Por uma Revisão Feminista da Arte

As acusações de assédio sexual que recaem sobre Woody Allen retoma a questão: é possível separar o autor da obra?

Maria Estela Andrade 25 jan 2018, 21:06

Assim como Claire Dederer para o The Paris Review Daily, eu não sei o que fazer quanto a Woody Allen, e escrevo justamente por não saber, para encontrar uma resposta mágica que me permita poder voltar a ver seus filmes sem culpa.

Recentemente, as declarações da filha adotiva do cineasta, Dylan Farrow, a respeito do suposto abuso sexual sofrido na infância, voltaram à mídia impulsionadas pelo alvoroço do movimento Times Up!, reacendendo o debate. Se por um lado, as duas investigações feitas em 1993, quando as primeiras denúncias surgiram, não constataram o crime mas uma possível alienação parental de contra Allen; por outro, é compreensível o descrédito dado a Dylan e Mia por mais de 20 anos pelo simples fato de serem duas mulheres contra um homem numa posição de poder, tampouco o casamento dele com a enteada, Soon Yi Previn, conta a seu favor. Porém, hoje os tempos são outros e a ascensão do feminismo exige uma posição do que foi simplesmente ignorado por Hollywood nos últimos 25 anos, gerando até mesmo declarações de atores e atrizes que dizem ter se arrependido de trabalhar com o diretor.

O objetivo aqui não é defender ou condenar Woody Allen, mas trazer de volta a velha questão: é possível separar o autor da obra? Glorificamos artistas cujas obras, sejam elas livros, filmes ou até mesmo teorias, nos fizeram avançar, os chamando de gênios e revolucionários, então, por que insistimos na dissociação quando se trata da denúncia de alguma monstruosidade, principalmente violência de gênero?

Se assumirmos que as vivências cotidianas são constitutivas do trabalho artístico, seria prudente então analisar o trabalho de Allen, Polanski e de tantos outros buscando por indícios alegóricos de violência? Essa busca não subverteria as verdadeiras intenções da arte e a instrumentalizaria?

Ou, ainda, a produção artística não é algo destinado apenas à beleza e pode também nascer do horror? E se isso é possível, seu valor é menor?

Parar de consumir o que é feito por esses homens, assim como em alguns casos nos recusamos a consumir determinadas marcas ou ir a certos lugares, é uma atitude válida e contribui com uma possível mudança estrutural ou é apenas algo a ser feito para nos sentirmos melhores com nós mesmos?

É importante repararmos que às mulheres não é dado nem o direito à monstruosidade, nossa maior transgressão é existirmos fora dos lugares que nos foram delimitados (nem a Leni Riefenstahl é atribuída a responsabilidade por seus célebres documentários nazistas, mas sim a Goebbels e Hitler).

Muitas foram as perguntas feitas a esse respeito ao longo dos séculos sem que se chegasse a respostas definitivas. A importância de movimentos como #MeToo e Time’s Up, mesmo que limitados quando os vemos sob a ótica de um feminismo classista – vai além de seus papéis de denúncia, nos leva a fazer uma revisão da História da Arte, uma em que as mulheres não são limitadas às figuras de musas ou vítimas, mas agem como revolucionárias.


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