2018, entre as ruas e as urnas

Enquanto o governo joga tudo para aprovar a reforma da previdência, a burguesia elabora seus planos para superar 2018 e seguir o ajuste.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 10 jan 2018, 01:28

O ano de 2017 terminou com o impasse da votação da reforma da previdência. Sem os votos para aprovar a medida, o governo foi cauteloso e prometeu uma definição na Câmara em fevereiro. Em meio a mais um repouso por recomendação médica, Temer desgastou-se na promoção de mudanças ministeriais. Além da saída da pasta da indústria e comércio de Marcos Pereira – pastor líder do PRB – e do anúncio de que o ministro da saúde, Ricardo Barros, vai deixar o cargo para disputar as próximas eleições, a nova polêmica do governo foi a nomeação de Cristiane Brasil, do PTB, para a pasta do Trabalho. Enquanto escrevíamos este editorial, a Justiça suspendia a posse da nova ministra por dívidas trabalhistas denunciadas pela imprensa. Poderia ser uma piada pronta. Mas, na verdade, é o estado da arte deste governo.

O front político, agora comandado por Carlos Marun, é outra expressão da precariedade do governo. Com a saída do PSDB da articulação política, Michel Temer teve que buscar no fiel escudeiro de Eduardo Cunha seu operador no parlamento, na tentativa de tirar do papel sua bandeira mais importante: a reforma da previdência.

O núcleo duro da economia, com Meirelles e Oliveira à frente, teve que recuar da proposta de mudança na “regra de ouro”, que impede a emissão de novos títulos da dívida pública para financiar gastos correntes. A equipe econômica, sem muita convicção, deixou a questão para o próximo governo, afirmando que é necessário concentrar-se na aprovação da reforma da previdência. Esta votação colocará à prova a promessa do ajuste com toda força em 2018. O cardápio governamental para o ano completa-se com o pacote de privatizações, apesar de pesquisas indicarem a oposição de 70% da população à entrega do patrimônio nacional. A abertura cada vez maior para o capital estrangeiro destrói a indústria brasileira: a Embraer é a bola da vez, prestes a ser entregue à norte-americana Boeing, junto com os bilionários investimentos realizados em parceria com a empresa pela FAB – para o desenvolvimento do cargueiro KC-390 e para a produção conjunta com a Saab dos caças Grippen – e pela Marinha – no programa do submarino nuclear.

A grande mídia e seus analistas, por sua vez, celebram os dados que o governo apresenta como comprovação da “recuperação” da economia. Na verdade, após deixar para trás os piores anos de recessão, há um tímido crescimento econômico, bastante aquém da recuperação das perdas anteriores e claramente insuficiente para reverter a curva do desemprego. Muito pelo contrário, os dados mostram que o leve recuo no desemprego deve-se à nova fase de precarização do trabalho, com aumento explosivo da informalidade e do trabalho por “conta própria”, enquanto seguem sendo eliminados postos de trabalho formais.

Tudo isso mostra um cenário de fragilidade para a recuperação econômica ao mesmo tempo em que se assiste ao recrudescimento da crise fiscal nos Estados com graves consequências para os serviços públicos e os direitos do funcionalismo como mostraram na virada do ano a greve das polícias no RN e outra rodada de rebeliões em presídios, desta vez em Goiás. Ao mesmo tempo, governos municipais e estaduais em todo o país anunciam nova rodada de aumentos das tarifas de transporte. O que está claro é que, em 2018, seguirá a guerra social contra o povo e a favor do ajuste.

Dispersão e cenário ainda eleitoral ainda aberto

Enquanto o governo joga tudo para aprovar a reforma da previdência, a burguesia elabora seus planos para superar 2018 e seguir o ajuste. A única certeza das eleições é de que será a mais dispersa e indefinida desde 1989. Também por isto, o debate eleitoral ganha força na sociedade desde já.

A definição das candidaturas segue dependente do futuro de Lula. O julgamento em segunda instância de seu processo sobre o apartamento no Guarujá dia 24 de janeiro definirá o futuro de sua candidatura. Como afirmamos recentemente, o impedimento da candidatura de Lula faria desta eleição ainda mais farsesca no momento em que a falência do regime político revela-se plenamente e figuras como Temer, Aécio, Moreira Franco, Eliseu Padilha, Serra, Alckmin, Rodrigo Maia, entre outros, estão no centro das decisões governamentais ou serão candidatos em 2018 apesar de igualmente envolvidos em escândalos de corrupção.

Aliás, a candidatura de Bolsonaro ganha força em uma franja importante da sociedade justamente pela crença de que o reacionário ex-militar diferencia-se dos principais candidatos envolvidos nos esquemas corruptos que há quase 5 anos revelam-se em profusão no país. Esta aura de outsider honesto, no entanto, está em xeque. Nesta semana, o jornal Folha de S. Paulo revelou, numa série de reportagens, como Bolsonaro, há 7 mandatos na Câmara e após eleger 3 filhos a cargos parlamentares, acumulou patrimônio familiar de quase R$ 15 milhões. Ao mesmo tempo, os limites para sua candidatura presidencial tornam-se maiores. Bolsonaro rasgou o acordo que tinha com o nanico PEN/Patriota para começar negociações com o também inexpressivo PSL de Luciano Bivar, deslocando da legenda o grupo liberal “Livres”, que pretendia “renovar” o partido de propriedade do ex-cartola do Sport. É a este tipo de enredo que Bolsonaro se dedica para montar seu palanque em 2018.

​Enquanto Marina, Ciro Gomes e outros postulantes seguem aguardando as definições sobre a candidatura de Lula para calibrar suas expectativas e organizar suas candidaturas, a burguesia continua buscando um nome capaz de unificar o “centrão” fisiológico para uma candidatura competitiva que defenda as reformas e a continuidade do ajuste em 2019. Os tucanos seguem em crise, com as declarações recentes de FHC pondo em dúvida o potencial de Alckmin. Meirelles segue suas pretensões presidenciais, mas agora esbarra na oposição de Rodrigo Maia, que afirmou ao jornal O Globo haver uma “avenida aberta” para sua eventual candidatura. Em paralelo, Luciano Huck, que havia declarado sua desistência de qualquer postulação eleitoral, mostrou-se alegremente em programa dominical da Globo para tratar “pela primeira vez na televisão” do debate sobre candidaturas. Na superestrutura, seguem a crise e as indefinições.

Qual alternativa para qual esquerda?

Diante desse cenário, fica claro que há espaço para uma alternativa de esquerda antirregime e que o PSOL pode e deve ocupar desde já este espaço. Marcelo Freixo, dias atrás, deu uma entrevista à Folha de S. Paulo em que faz uma definição fundamental: é preciso construir no Brasil uma esquerda coerente, com um programa de enfrentamento ao ajuste, que combata o arranjo falido de alianças com os partidos corrompidos do regime. Não por acaso, Freixo recebeu ataques irados de blogs e porta-vozes petistas, que vivem a combater a ideia de que se construa uma esquerda independente do lulismo ao mesmo tempo em que silenciam diante dos afagos de Lula e do PT a Renan Calheiros, Eunício Oliveira e a outros a quem chamavam de golpistas meses atrás, mas que agora, como afirmou Lula em um de seus comícios, merecem ser “perdoados”.

​O PSOL fez oposição de esquerda aos governos do PT mesmo em seus momentos de maior popularidade. E o fez pela convicção de que é necessário destruir este regime político fracassado alicerçado nos esquemas da casta política para viabilizar os ganhos bilionários das grandes corporações e do rentismo nacional e estrangeiro. Um regime político que organiza as condições de exploração da maioria de nosso povo, de sua exclusão das decisões sobre o futuro de nossa nação, de espoliação e opressão permanentes nas franjas da cidade e no campo.

O PT, em seus governos, atuou para que este arranjo permitisse a banqueiros e especuladores ganhar “como nunca antes na história desse país”. E segue com as mesmas definições e o mesmo programa após ter sido arrancado do governo pela camarilha de Temer, Eduardo Cunha e Aécio Neves.

Por tudo isto, precisamos de uma esquerda socialista independente do lulismo, que seja capaz de denunciar este regime político fracassado por meio do qual a elite pretende impor a nosso povo sofrimento e exploração permanentes. Precisamos de uma alternativa que mostre a urgência de destruir estas instituições e de reorganizar democraticamente o Brasil, a serviço de seu povo e de um futuro de igualdade, justiça e soberania. Para lutar por isso, precisamos de uma candidatura do PSOL e de um programa de enfrentamento não apenas a esta crise, mas ao empobrecimento crescente de nosso país e de sua dominação pelo rentismo internacional. É preciso dizer claramente: Lula e o PT há muitos anos não são aliados para esta luta! Pelo contrário. O Brasil precisa de uma nova esquerda e o PSOL deve propor-se a ocupar este lugar.

​Em 2018, portanto, temos dois desafios. Por um lado, temos que fortalecer esta alternativa política, dotá-la de capilaridade, capacidade de diálogo com amplas massas e de um programa à altura de nossos desafios históricos, que vá muito além do “possibilismo” lulista e da crença de que a história pode dar marcha à ré. Por outro, nossa tarefa é resistir e organizar as lutas e greves. Já no início do ano, as cidades serão sacudidas pelo enfrentamento ao aumento das tarifas de transporte. Nos Estados, greves como a do RN irão se multiplicar diante da gravidade da crise fiscal. No setor privado, o desmonte da legislação trabalhista, cedo ou tarde, levará a lutas ferozes dos trabalhadores espoliados de seus direitos. Nosso dever é cerrar fileiras em todas as lutas contra o ajuste: eis o que nos espera neste ano novo.


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Pedro Micussi