Joe Strummer, Voz do Clash
Para uma geração inteira de nós – incluindo muitas pessoas nunca propensas a adorar estrelas do rock – Joe Strummer era um herói
Você se sente velho quando seus heróis começam a morrer. Para socialistas – que são, afinal, radicalmente igualitários – pode haver alguma contradição envolvida em falar de heroísmo. É um termo carregado com conotações de nobreza e autoridade que vai muito, muito atrás, talvez ao despontar pré-histórico da sociedade de classes.
Nós temos que ser críticos de heróis, mesmo que não possamos viver sem eles. Para uma geração inteira de nós – incluindo muitas pessoas nunca propensas a adorar estrelas do rock – Joe Strummer, que morreu no final do ano passado, era um herói. E não há muitos heróis socialistas por aí hoje em dia, que nós possamos permitir perder um sem sofrimento.
É a última semana de 1980. Eu tenho 17 anos. O horrível incerto dos anos Carter está acabando, os horrores mais claramente definidos de impedir a presidência de Reagan estão apenas entrando em cena.
Um amigo acabou de me enviar um presente de Natal – um álbum duplo de uma banda de punk rock da Inglaterra chamada The Clash que ele imagina (muito corretamente, é claro) não estará disponível nas prateleiras de discos de minha pequena cidade no Leste do Texas.
O discurso sobre punk rock na mídia de massas americana é que consiste inteiramente de artistas que (1) não podem tocar seus instrumentos e (2) cuspir no público. A capa do álbum mostra um homem quebrando sua guitarra.
Eu sou um adolescente alienado, tudo bem, e a imagem é poderosa, até mesmo estranhamente bonita. Mas o valor de dois discos de guitarras quebradas? Estou em dúvida.
Soltando a agulha na primeira faixa – “London Calling”, que dá ao álbum o seu título – é imediatamente evidente que esses caras podem, de fato, tocar seus instrumentos, e muito bem. Os riffs são atraentes, o tom de alguma forma ameaçador.
As primeiras linhas do cantor (“Chamada de Londres para as cidades distantes / Agora a guerra esta declarada e a batalha começa…”) tocam em uma voz enérgica e áspera. O refrão soa como o pesadelo se aproximando da década que virá, com o novo presidente:
“A era do gelo está vindo, o sol está se ampliando
Derretimento esperado e o trigo está crescendo fino
Máquinas param de funcionar, mas eu não tenho medo
Porque Londres está se afogando – e eu, eu moro perto do rio…”
Este disco não irá deixar meu toca discos pelos próximos meses. O cantor em questão, o homem com a voz rouca de gritar do outro lado do Oceano Atlântico, é Joe Strummer.
Parece um nome apropriado para um guitarrista, embora filmagens da banda mostrem que sua palheta geralmente atinge as cordas com a regularidade do staccato de um martelo. Como ele está manuseando o instrumento realmente tem algumas implicações ideológicas, dado o que o rock se tornou nos anos 1970.
A coisa mais difícil geralmente girava em torno de intricados – e extremamente longos – solos de guitarra em álbum conceituais que sempre pareciam ser baseado na mitologia escandinava, ou nos romances de Ayn Rand; algo de outro mundo, em qualquer caso.
Rock com uma qualidade mais popular tendia em direção a baladas extenuantes sobre as agonias do estrelato, por cantores-compositores terrivelmente sensíveis. De qualquer jeito, o artista era alguém de um mundo alheio ao público, e a virtuosidade ou delicadeza com a guitarra era parte de manter a distância.
Não com Strummer, que parecia estar lançando uma mensagem urgente sem tempo para poupar. Ele foi realmente um guitarrista muito habilidoso. Mas a coisa importante sobre assistir ele era que você imaginava, “inferno, eu poderia fazer isso”. E a banda queria que você desse uma chance.
As letras eram explícitas sobre quanto o capitalismo estava acumulando com as pessoas continuando passivas – ouvindo ao seu “álbum de sucesso gigante de discoteca” (como a música “Lost in the Supermarket” disse) como uma recompensa por ter as “Career Oportunities” disponíveis. (“Você quer fazer chá para a BBC?/ Você realmente quer ser um policial?”)
A banda encorajou seus fãs a começar seus próprios grupos – para libertarem-se dos programadores que “escolhem todos os sucessos para tocar / para manter você no seu lugar o dia todo”.
A Voz do Clash
Toda devida honra ao resto dos caras na banda, tão firme um esquadrão de músicos para marchar no palco. Mas não há como evitar: Joe Strummer era a voz do Clash, não apenas como vocalista.
Embora ele tenha frequentado uma escola de elite – seu pai trabalhou para o corpo diplomático – Strummer virou as costas para a classe média cedo. Em uma entrevista, ele fez uma vaga referência sobre vender o Morning Star (o jornal comunista britânico) para trabalhadores das minas, em algum ponto em seus dias pré-Clash – uma experiência que deixou ele com uma opinião relativamente baixa dos partidos de esquerda.
Muito de seu radicalismo parecia ter sido moldado pela experiência. Enquanto tocava em uma banda anterior, por exemplo, ele conheceu alguns instrumentistas de instrumentos de sopro que escaparam do Chile após o golpe apoiado pelos Estados Unidos. O envolvimento da banda no movimento Rock Against Racism foi indubitavelmente influenciado pela raiva de Strummer que seu irmão tivesse se juntado à neofascista National Front.
A política resultante, expressada nas letras do Clash, era ambos socialista e solidamente antiautoritária. O álbum “Sandinista!” (1980) celebrou a revolução nicaraguense –
“Pela primeira vez
Quando eles tiveram uma revolução na Nicarágua
Não houve interferência da América
Direitos humanos na América
Bem, o povo lutou contra o líder, e ele voou…
Sem balas de Washington o que mais ele poderia fazer?”
– deixando claro que o imperialismo americano era apenas parte da miséria total do mundo:
“Se você pode achar um rebelde afegão que as balas de Moscou não acertaram
Pergunte a ele o que ele acha da votação comunista
Pergunte ao Dalai Lama nas montanhas do Tibete
Quantos monges os chineses pegaram
Em um pântano devastado pela guerra pare qualquer mercenário
E cheque as balas britânicas em seu arsenal…”
Transcendendo o niilismo
Focando nas letras sozinhas se perde o que pode ter sido o mais importante elemento da política da banda, e do legado de Strummer. Um poderoso impulso no punk inicial (ainda audível em algumas correntes hoje em dia) é o feroz esforço para romper com formas anteriores de música.
Isso poderia ser um estímulo para a criatividade. Mas é também algumas vezes racista – o que o grande crítico de rock Lester Bangs chamou “supremacia do ruído branco”. Distorção crua abole a melodia. Velocidade substitui o ritmo. E o niilismo simples (um ódio de tudo) anula o espectro emocional muito mais rico que o rock herda do blues, soul, e country.
The Clash, por contraste, queria fundir o punk com a música do que Paul Giroy chamou “o Atlântico Negro” – e não apenas reggae, embora a influência caribenha permaneceria a mais evidente de álbum para álbum. Você poderia gastar um bom tempo contemplando as implicações culturais da seguinte troca de uma entrevista:
Jornalista: Se você tivesse que apontar a sua principal fonte de inspiração, quem seria?
Strummer: Bo Diddley.
Jornalista: Alguém mais?
Strummer: Bo Diddley.
E em um tempo quando hip-hop era tão old school que ninguém chamava de “old school”, Strummer fez rap em “The Magnificiente Seven”, um corte memorável sobre as frustrações do dia de trabalho que foi muito tocada nas rádios no Harlem em 1981. Uma nota de rodapé para historiadores: esta pode ser a primeira música de rap a fazer uma brincadeira sobre certos proeminentes revolucionários alemães:
“Karlo Marx e Friedrich Engels
Vieram para o check-out no 7-11
Marx estava quebrado, mas ele tinha senso
Engels o emprestou as moedas necessárias…”
A qualidade do respeito
Com o tempo, a banda colapsou com as usuais tensões de fazer turnê, ego, uso de drogas, e pressão corporativa. (Em um erro que os perseguiria por anos, a banda assinou um contrato com a CBS que era como areia movediça: quanto mais eles lutavam para ficarem livres, mais fundo eles afundavam).
Após gravar algumas trilhas sonoras e outros trabalhos musicais estranhos, Strummer se retirou da vida pública por vários anos antes de retornar com a nova banda no final da década de 1990, The Mescaleros – não apenas uma recauchutada de sons antigos, mas uma rica mistura de mais tipos de influência musical que você pode escolher, mesmo após muitas audições.
As letras não eram tão militantes quanto seu trabalho anterior; ele soava mais melancólico e romântico do que nos seus dias no Clash. Mas eu suspeito que possa haver uma política para esses metais latinos, seus tons talvez lembrando os amigos que fugiram do Chile.
Escutando sua voz e guitarra pela primeira vez, mais de duas décadas atrás, eu senti o sensação de descoberta que vem de encontrar algo novo – por uma coisa, raiva radical, algo tão cru quanto as manchetes do dia. Isto é uma coisa que faz um herói: encontrar alguém que possa expressar o que você sente mas não poderia nunca falar.
Mas raiva sozinha não faz a arte (ao menos que adesivos para para-choques sejam arte). Refletindo sobre a música e as palavras de Strummer nas semanas passadas, eu estou atingido por algo que você não associa ordinariamente com revolucionários, muito menos punk rockers.
É a qualidade do respeito. Uma questão de ver o momento presente como apenas uma parte das tradições democráticas revolucionárias que voltam bastante de alguns modos. Isso vem através especialmente de uma música do “London Calling” sobre a revolução espanhola:
“As encostas tocam com ‘livre o povo’
Ou eu posso escutar os ecos dos dias de 39?
Com trincheiras cheias de poetas, o exército esfarrapado
Consertando baionetas para lutar contra a outra linha
Bombas espanholas balançam a província
Eu estou ouvindo música de outro tempo…”
E como ele canta – palavras ecoando Federico Lorca, riffs de guitarra cortesia de Bo Diddley – Joe Strummer é parte dessa música.
Tradução de Marcelo Martino do original em inglês disponível no portal marxists.org.