Desigualdade, a maldição do século

Donald Trump festejou a aprovação da sua reforma fiscal como se tivesse ganho uma guerra. Bem se compreende.

Francisco Louçã 10 jan 2018, 13:43

Satisfez os mais poderosos dos seus apoiantes, embolsou um ganho saboroso para a sua própria conta bancária e conseguiu pela primeira vez o apoio da maioria republicana numa matéria de grande impacto. Os efeitos desta reforma serão sentidos nos próximos anos e ainda a conta vai no adro. Mas adivinha-se o que vem: défice monumental, subida de taxa de juros e tensões no “terrorismo financeiro”, como um conselheiro presidencial de Clinton, Larry Summers, chamava ao equilíbrio entre os EUA e a China (que financia o défice norte-americano). Ora, se o que se passa na Casa Branca é ainda o que decide em grande medida a política mundial, esta política é uma das expressões da maldição do século – e vai agravá-la.

De facto, a extorsão fiscal é somente uma das formas de acumulação reforçada, e há outras não menos importantes, como a exploração do trabalho e a expropriação financeira, o uso das rendas sobre a dívida soberana ou mesmo toda a economia da dívida. Mas do que lhe quero falar hoje é do efeito desta maldição, a desigualdade, que é a base do poder excluinte e portanto da viciação da democracia.

Todos os anos, a Oxfam publica, ao mesmo tempo que começa o Fórum de Davos, que reúne a nata da política e da finança mundial, uma estimativa de quanto pesam as fortunas dos ultrabilionários, comparando-os com o total das posses da metade mais pobre do mundo. O relatório mais recente, que é de janeiro do ano que agora acaba, registou um salto nessa acumulação: as oito pessoas mais ricas acumulam agora uma fortuna total que equivale ao que tem a metade mais pobre da população mundial. Nos anos anteriores andava pelos oitenta e os autores do relatório escreviam que os afortunados cabiam num autocarro londrino; agora uma limusine de boas dimensões já pode transportar os beneficiados das fortunas que devastam o mundo.

Estes dados, no entanto, ainda podem pecar por defeito. A riqueza não é facilmente registável e outras formas de poder, que garantem benesses futuras, ficam fora destas folhas de contabilidade. Por isso, vale a pena aprofundar estes estudos com mais detalhe.

Foi o que fizeram alguns académicos que se têm destacado no estudo da desigualdade, Alvaredo, Piketty, Saez, Zucman e Chancel. O Relatório sobre a Desigualdade Mundial 2018, que acabam de publicar, apresenta um retrato assustador das tendências de fundo das últimas décadas. As suas conclusões são acabrunhantes: de 1980 a 2016, os 50% mais pobres do mundo beneficiaram de 12% do crescimento, ao passo que os 1% mais ricos conseguiram 27%. Quando se verifica a história de cada uma das principais economias, percebe-se de onde vem a força que Trump ganhou entre os milionários: se em 1980 a metade mais pobre detinha o dobro do que acumulavam os 1% mais ricos, em 1995 equilibravam-se (lembre-se do papel de Clinton) e em 2016 já os 1% têm o dobro do que juntam a metade de baixo. É uma inversão espectacular e o mesmo aconteceu noutros países: a Rússia ultrapassa os EUA em desigualdade e a China, que vem muito de trás, aproximou-se em grande velocidade e hoje há mais capital no Comité Central do PC Chinês do que no Congresso norte-americano.

Mas isto não se fica por aqui. Os autores do relatório calculam a trajetória futura possível no caso de se manterem as tendências atuais. No mundo inteiro, os 1% de cima quadruplicarão a posse da metade de baixo em 2050 se seguirem o padrão norte-americano; ficarão pelo triplo se mantiverem o seu próprio padrão. Se o que está já permite tal desigualdade e um poder arrogante dos que controlam as engrenagens do mundo, imagine o que será se se chegar ao padrão que este relatório nos anuncia. Uma maldição, então.

Artigo publicado no jornal “Público” em 27 de dezembro de 2017. Extraído de esquerda.net


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 12 nov 2024

A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!

Governo atrasa anúncio dos novos cortes enquanto cresce mobilização contra o ajuste fiscal e pelo fim da escala 6x1
A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi