O imperialismo não vai terminar com a agonia curda

Num Oriente Médio atormentado pelo domínio do imperialismo ocidental, o povo curdo tem estado entre as maiores vítimas.

Alex Callinicos 26 jan 2018, 13:23

Quando a Grã-Bretanha e a França dividiram o Império Otomano há cerca de um século, os curdos foram negados o direito à autodeterminação. Em vez disso, eles foram divididos entre vários estados — Turquia, Síria, Iraque e Irã — que geralmente os oprimiram.

Esse tormento continua no presente. No último fim de semana, forças turcas atacaram Afrin, na região da Síria controlada pelos curdos conhecida como Rojava. Mas o problema não são apenas os Estados opressores, mas a escolha que os líderes curdos fizeram algumas vezes de se aliar a potências imperialistas, particularmente os Estados Unidos.

Essa tem sido a estratégia dos dois partidos nacionalistas curdos no norte do Iraque, o Partido Democrata Curdo (KDP) e a União Patriótica do Curdistão (PUK). Eles aproveitaram a Guerra do Golfo de 1991 liderada pelos EUA contra o Iraque de Saddam Hussein para esculpir um enclave, se beneficiando da proteção do poder aéreo americano.

A invasão do Iraque em 2003 por EUA e Grã-Bretanha permitiu que o enclave curdo se consolidasse. Parecia uma ilha de relativa calma em meio ao caos em que o resto do Iraque caiu.

O surgimento do Estado Islâmico e a apreensão de Mosul em 2014 pareciam oferecer mais oportunidades. As forças curdas aproveitaram a confusão em Bagdá para aproveitar áreas disputadas, sobretudo os campos de petróleo em torno de Kirkuk. E elas receberam apoio massivo dos EUA enquanto lutavam ao lado das forças do governo iraquiano para expulsar o Estado Islâmico das suas fortalezas.

Em setembro passado, quando o ataque da coalizão liderada pelos EUA se aproximou de Mosul, Masoud Barzani, presidente do Curdistão Iraquiano e líder do KDP, convocou um referendo sobre a independência. Mesmo que ele tivesse ganhado com uma esmagadora maioria, ele superestimou muito mal sua mão.

O governo iraquiano conseguiu retomar Mosul graças ao apoio não apenas dos EUA, mas também do Irã. Milícias xiitas apoiadas pelo Irã desempenharam um papel crucial na derrota do Estado Islâmico. Em outubro, após a queda de Mosul, o primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi redirecionou alguns para retomar as áreas que os curdos haviam capturado em 2014. Eles caíram rápido, possivelmente por causa de um acordo cortado com o Irã pelos rivais de Barzani, do PUK.

Agora pode haver uma repetição na Síria. Rojava foi esculpida pelo YPG curdo (Unidades de Proteção do Povo) quando o regime de Bashar al-Assad, lutando por sua sobrevivência após o levante de 2011, os abandonou. O YPG está intimamente ligado ao Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), que vem travando uma guerra de uma geração contra o Estado turco.

Como no caso do Iraque, Washington segurou o YPG como um aliado. As Forças Democráticas Sírias (SDF) dirigidas pelos curdos, apoiadas por 2 mil soldados dos EUA, desempenharam um papel importante na campanha que finalmente tirou o Estado Islâmico da sua capital em Raqqa. Eles agora controlam 25% da Síria.

O problema para os EUA é que a derrota do Estado Islâmico fortaleceu o Irã, que apoia tanto Assad como al-Abadi. Então na última semana Washington anunciou que vai manter tropas na Síria. O objetivo ostensivo era treinar o SDF numa força de fronteira de 30 mil soldados no nordeste da Síria.

Na realidade esse movimento foi dirigido ao Irã, para o qual Donald Trump está adotando uma abordagem cada vez mais conflituosa. Mas no jogo de xadrez complexo e multidimensional que é a política do Oriente Médio, inevitavelmente antagonizou a Turquia. O governo de Recep Tayyip Erdogan intensificou a guerra contra o PKK nos últimos dois anos e não quer ver seu inimigo se tornar mais forte na Síria.

Outro fator na equação é a Rússia, que interveio em setembro de 2016 de forma decisiva para inclinar o equilíbrio na guerra civil síria em favor de Assad. A Rússia também apoiou o YPG. Mas, após as negociações em Moscou na semana passada, a polícia militar russa, baseada em Afrin, foi retirada.

Na verdade, Vladimir Putin deu a Erdogan a luz verde para atacar, e ele atacou. Os EUA ficaram parados enquanto seus clientes curdos foram humilhados no Iraque. Será que vai fazer o mesmo na Síria?

Seja qual for a resposta a essa questão, é o povo curdo que está sofrendo. Esperamos que seus líderes políticos aprendam que não há ganhos em aliar-se a monstros imperialistas como Trump e Putin.

Artigo publicado originalmente no Socialist Worker e traduzido pela Revista Movimento.


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