Venezuela 2018: Colapso econômico, desenlace político e resistência contra a fome

Leia em nosso site a tradução do Editorial 26 da corrente política socialista Marea Socialista.

Marea Socialista 31 jan 2018, 14:35

Em dezembro de 2017 a dinâmica inflacionária marcou um novo momento de quebra. Está-se dando desde então um verdadeiro salto na crise econômica que pulveriza o nível de vida dos venezuelanos e liquida a pouca estrutura produtiva que resta no país. A aceleração hiperinflacionária desorganiza a uma velocidade vertiginosa toda a economia, reduz o consumo a níveis de fome crônica, quebra a pouca produção existente e destrói os canais de distribuição e crédito. Na base deste colapso, encontra-se o desmantelamento, ou melhor dizendo o saque a PDVSA, que era a alavanca para enfrentar as crises, da mesma forma que o escandaloso Desfalque à Nação que consumiu 40% das rendas em divisas dos últimos 18 anos. Esta situação coloca como possibilidade um iminente colapso econômico.

É importante entender que a reconstrução econômica do país será cada vez mais difícil e penosa para o povo que vive de seu trabalho na medida em que o governo demora mais tempo na aplicação de decisões que permitam frear e inverter a atual tendência. No entanto, o que sem dúvida pode ser afirmado é que, pelo caminho extrativista de aprofundamento e extensão do rentismo, a rota da nova mutação neoliberal que exige o capital financeiro e que foi o eixo central da política executiva de Maduro, ou já seja pelo rumo do clássico ajuste neoliberal macroeconômico e de privatizações generalizações e abertas que propõem os especialistas da extinta MUD, se completará a desmontagem total das poucas conquistas que ainda subsistem, das quais se obtiveram com o Processo até 2012. Continuará se afundando o país na miséria. A elaboração coletiva e democrática de um programa de emergência alternativo com prioridade absoluta nas necessidades populares e um novo projeto de país para ocupar o lugar hoje vacante do derrotado, projeto bolivariano, que desperte esperanças e ajude a vontade de luta na população mais castigada pela crise, é um dos desafios que nos coloca o desastre atual.

Outro fenômeno novo, quiçá o mais importante, é o dos protestos sociais. O leque de reclamações é amplo: crise nos serviços, maltrato e repressão governamental, reclamações laborais, crise do sistema de saúde, mas sobretudo está se desenvolvendo uma resposta de ações diretas para enfrentar a fome produzida pelos preços inacessíveis dos alimentos e outros bens básicos, e a escassez que deu um salto nos últimos 2 meses. Estes protestos recorrem grande parte da geografia nacional e são em sua grande maioria espontâneas. Nelas participam setores populares sem distinções de pertencimentos políticos, mas unidos pela fome. Ainda que se possa afirmar, sem temor de equivocar-se, que uma parte substancial dos que protestam, arriscando inclusive a vida, provém de eleitores do chavismo. Esta mudança não é conjuntural ou momentâneo, sua dinâmica é estender-se, aumentar em volume, massificar-se e crescer em articulação, já que têm uma base material que o empurra: os protestos são a expressão de uma forte resistência à profundidade e violência da crise econômica e ao autoritarismo político que está sofrendo o povo venezuelano.

Por outro lado, os cenários políticos prováveis para 2018 estão amarrados a estas duas situações: o colapso econômico que está em desenvolvimento e a estendida resistência social. Como parte do desmantelamento da Constituição de 99, o governo militar/cívico de Maduro aprofunda sua tendência autoritária, mas o faz com uma maquiagem eleitoral para tratar de evadir a pressão internacional e a interna. A instalação da constituinte fraudulenta, as acochambradas eleições de governadores e prefeitos e as possíveis presidenciais deste ano, tornaram-se a rota política eleita, por ora, da cúpula do PSUV/governo.

Mas seria um erro crer que é a única. A cúpula governante demonstrou sua decisão de manter-se no poder como seja. Para isso, e para se adaptar às pressões e necessidades do capital financeiro internacional, o que vê como uma maneira de manter seus privilégios, vem procedendo a desmantelar, com a desculpa cínica da guerra econômica, todas as conquistas econômicas, sociais, políticas e de soberania alcançadas durante o processo. Por isso, ao não serem seguras para as cúpulas as condições que possam surgir do “Diálogo” que está se desenvolvendo na República Dominicana, conluio que tem como objetivo uma eleição presidencial controlada, está colocada como probabilidade um aprofundamento totalitário e repressivo, com a intenção de sufocar os protestos e consolidar seu rumo entreguista. Neste sentido o governo usa como álibi as repudiáveis ameaças e sanções que realiza o imperialismo norte-americano e os pedidos de intervenção militar estrangeira como o realizado pelo economista Ricardo Haussman, diretamente dos Estados Unidos, sanções e ameaças que devemos rechaçar.

Porém, há um terceiro cenário provável que seria um erro grave descartar: está colocado que a extensão, articulação e impulso destes protestos e explosões parciais que vêm sucedendo, se tornam num ascenso massivo que leve às ruas a bronca que se percebe entre a população mais castigada pela crise. Este cenário pode condicionar os dois anteriores e abrir como noutras épocas no país, um período de instabilidade criativa que facilite a recuperação e reorganização das forças populares.

De todas as maneiras e independentemente do cenário que se imponha, durante 2018 serão produzidas definições e desenlaces políticos que estabelecerão uma nova etapa de luta. É nossa obrigação estar preparados para atuar nela.

Ao mesmo tempo, a complexidade da situação obriga a desenvolver três tarefas simultaneamente:

Em primeiro lugar, expressar a maior solidariedade possível com os setores populares que estão resistindo. Estes setores são criminalizados e reprimidos, são também caluniados por aqueles como o governo ou os dirigentes da MUD, que não conhecem a sensação que provoca a fome, esse mal-estar que sobe desde o estômago para o cérebro e que sacode as emoções. Algo que desconhecem por sua vida privilegiada, como a angústia de não poder dar de comer a seus filhos, a desesperança que provoca o trabalho duro por um salário de miséria. Ou a desmoralização e aflição que provoca não poder atender a seus enfermos. Por isso, nossa solidariedade inclui o rechaço à repressão e à exigência, como primeira prioridade, de prover oportunamente, os alimentos e remédios necessários a toda a população mais vulnerável. Nesse sentido, exigimos a abertura de uma via de assistência solidária ao povo com fome e que se utilizem os recursos da dívida e os desviados pela corrupção, para proporcionar urgentemente alimentos e remédios sob supervisão cidadã e de organismos de direitos humanos.

Em segundo lugar, a construção coletiva e democrática de um programa de emergência econômica requer de uma condição prévia. Trata-se de um exercício entre aqueles que temos um acordo básico inicial: os que rechaçamos as variantes extrativistas e de submissão ao capital financeiro. Entre os que damos prioridade a resolver a fome por cima do pagamento de uma dívida escandalosa e ilegítima. Entre os que exigimos uma auditoria pública do Desfalque à Nação para recuperar os centenas de bilhões de dólares roubados do povo e do país. Entre aqueles que sustentamos que é preciso que reorientar os esforços à produção do qual necessitamos e não ao rentismo ou à especulação financeira. A partir dessa identificação primária propomos construir um programa unitário para tentar deter a crise e mudar sua dinâmica destrutiva. Há uma condição adicional e irrenunciável: toda a elaboração e sobretudo, a aplicação deste programa tem que estar submetida a um estrito controle social apoiado na organização dos que saíram a resistir, dos que lutam por comida, remédios, água, transporte, eletricidade, dos que enfrentam a entrega e a destruição da natureza e do território e dos que reivindicam os direitos políticos e democráticos elementares. Daqueles que já o estão fazendo e dos que se somam cada dia.

Em terceiro lugar, temos que estar preparados para qualquer um dos cenários políticos que se apresentem. A luta política, inclusive a luta eleitoral, apesar das manipulações e métodos fraudulentos, apesar da repressão e do autoritarismo, permitirá construir uma referência política nacional, reconstruir um projeto de país com horizonte emancipador e visibilizar para grandes setores da população um chamado esperançador e de luta.

Nesse sentido, caso se realizem as eleições presidenciais, é imprescindível começar a debater nossa participação. Construir um equipe que se estenda por todo o país, há muitas mulheres e homens experimentados, conhecidos e respeitados e muitos jovens entusiastas que podem transmitir as propostas de emergência, colocar o projeto e debatê-las de maneira democrática e coletivamente, sem cair nos cantos de sereia que levam à reconstrução de uma oposição que somente pretende substituir a Maduro sem tocar o fundo do problema: o rumo neoliberal aberto ou encoberto que nos trouxe a esta crise. Para isso é necessário colocar de pé uma nova forma de fazer política, afastada de caudilhismos e apoiada nas ferramentas de participação democrática da Constituição de 99.

16 de janeiro de 2018.


Nota

Quando estávamos preparando a publicação deste Editorial se conheceu o enfrentamento com o grupo de Oscar Pérez, com o lamentável saldo da morte de integrantes desse grupo e vários membros das forças de segurança. Ao mesmo tempo que desde algumas das contas de twitter de altos funcionários do governo se conheceram temerárias denúncias contra dirigentes políticos públicos provenientes do chavismo aos quais se pretende relacionar com o grupo. Toda a operação comunicada oficialmente despertou inúmeras dúvidas e ceticismo sobre a veracidade dessa informação que se refletem abundantemente nas redes sociais. Só uma investigação independente na qual participem organismos de Direitos Humanos autônomos do Estado, sem manipulações nem intoxicação midiática dos feitos, pode despejar as dúvidas que se despertaram e chegar à verdade, do contrário se poderia abrir espaço a uma demente espiral de violência.


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