretas já”, levou os trabalhadores à greve geral e encontrou forte expressão nas garantias sociais inscritas na Constituição de 1988.
Esse “novo sindicalismo” combativo e fortemente inserido nas bases do operariado mais avançado, do funcionalismo público e de muitas outras categorias poderosas de trabalhadores (como os bancários), encontrou sua expressão organizada mais elevada na Central Única dos Trabalhadores, fundada em 1983. É importante ressaltar que esse processo de reorganização sindical esteve diretamente vinculado a uma reorganização política no campo da esquerda, com o PT, impulsionador da CUT, superando a velha direção do PCB, que juntamente então com o PCdoB e o MR-8 deram origem, alguns anos mais tarde, à CGT (que forneceu seus principais quadros à direção do ministério do trabalho do governo Sarney). A maior parte da burocracia dirigente das federações e confederações da estrutura oficial, mantida encastelada pelo imposto sindical, foi contrária à constituição das centrais sindicais e se manteve à parte. Chegando aos anos 90, com o suporte do novo presidente Fernando Collor de Mello, se constituiu a Força Sindical, munida de uma perspectiva de “sindicalismo de resultados”, de colaboração entre capital e trabalho, orientada por uma oposição frontal ao sindicalismo combativo da CUT.
Ao longo dessa década, foi se configurando cada vez mais nítida no interior da CUT – e do PT – a divisão entre uma ala orientada pelos princípios classistas, combativos e democráticos, inscritos na origem da central, e uma ala voltada a uma perspectiva reformista mais corporativista e disposta a uma posição de colaboração e conciliação de classes. A pressão combinada exercida sobre o sindicalismo cutista pela reestruturação produtiva e pela flexibilização precária dos contratos de trabalho, pela dura concorrência exercida pela Força Sindical (com o apoio da patronal), e pela crescente adaptação da direção do PT – e da CUT – aos limites políticos do regime da burguesia, favoreceu o fortalecimento da ala corporativo-colaborativa no interior da central, consolidando-a na sua direção. Com a adesão posterior da cúpula dirigente dessa ala majoritária da CUT à gestão dos fundos de pensão dos trabalhadores das maiores empresas estatais do país, com o apoio de uma “aristocracia operária” seduzida pela retórica e pela propaganda neoliberal, tornada então quase um pensamento único, a degeneração burocrática da direção cutista não apenas se aprofundou, como adquiriu um caráter novo: incorporou-se a visão de mundo financista como horizonte a partir do qual pensa a economia brasileira e mundial. Uma rendição definitiva não apenas ao capitalismo, mas à sua degeneração rentista e neoliberal.
A partir de 2003, com a eleição de Lula à presidência da república, esse cenário se desenvolve de modo acelerado. É importante levar em conta que esse último período da história brasileira tem na burocracia sindical oriunda do “novo sindicalismo”, ou seja, na direção cutista, o centro político em torno do qual se constituiu o arranjo social-liberal de conciliação de classes como projeto de poder partidário (do PT) e como pilar de sustentação do regime político da burguesia. Essa burocracia sindical corrompida, degenerada, profundamente enredada na visão de mundo, nas práticas e nas teias de relações da alta burguesia e dos “caciques” da política burguesa, a começar pelo próprio Lula, esteve nas posições mais destacadas do estado-maior governamental durante os dois primeiros mandatos do ciclo lulista, perdendo algum espaço a partir da eleição de Dilma, sem nunca perder, no entanto, o controle das rédeas do PT. No arranjo de acomodação da burocracia sindical com a alta burguesia, constitutiva do ciclo lulista, coube à primeira o papel organizador e dirigente, com o programa econômico e social fundado nos interesses prioritários da segunda.
O projeto social-liberal lulista tinha como pressuposto principal a garantia da contenção do movimento de massa e sindical, não apenas nos limites do sistema de poder da burguesia (com seu regime político subdemocrático, sua mídia de massa oligopolizada, suas transações espúrias entre o público e o privado e etc.), como também nos limites de uma política econômica tutelada pelo parasitismo financeiro nacional e transnacional. O boom dos preços das commodities, resultado do vertiginoso crescimento chinês, e a inserção inédita de muitos milhões de trabalhadores brasileiros no mercado de crédito (possibilitada por mudanças legais como as que permitiram aos bancos sacar as dívidas diretamente dos salários e vencimentos dos trabalhadores e aposentados) favoreceu um crescimento econômico significativo, que serviu de base a um relativo “distributivismo sem reformas” responsável por produzir um impacto real na redução da miséria e da indigência no país, no aumento do mercado consumidor interno, e na inserção de milhões de trabalhadores nos marcos da formalidade contratual, ainda que a esmagadora maioria em seus escalões mais precários. Paralelamente a esses ganhos conjunturais para os de baixo (que já foram destruídos pelo “ajuste fiscal”, pela recessão e pelos retrocesso atuais, iniciados ainda sob Dilma), o lulismo – tendo a maior parte do movimento sindical e popular sob seu comando – promoveu ganhos de natureza estrutural para o grande capital: como as inúmeras privatizações, a subordinação do BNDES à alavancagem dos grandes monopólios empresariais do país com dinheiro público, ou a reforma da previdência levada a cabo por Lula ainda em 2003.
Essa reforma da previdência, que atacou de frente os direitos dos trabalhadores do setor público, para reorientar os recursos financeiros para a especulação rentista, foi festejada pelo conjunto da burguesia e fortemente repudiada pelo setor mais avançado do movimento sindical, da juventude e do próprio PT. A marcha de 100 mil trabalhadores em Brasília, contra o presidente com a maior popularidade em toda a história nacional; a ruptura do setor mais combativo da CUT com a central (dando origem ao que é hoje a CSP Conlutas); e a expulsão dos parlamentares petistas “radicais”, em torno dos quais iria se constituir o PSOL, foram algumas das importantes fraturas provocadas pelo estabelecimento do social-liberalismo lulista no poder. O aparelhamento da maior parte do movimento popular e sobretudo do movimento sindical pelo governo se consolidou com a institucionalização das centrais sindicais, que se tornaram assim destinatárias de recursos financeiros públicos. Essa cooptação direta promoveu uma rearticulação no quadro das centrais sindicais, ora reunindo forças dispersas, ora fragmentando o que se encontrava reunido, numa movimentação em busca de condições mais adequadas de acesso aos recursos públicos agora disponíveis. Assim se formou o quadro organizativo atual da superestrutura do sindicalismo brasileiro, com uma grande quantidade de centrais concorrentes: CUT; CTB (ligada ao PCdoB e saída da CUT); UGT (fusão da CGT, Social Democracia Sindical, Central Autônoma dos Trabalhadores e parte da Força Sindical); Força Sindical; CGTB (ligada ao antigo MR8, agora PPL); NCST (dirigida pela burocracia das federações e confederações do sindicalismo corporativo-estatal) e CSP Conlutas (que renunciou a se integrar a esse processo de cooptação estatal, se mantendo fora do registro legal e do acesso aos recursos financeiros estatais).
O arranjo social-liberal lulista, por fim, entra em crise definitiva, arrastando consigo o regime político da “nova república”, com a eclosão do poderoso levante juvenil popular conhecido como as Jornadas de Junho de 2013, que deram origem a um ciclo de lutas populares que abalaram, por vários meses, a ordem política e social vigente no país. Com algum atraso, o impacto da crise mundial de 2007-2008 se fez sentir em uma desaceleração forçada da economia; o modelo de consumo através do endividamento das famílias chegou ao esgotamento, e a precariedade dos serviços públicos, sobretudo dos transportes urbanos e da educação, chegou ao intolerável. Com o desencadeamento da Operação Lava Jato, a partir do início de 2014, a crise combinada do lulismo e do regime burguês vai se intensificar, culminando com o golpe palaciano de Temer, tentativa de conter a crise que não impede seu aprofundamento atual em uma desesperada fuga para a frente.
A força, o caráter massivo e a radicalidade das Jornadas de Junho não puderam compensar a falta de uma direção clara e um programa mais sistematizado. A força gigantesca por elas desprendida produziu um choque nas “placas tectônicas” da sociedade brasileira, que seguem vibrando ainda. No entanto, o resultado imediato foi modesto, uma vitória modesta: o recuo dos governos do país no tocante aos aumentos das tarifas do transporte público. A demonstração de firmeza, disposição de luta e capacidade de vencer do povo mobilizado repercutiu na classe trabalhadora enquanto tal. Uma série de greves imensas e “selvagens” eclodiu. Educadores do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná; garis do Rio; metroviários de São Paulo; rodoviários de várias partes do país; dentre tantas outras categorias, se lançaram à luta motivados por uma confiança nova nas próprias forças. Muitas dessas greves foram definidas como “greves selvagens”, por expressarem uma base que atropelava sua direção sindical burocratizada e presa à rotina. Toda uma juventude trabalhadora despertou para a luta de classe e assumiu seus postos de combate no movimento operário e sindical. A massiva greve geral do dia 28/04 é uma forte demonstração dos efeitos ainda vivos do que se iniciou em 2013, ainda que o desmonte da mobilização pelas cúpulas burocráticas das grandes centrais tenha nos trazido a essa confusão atual. Certamente, os ataques tendem a seguir produzindo luta e mobilização. É a partir da energia dessa jovem geração de lutadores da classe trabalhadora e de sua experiência e disposição para atropelar as velhas direções do movimento sindical, que queremos ajudar a impulsionar esse novo processo de reorganização do sindicalismo classista no país.
3 – A necessidade de uma concepção revolucionária, classista e emancipatória de sindicalismo
De tudo que foi dito, depreende-se claramente que, apesar da degeneração progressiva dos sindicatos e de seus vínculos cada vez mais estreitos com o Estado imperialista, o trabalho neles não só não perdeu sua importância, como é ainda maior para todo partido revolucionário. Trata-se essencialmente de lutar para ganhar influência sobre a classe operária. Toda organização, todo partido, toda fração que se permita ter uma posição ultimatista com respeito aos sindicatos, o que implica voltar as costas à classe operária, somente por não estar de acordo com sua organização, está destinada a acabar. E é bom frisar que merece acabar” (Leon Trotsky – Os sindicatos na época da decadência imperialista).
Queremos ajudar a construir um processo renovador no movimento sindical brasileiro, mas não pensamos em “reinventar a roda”. Nossa pretensão é estarmos à altura de dar continuidade ao que já possui uma história farta, nacional e internacionalmente. O sindicalismo classista é parte integrante do que há de mais essencial na história contemporânea mundial, e do que há de mais essencial na própria modernidade. Desde 1848, a classe trabalhadora vem ensaiando elevar-se ao nível de sua potencialidade, assumindo o controle da produção e do poder político em aliança com os demais setores populares e contra a burguesia. Não há nenhum ineditismo naquilo que propomos, ao contrário, queremos nos reconectar a uma trajetória histórica da qual somos herdeiros. Neste ano em que comemoramos os 100 anos da Revolução Russa, não podemos deixar de celebrar também os 100 anos da primeira greve geral deflagrada no Brasil, sob condições duríssimas. Reivindicamos essa história, como toda a história combativa do sindicalismo classista e revolucionário no mundo e em nosso país, incluindo o que se fez de melhor por aqui desde o final do século XIX até o movimento que inviabilizou a continuidade da ditadura militar, garantindo os direitos sociais na Constituição de 1988, que enfrentou o consenso neoliberal da patronal nos anos 90 e daquele que segue hoje a serviço dos interesses históricos da classe trabalhadora.
Afirmar um sindicalismo revolucionário, classista e emancipatório exige a capacidade de articular numa prática coerente e consequente, a organização e a luta das trabalhadoras e trabalhadores por suas reivindicações mais imediatas e pelos interesses históricos e gerais da classe: a superação socialista da ordem do capital. Exige também incorporar como sua a luta contra as formas de dominação e discriminação social reacionárias que se exercem contra as mulheres, a população negra e indígena e a comunidade LGBT. Não é possível falar em emancipação humana pelo socialismo, ignorando as opressões que historicamente se reproduzem no âmbito da sociedade capitalista. Isso significa que se trata de fazer a luta econômica de classe, sem perder de vista e levando em conta na prática, as outras dimensões dessa luta, nos planos político e ideológico. A luta de classe dos trabalhadores é um fenômeno abrangente, que nasce na esfera imediata do trabalho e da economia, mas que se desdobra em todos os domínios da vida social. Fazer do sindicalismo um instrumento efetivo e consciente dessa luta exige que ele seja articulado, a partir de sua realidade específica, às iniciativas concretas da luta política e ideológica contra a burguesia, que se travam em outros planos.
Um sindicalismo que desarticula o momento econômico do momento político e ideológico da luta da classe trabalhadora não é propriamente revolucionário, por mais combativo que se manifeste, pois não dá conta de impulsionar a classe no sentido de realizar plenamente sua potencialidade histórica. É um sindicalismo que não vai além da resistência e do reivindicativo, ignora a necessidade de ser parte de uma alternativa de poder para a classe trabalhadora e os demais setores populares. É, portanto, um sindicalismo condenado a situar-se nos limites da ordem burguesa, livrando-a de seus excessos antissociais (ou ao menos tentando fazê-lo), na prática, sendo parte de sua reprodução. Há ainda o sindicalismo que, munido de uma intencionalidade classista, mas absorvido em um moralismo dogmático, julga bastar-se, enquanto tal, como meio de emancipação da classe trabalhadora. Esse sindicalismo recusa incorporar-se à luta política da classe ou, por outro lado, considera a luta sindical como ferramenta exclusiva de uma forma de luta política entendida como mera continuidade da luta econômica e se revela como uma farsa ou, na melhor das hipóteses, uma ilusão. É a insuficiência dos diferentes tipos de anarco sindicalismo ou autonomismo. Um sindicalismo efetivamente classista, por outro lado, incorpora-se plenamente, com seus meios e métodos próprios, à luta política e ideológica do proletariado. Não ignora os diferentes aspectos dessa luta e não se recusa a dar combate à burguesia em todas as esferas em que seja possível. Vai à greve, ao piquete, às marchas e às urnas com a mesma energia e a mesma disposição combativa e vontade de vencer. Reconhece que não se basta como forma de luta e se articula com outros movimentos na frente da luta social, e na luta política, com a ferramenta partidária classista, indispensável para levar a luta dos trabalhadores ao terreno político e ideológico.
Os epígonos do sindicalismo queriam nos fazer crer que os sindicatos são suficientes por si mesmos. Isso, teoricamente, não quer dizer nada, mas na prática significa a dissolução da vanguarda revolucionária na retaguarda das massas, ou seja, nos sindicatos. Quanto mais amplas são as massas que se aglutinam nos sindicatos, estes cumprem melhor sua missão. Um partido proletário, pelo contrário, adquire prestígio somente se é ideologicamente homogêneo e está integrado com base na unidade de ação e organização. Pretender que os sindicatos são autossuficientes porque o proletariado haveria alcançado sua “maioridade” é simplesmente adular o proletariado. É dizer a ele que é o que não é e nem poderá ser sob o capitalismo, e manter no atraso e ignorância enormes massas de operários, permitindo apenas a uma vanguarda a possibilidade de superar as dificuldades e chegar a uma clara compreensão das tarefas do conjunto de sua classe” (Leon Trotsky – Comunismo e sindicalismo).
O movimento sindical, por si só, enquanto expressão imediata da organização dos trabalhadores para a luta por melhores condições salariais e de trabalho, está inserido nos marcos da ordem burguesa e no interior de sua lógica, que reduz o trabalho e o trabalhador à condição de mercadoria. A luta sindical das diferentes categorias de trabalhadores, tomada em sua manifestação imediata, é a luta pela valorização da força de trabalho, ou seja, não se coloca a tarefa de retirar o trabalho – e seu agente humano – da condição de mercadoria, mas apenas a de impedir sua desvalorização contínua no mercado. Isso significa que não é inevitável, ou uma “tendência natural”, que o sindicalismo desenvolva uma orientação revolucionária e classista, como movimento. Ao contrário, nos marcos da ordem burguesa, a pressão dominante que se exerce sobre os sindicatos é a que aponta para sua integração e incorporação aos limites dessa mesma ordem, possibilitando a eles, no melhor dos casos, operarem como um mecanismo de correção e ajuste das iniquidades mais escandalosas da exploração capitalista do trabalho assalariado. Essa pressão faz com que o movimento sindical, ao longo de sua história, tenha desenvolvido poderosas tendências conservadoras de adaptação à ordem do capital e sua rotina. A superação dessas tendências depende da atuação organizada – no interior do movimento sindical – de uma militância revolucionária e socialista, capaz de disputar a condução da luta sindical em outra direção.
É apenas a partir da influência exercida no interior dos sindicatos por uma organização política revolucionária (ou frente de organizações) que se torna possível articular a luta pelas necessidades mais imediatas de cada categoria de trabalhadores com a luta pelos interesses e necessidades históricas da classe trabalhadora enquanto tal. A cada campanha, atividade, mobilização e enfrentamento do movimento sindical ele sofre a pressão dominante que busca enquadrá-lo ao que é funcional à ordem vigente. Sendo assim, é no cotidiano dos sindicatos que a organização/frente política revolucionária tem que ser capaz de fornecer orientações e construir processos de luta que ultrapassem o corporativismo estreito e apontem para o enfrentamento contra os interesses dos capitalistas como um todo. É no interior das organizações sindicais amplas de resistência da classe trabalhadora que a organização política revolucionária dos socialistas precisa estar enraizada. É a partir de sua movimentação e de suas lutas concretas que é possível educar os trabalhadores para a compreensão da necessidade e possibilidade de superação da ordem burguesa. É a partir da prática mais consequente, da iniciativa mais decisiva e das ideias mais corretas e claras que os revolucionários podem e devem chegar à direção dos sindicatos, juntamente com os setores mais avançados dos trabalhadores, contra a rotina conservadora dos dirigentes burocráticos e para a afirmação de um sindicalismo revolucionário e classista.
A social-democracia [marxista] dirige a luta da classe operária, não apenas para obter condições vantajosas na venda da força de trabalho, mas, também, pela abolição da ordem social, que obriga os não possuidores a se venderem aos ricos. A social-democracia representa a classe operária em suas relações não apenas com um determinado grupo de empregadores, mas com todas as classes da sociedade contemporânea, com o Estado como força política organizada. Consequentemente, portanto, os social-democratas não podem limitar-se à luta econômica, mas, também não podem admitir que a organização das denúncias econômicas constitua sua atividade mais definida. Devemos empreender ativamente a educação política da classe operária, trabalhar para desenvolver sua consciência política (Lênin – O que fazer?).
Não é possível derrotar a dominação burguesa e avançar na superação do capitalismo senão através da luta revolucionária da classe trabalhadora, que é essencialmente uma luta política, pelo poder político. Não é possível para a classe trabalhadora afirmar o seu poder político de classe, submetendo a si os capitalistas, através das regras do jogo político estabelecido e controlado pela classe dominante em seu Estado. Da mesma forma, os trabalhadores não podem vencer ficando restritos ao âmbito da luta econômica imediata. É necessário ir além dessa dicotomia. É preciso que a classe trabalhadora conte com uma expressão política e partidária para articular os diferentes campos onde se travam os enfrentamentos com a burguesia em torno de uma estratégia política unitária, voltada ao exercício do poder da classe trabalhadora na sociedade. Essa organização partidária precisa explorar e disputar os espaços e brechas estabelecidas na legalidade da ordem burguesa para fazer avançar sua agitação, sua propaganda e sua afirmação de um projeto de poder e de sociedade organicamente vinculado aos interesses históricos do povo trabalhador. É preciso ir aos processos eleitorais e disputar os votos da massa contra os representantes políticos da classe dominante. É preciso utilizar a disputa nas urnas para dar densidade e unidade política às inquietações e aspirações populares. No entanto, não é possível superar a dominação burguesa por dentro de suas instituições e de suas regras, é preciso subvertê-las, revolucionar a ordem estabelecida a partir do exercício direto de poder pela massa trabalhadora, organizada e mobilizada politicamente a partir da base, a partir de seus locais de trabalho e moradia. Por essa razão, a organização política dos revolucionários socialistas precisa atuar dentro e fora do movimento sindical e popular, de modo articulado. Precisa combinar a luta nas eleições com a luta direta de massa, subordinando a primeira à segunda, que é a decisiva em uma perspectiva revolucionária. Como lembra Trotsky em certo momento, “a luta pelo poder não pode ser dirigida apoiando-se meramente nos votos… Há que ter apoio nas fábricas, nas empresas, nos sindicatos e nos comitês de fábrica”. É disso que se trata em última análise.
Sob essa perspectiva revolucionária, o movimento sindical deve ser construído como uma “escola de socialismo” e suas lutas e greves como “escolas de guerra” da classe trabalhadora por sua emancipação, como enfatiza Lênin. O sindicalismo revolucionário, classista e emancipatório precisa se fundamentar na mais ampla e radical prática democrática. Os trabalhadores devem ser impulsionados a organizar assembleias, comitês e comissões nas bases, por locais de trabalho. As cúpulas e dirigentes sindicais precisam estar ao alcance do controle dos trabalhadores nas bases, que devem poder discutir abertamente todas as questões e chegar às suas conclusões sem restrições ou imposições de cima. À medida que os trabalhadores se acostumam a decidir por sua própria conta, coletivamente, os assuntos que lhes dizem respeito na esfera das relações de trabalho, no que se refere aos seus problemas concretos, ganham confiança em si mesmos e na sua capacidade de protagonismo coletivo. No que se refere às greves, longe da concepção burocrática de arranjos pelo alto, são os trabalhadores que devem assumir a condução de sua luta, a partir de comandos de greve democraticamente eleitos e responsáveis diante das bases. Assim, a experiência do conflito, da repressão patronal e policial, assim como das conquistas arrancadas na marra e das negociações impostas pela correlação de forças, educa os trabalhadores a respeito da essência da sociedade de classes, da dominação conjunta da classe patronal e de seu Estado, assim como a respeito da capacidade política de sua classe, quando decidida, organizada e consciente de sua ação.
A greve ensina os operários a compreenderem onde repousa a força dos patrões e onde a dos operários, ensina a pensarem não só em seu patrão e em seus companheiros mais próximos, mas em todos os patrões, em toda a classe capitalista e em toda a classe operária. Quando um patrão que acumulou milhões às custas do trabalho de várias gerações de operários não concede o mais modesto aumento de salário e inclusive tenta reduzi-lo ainda mais e, no caso de os operários oferecerem resistência, põe na rua milhares de famílias famintas, então os operários veem com clareza que toda a classe capitalista é inimiga de toda a classe operária e que os operários só podem confiar em si mesmos e em sua união. Acontece muitas vezes que um patrão procura enganar, a todo transe, os operários, apresentar-se diante deles como um benfeitor, encobrir a exploração de seus operários com uma dádiva insignificante qualquer, com qualquer promessa falaz. Cada greve sempre destrói de imediato este engano, mostrando aos operários que seu “benfeitor” é um lobo com pele de cordeiro (Lênin – Sobre as greves).
É preciso dizer que o obstáculo mais direto e imediato a um sindicalismo comprometido com a emancipação da classe trabalhadora é, ao lado da patronal e seus governantes, a burocracia sindical. Trata-se do setor dirigente dos aparatos sindicais que se autonomiza e separa das bases da classe, de suas exigências e necessidades, colocando-se acima delas, como uma casta contraposta àqueles de quem deveria ser a representação e a expressão. Nessa condição, a burocracia passa a se apropriar de privilégios de diferentes tipos, mas sobretudo materiais, resultantes do controle da máquina organizativa sindical e seus recursos financeiros, bem como também das relações espúrias mantidas com a patronal e o Estado. A condição privilegiada da burocracia depende integralmente da manipulação pelo alto do organismo sindical, bloqueando a possibilidade de que os trabalhadores assumam o controle da organização que é sua por direito. Nem a intransigência anti-sindical da burguesia mais reacionária, nem o controle dos trabalhadores sobre seus sindicatos: esse é o lema da burocracia sindical. Ainda que essencialmente corrompida e contrária aos interesses da classe trabalhadora, como tal, a burocracia precisa, no entanto, estar atenta às inquietações e movimentos das bases, em função do risco de se ver ultrapassada e derrotada politicamente pelas alas revolucionárias do sindicalismo, ou mesmo pela sublevação e revolta das bases sem direção definida. Tentar capitalizar e controlar a dinâmica dos trabalhadores impedindo que ela assuma um sentido combativo, radicalizado e revolucionário que ponha em questão o poder burguês é a linha da burocracia nos momentos de intensificação da luta de classes. Aí está a essência de sua ambiguidade, como marca registrada, e a razão fundamental da necessidade de combatê-la sem tréguas e derrotá-la.
O fenômeno da burocratização tem suas raízes na própria situação contraditória que faz emergir o movimento sindical dos trabalhadores de dentro da ordem capitalista e sob a dominação burguesa. Como já apontado anteriormente, a pressão exercida pelos interesses dominantes na sociedade capitalista sobre o movimento dos trabalhadores, de modo a enquadrá-lo nos marcos da ordem, é enorme e preponderante, e é resultado da desigual concentração de recursos de poder constitutiva da própria dominação de classe. A burocracia é justamente o setor que realiza e expressa politicamente essa pressão no interior do movimento sindical. Sua origem e constituição se deve ao fato de que, sob o capitalismo, os trabalhadores se encontram submetidos à vigilância, ao controle e à repressão da patronal e do Estado. O custo da luta contra os patrões é muito elevado para os trabalhadores, sobretudo para os mais explorados, já que pode resultar em desemprego, miséria, indigência, prisão ou mesmo a morte, dependendo do momento e contexto. Dessa maneira, os trabalhadores em sua maioria não costumam se vincular à atividade e à luta sindical de modo permanente. Avessos ao aventureirismo pequeno-burguês, avaliam com muita cautela a possibilidade e a oportunidade de ação, quando então se lançam à luta de modo decidido e até o fim. Em geral, por isso, não são os setores majoritários e mais explorados da classe os que se mantêm envolvidos de modo permanente na atividade sindical. Ao contrário, são os setores menos submetidos às sanções e castigos da patronal que se agrupam de modo mais regular em torno do sindicalismo. O protagonismo desses setores mais acomodados, na ausência de pressões mais firmes e constantes de baixo para cima, cria as condições para que a administração rotineira do aparato sindical, como fim em si, se imponha, permitindo a separação da burocracia do conjunto dos trabalhadores, para passar a se orientar pelo zelo por sua própria condição privilegiada.
No contexto do movimento sindical brasileiro, a burocratização pôde contar desde a criação do Ministério do Trabalho, na década de 30, com poderosos suportes institucionais do Estado. Em primeiro lugar, a repressão policial e patronal sistemática contra o povo trabalhador: odienta, racista e brutalmente violenta. Depois, os mecanismos de controle estatal dos sindicatos. A legislação sindical que fragmenta unidades e unifica fragmentos soltos, produzindo categorias oficiais sem substrato real, sem articulação viva, determinadas em sua estrutura pelo poder de Estado, que sempre exerceu a tutela em última instância de todo o sindicalismo oficial. Agora, sob a ofensiva espoliativa do capital, a tutela estatal corporativista tende a ser crescentemente substituída pela orientação de jogar os trabalhadores e o sindicalismo burocratizado aos tubarões da patronal e seu arbítrio. Com tutela repressiva e sem salvaguardas. Se é preciso exigir a mais plena independência dos sindicatos em relação ao Estado, mais ainda suas garantias legais contra a patronal. É preciso ter assegurados todos os direitos referentes à organização e atividade sindical no país, na lei e nos fatos. Mas é preciso atuar e dirigir no interior do sindicalismo brasileiro tal como existe, para transformá-lo.
De um modo geral, a velha burocracia do movimento sindical, e os partidos políticos “progressistas” aos quais se incorporam ou dirigem, tiveram seu destino atrelado ao dos regimes políticos burgueses dos quais se tornaram parte integrante e base de sustentação ativa, no Brasil e no mundo. Incorporadas à casta política apodrecida de um regime tornado impermeável às demandas mais elementares dos trabalhadores e setores populares, em função de sua captura pelo capital financeiro, essa burocracia – corrompida e aburguesada – é parte do velho que deve ser superado agora. Toda alternativa autêntica de poder popular, com um sentido democrático radical e anticapitalista, só pode se desenvolver se for de modo independente e fazendo a crítica a essa burocracia, apontando seu esgotamento e falência e buscando superá-la politicamente. Essa burocracia opera como agente dos interesses da burguesia decadente nos marcos do movimento sindical. Quando não é capaz de paralisar e desorganizar completamente a classe, opera para manter sua organização e atividade nos limites das negociações de cúpula, do questionamento consentido e da reivindicação corporativista. Combatê-la e derrotá-la, no entanto, não é algo que podemos fazer apenas com a prática da denúncia ou com nosso auto isolamento sectário. Precisamos ser capazes de convocá-la à ação unitária contra os ataques do capital, sem nutrir ilusões a respeito de seu caráter colaboracionista com o inimigo de classe. É preciso disputar suas bases, não apenas com a política mais consequente e com a iniciativa mais decisiva, mas também com a maior atenção às suas necessidades imediatas, com mais capacidade de escutar e incorporar suas exigências, com a mais firme presença em seu cotidiano e em suas lutas.
Uma concepção revolucionária, classista e emancipatória impõe um sindicalismo que busca dar conta não apenas de impulsionar a organização e a luta dos trabalhadores a partir das bases e dos locais de trabalho, contra a burocracia e o fechamento dos aparatos nas questões corporativas, como também precisa levar em conta a fragmentação da classe trabalhadora e a precarização extrema da maioria dos trabalhadores assalariados do país. Entre os trabalhadores terceirizados, submetidos ao mais duro controle e exploração, a organização sindical é muito frágil. Nesse sentido, é preciso difundir a construção de mecanismos de organização sindical, por dentro ou por fora das estruturas formais, em meio a esse setor. Para estar em contato com as frações mais exploradas da classe trabalhadora é necessário levar o sindicalismo além da própria organização sindical, se associando às maiorias populares, mais fragmentadas e dispersas, em seu local de moradia, pela compreensão da dimensão territorial urbana e metropolitana como espaço da luta de classe. Da mesma maneira, pressupõe o enfrentamento – dentro e fora do movimento sindical – contra as formas de opressão que o conservadorismo decadente da sociedade burguesa impõe contra as mulheres, a população negra e indígena, e a comunidade LGBT. Por fim, as lideranças sindicais revolucionárias precisam se afirmar como “tribun@s do povo”, aproveitando cada oportunidade para dialogar não apenas com sua base profissional, mas com o conjunto da classe trabalhadora e da sociedade, apresentando e expressando um projeto político e de sociedade classista e emancipatório.
Nesse momento, frente à avalanche de retrocessos que Temer vai enfiando goela abaixo do povo trabalhador, com a Reforma Trabalhista como ápice e a Reforma da Previdência, no horizonte, a tarefa que precisamos assumir é, em primeiro lugar, tomar parte ativa no reagrupamento do sindicalismo combativo e classista no país. Hoje, a CSP Conlutas é o espaço de articulação sindical que reúne muito do que há de mais avançado no movimento de classe dos trabalhadores brasileiros. Certamente precisa superar certos limites políticos e organizativos estreitos que seguem constituindo um obstáculo ao crescimento de sua influência no movimento sindical e de seu peso político na correlação de forças, no entanto, seguimos jogando nosso empenho tanto na construção da central como na luta pela superação de seus limites, defendendo a democracia operária como princípio e método, e seu papel ativo na reorganização da classe trabalhadora brasileira. Nesse sentido, lançamos a iniciativa da Plataforma Sindical Democrática e Anticapitalista como espaço de organização político sindical a serviço do processo de reagrupamento do sindicalismo classista, antiburocrático e combativo que o momento do país exige.