O léxico de Gramsci: hegemonia, guerra de posição e revolução passiva
2ª parte de dicionário com alguns dos conceitos de Antonio Gramsci elaborado a partir de curso sobre o pensamento do comunista italiano.
Gramsci começa sua reflexão sobre a hegemonia nos Quaderni del carcere logo no Primo quaderno, num sugestivo parágrafo intitulado “Direção política de classe antes e depois de chegar ao governo”.1 É um parágrafo destinado a discutir as forças políticas presentes no Risorgimento italiano, o processo de unificação da península e a construção de um moderno Estado nacional. Esse processe se estendeu de 1848 a 1871 e teve a peculiaridade de ter sido dirigido por uma força estatal, o Piemonte. Gramsci discutiu nesse texto a hegemonia exercida no Risorgimento pelo partido dos moderados do Piemonte, liderado pelo conde de Cavour e pelo rei Vittorio Emanuele II, bem como o papel subalterno do Partito d’Azione, de Giuseppe Mazzini e Giuseppe Garibaldi. Gramsci anunciou ai um importante critério histórico político, o qual deveria guiar a pesquisa:
“uma classe é dominante em dois modos, isto é, ‘dirigente’ e ‘dominante’. É dirigente das classes aliadas e dominante das classes adversarias. Por isso, já antes da chegada ao poder uma classe pode ser ‘dirigente’ (e deve sê-lo); quando chega ao poder torna-se dominante, mas continua a ser ‘dirigente’”.2
Para evitar dois usos distintos da palavra “dominante” e tornar o texto mais preciso, Gramsci introduziu uma pequena mas importante modificação na segunda versão desta nota, inscrita no Quaderno 19, dedicado integralmente ao Risorgimento: “a supremacia de um grupo se manifesta em dois modos, como ‘domínio’ e como ‘direção intelectual e moral’”.3
Gramsci reforçou o argumento no mesmo parágrafo do Primo quaderno: “Pode-se e deve-se exercer uma ‘hegemonia política’ mesmo antes da chegada ao governo e não é necessário contar apenas com o poder e sobre a força material que ele dá para exercitar a direção ou hegemonia política”.4 De novo as alterações no texto em sua segunda versão são importantes. “Hegemonia política” foi substituída por “atividade hegemônica” e “direção eficaz”.5 Com isso destacava-se que embora a atividade hegemônica e a direção eficaz dos grupos aliados tenha início antes da conquista do poder, ela só se realiza plenamente após este momento, quando as forças dirigentes podem mobilizar o aparelho estatal viabilizando um programa pedagógico.
Ainda sobre o papel desempenhado por forças estatais e grupos sociais, Gramsci escreveu a respeito da formação pelos moderados de um “bloco nacional sob sua hegemonia”;6 sobre a hegemonia de Paris sobre as províncias e sobre os limites da hegemonia burguesa na Itália e sua incapacidade de absorver os camponeses.7 Embora limitada, a hegemonia dos moderados do Piemonte se revelou eficaz. O que caracterizava os moderados sob a direção de Cavour era o fato destes serem “intelectuais condensados”, eram intelectuais, organizadores políticos, e ao mesmo tempo, proprietários, industriais e comerciantes. Esse duplo papel permitia criar de modo espontâneo uma “identidade de representantes e representados (…) isto é, os moderados eram uma vanguarda real, orgânica, das classes altas”.8 Mas para consolidar uma posição dirigente sobre os grupos intelectuais da península os moderados precisavam, superar as correntes católicas representadas intelectualmente por Vincenzo Gioberti e os radicais encarnados por Mazzini. Essa superação implicava na realização de um programa pedagógico e escolar que foi implementado pelos moderados:
“Essa atividade escolar do Risorgimento, de caráter liberal e liberalizante tinha uma grande importância para afirmar o mecanismo da hegemonia dos moderados sobre os intelectuais. A atividade escolar, em todos os seus graus tem uma enorme importância, mesmo econômica, para os intelectuais de todos os graus; e tinha uma importância ainda maior devido à restrição dos quadros sociais e aos escassos caminhos abertos às iniciativas dos intelectuais (hoje: jornalismo movimento dos partidos, etc. Alargaram muitíssimo os quadros intelectuais). A hegemonia de um centro diretivo sobre os intelectuais tem estas duas linhas estratégicas: ‘uma concepção geral da vida’, uma filosofia (Gioberti), que dê aos aderentes uma ‘dignidade’ para contrapor às ideologias dominantes como princípio de luta; um programa escolar que interesse e dê uma atividade própria em seu campo técnico àquela fração dos intelectuais que é a mais homogênea e a mais numerosa (educadores, dos professores de escola à Universidade)”.9
Desde aquele primeiro momento no § 44 do Primo quaderno, era a respeito da hegemonia política que Gramsci estava refletindo. Isso não impedia que utilizasse expressões como “hegemonia cultural”;10 “hegemonia cultural e política”;11 “hegemonia cultural e moral;12 “hegemonia político intelectual;13 “hegemonia política e cultural;14 “hegemonia político-social”;15 “hegemonia intelectual”.16
O sentido convergente dessas várias fórmulas pode ser apreendido em uma importante mudança que Gramsci efetuou naquele § 44 do primo quaderno. Na primeira versão escreveu: “De que forma os moderados conseguiram estabelecer o aparelho de sua direção política?”.17 Na segunda versão, alterou substancialmente o texto e embora não tenha modificado o sentido tornou-o mais preciso: “De que forma e por quais meios os moderados conseguiram estabelecer o aparelho (o mecanismo) de sua hegemonia intelectual, moral e política”.18 “Direção política” era, aqui, sinônimo de “hegemonia intelectual, moral e política”.
Como dito, é sempre da política que Gramsci está falando quando usa a noção de hegemonia. Mas a política era entendida de modo amplo, como “a característica de todo fato social enquanto fato social, Em termos filosóficos: a política não é uma superestrutura, mas a ontologia do social”.19 Nesse sentido, a política é aquilo que permite a própria existência do social em suas múltiplas dimensões, inclusive aquela econômica, enquanto existirem as distinções de classe.
Assim, naquele § 44 do Primo quaderno, hegemonia é igual a direção política. Essa identidade entre direção política e hegemonia aparecerá também naquelas notas sobre a noção de “Estado em senso orgânico e mais amplo”.20 Nessas notas a hegemonia tem seu lugar sempre no âmbito da sociedade civil. Mas Gramsci formula uma outra concepção de hegemonia sobre a qual é importante chamar a atenção. Essa concepção aparece esboçada de modo sutil no § 44 do Primo quaderno, quando Gramsci afirmava que ao chegar ao poder uma classe “torna-se dominante mas continua a ser dirigente”.21 Essa confluência entre dominação e direção no interior de uma política de Estado foi desenvolvida no § 48 do mesmo quaderno, uma nota referente ao jacobinismo e ao regime parlamentar:
“O exercício normal da hegemonia no terreno que tornou clássico do regime parlamentar é caracterizada por uma combinação da força e do consenso que se equilibram, sem que a força ultrapasse muito o consenso, aparecendo assim apoiada no consenso da maioria expresso pelos organismos da opinião pública”.22
Em situações “normais”, direção e dominação, consenso e coerção, encontram-se em uma relação de equilíbrio. Não são vetores de igual intensidade em um jogo de soma zero. São forças que mantém entre si uma relação orgânica. Essa relação orgânica, esse equilíbrio entre força e consenso é dissolvido nas situações nas quais ocorre uma “crise de autoridade”. De acordo com Gramsci:
“Se classe dominante perdeu o consenso, isto é, não é mais ‘dirigente’, mas unicamente ‘dominante’ detentora de pura força coercitiva, isto significa precisamente que as grandes massas se separaram [afastaram] das ideologias tradicionais, não acreditam mais naquilo que antes acreditavam, etc. A crise consiste precisamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno se verificam os fenômenos mórbidos mais variados”.23
No Quaderno 13, dedicado a Machiavelli e à política foram reunidas em um único parágrafo um conjunto de notas antes dispersas e destinadas a discutir essa crise de autoridade. O título sugestivo do novo parágrafo é “Observações sobre alguns aspectos da estrutura dos partidos nos períodos de crise orgânica”. Aqui a análise se deslocava do terreno das ideologias, onde se situava no Quaderno 3, para o terreno dos partidos, assumindo um conteúdo mais concreto:
“Em um certo ponto da vida histórica os grupos sociais se destacam de seus partidos tradicionais, isto é, os partidos tradicionais naquela dada forma organizativa, com aqueles determinados homens que o constituíam, os representava e os dirigiam não são mais reconhecidos como expressão de sua classe ou fração de classe. Quando estas crises se verificam, as situações imediatas tornam-se delicadas e perigosas, porque o campo se abre às soluções de força, às atividade de potências obscuras representadas pelos homens providenciais ou carismáticos. (…) Em cada país o processo é diverso. E o conteúdo é a crise de hegemonia da classe dirigente, que ocorre ou porque a classe dirigente faliu em um grande empreendimento político qualquer para o qual requisitou ou impôs com a força o consenso das grandes massas (como a guerra) ou porque vastas massas (especialmente de camponeses e de pequenos burgueses intelectuais passaram repentinamente da passividade política a uma certa atividade e colocam reivindicações que nos eu conjunto desorgânico constituem uma revolução. Fala-se de ‘crise de autoridade’ e isto é, precisamente, a crise de hegemonia ou crise do Estado em seu conjunto”.24
O parágrafo é extremamente sugestivo e valioso para o estudo das crises políticas. Estas assumem a forma de uma crise de autoridade, mas o que as caracteriza é a crise de hegemonia, o esgarçamento da capacidade dirigente dos grupos sociais e dos partidos tradicionais.
Guerra de posição e guerra de movimento
A distinção entre guerra de posição e guerra de movimento foi estabelecida por Gramsci já no Primo quaderno, em uma nota destinada a destacar a diferença entre a luta política e a luta militar: “A luta política é muitíssimo mais complexa”.25 A analogia construída nessa nota é com as guerras coloniais, guerras de ocupação nas quais o conflito continua depois do desarmamento e da dispersão do exército vencido. Referindo-se à luta pela independência da Índia, Gramsci anunciava três formas de guerra: “de movimento, de posição e subterrânea. A resistência passiva de Ghandi é um guerra de posição, que em determinados momentos se transforma em guerra de movimento e, em outros, em guerra subterrânea”.26 Não há nesta nota nenhuma indicação de primazia de uma forma sobre outra, nem de ordem sequencial, podendo até mesmo coexistirem as três formas.
Como outros temas da política, é no Quaderno 6 que a relação entre guerra de movimento e guerra de posição é apresentada de maneira desenvolvida, inserindo-se no âmbito da toeira gramsciana do Estado. Em um parágrafo intitulado “Política e arte militar”, Gramsci discutiu a relação existente entre a ação política das “grandes massas” (“tática das grandes massas”) e a ação política de pequenos grupos (“tática imediata de pequenos grupos”), uma relação que era, também, de tática e estratégia. O erro nessas circunstâncias políticas, afirmava, ocorre “por uma inexata compreensão do que é o Estado (no significado integral: ditadura + hegemonia)”.27
Uma compreensão adequada do Estado permitiria formular uma estratégia adequada “ao período do pós-guerra”, no qual ocorreu uma “concentração inaudita de hegemonia”. Nesta “fase culminante da situação político-histórica” a guerra de posição torna-se decisiva:
“Ou seja, na política subsiste a guerra de movimento enquanto se trata de conquistar posições não decisivas e, portanto, não se podem mobilizar todos os recursos de hegemonia do Estado; mas quando, por uma razão ou por outra, estas posições perderam seu valor e só aquelas decisivas tem importância, então se passa à guerra de assédio, sob pressão, difícil, em que se exigem qualidades excepcionais de paciência e espírito inventivo”.28
Gramsci escrevia a respeito de uma teoria da revolução que articulava a guerra de movimento com a guerra de posição, como o predomínio estratégico desta última no contexto do pós-guerra. Esse predomínio não era o resultado de uma livre escolha e sim das condições existentes na Europa Ocidental:
“A verdade é que não se pode escolher a forma de guerra que se quere a menos que se tenha imediatamente uma superioridade esmagadora sobre o inimigo; sabe-se quantas perdas custou a obstinação dos Estados-Maiores em não quererem reconhecer que a guerra de posição era ‘imposta’ pela relação geral das forças em choque”.29
A distinção entre Oriente e Ocidente realizada por Gramsci é importante. Enquanto no Oriente a luta poderia assumir a forma da guerra de movimento, no Ocidente a guerra de posição deveria prevalecer. Estes não são, entretanto, conceitos geográficos e sim morfológicos. Dizem respeito às diferentes formas sociais e políticas no capitalismo contemporâneo. A distinção das formas já havia sido anunciada por Vladimir Lenin em Esquerdismo, doença infantil do comunismo, e por Leon Trotsky no 4º Congresso da Internacional Comunista do qual Gramsci participou como delegado. Segundo Gramsci,
“No oriente o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no ocidente, havia entre o Estado e a sociedade civil uma relação apropriada e ao oscilar o Estado podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas”.30
Este parágrafo, de grande importância, não recebeu uma segunda redação, permanecendo em sua provisoriedade. Mas essa distinção entre Oriente e Ocidente manteve-se inalterada ao logo dos Quaderni del carcere. Era no contexto das sociedades de tipo ocidental do pós-guerra que a guerra de posição afirmava seu caráter estratégico. O desenvolvimento dos partidos e dos sindicatos de massa, da imprensa, das associações civis e de uma densa opinião pública haviam modificado as formas da luta política. De acordo com Gramsci, Lenin teria compreendido essas novas condições da luta política no Ocidente e sintetizado a nova estratégia com a fórmula da frente única.
Revolução passiva
Gramsci introduz a noção de revolução passiva naquele importante § 44 do Primo quaderno, já citado aqui várias vezes. Como visto, trata-se de uma nota dedicada à análise do particular processo de formação do Estado nacional italiano, o Risorgimento, dirigido pelos moderados do Piemonte. Nessa nota, refere-se ao Risorgimento como “uma revolução sem revolução”, acrescentando à margem, posteriormente, “revolução passiva, segundo a expressão de V. Cuoco”.31 A fórmula havia sido utilizada em 1801 por Vincenzo Cuoco a respeito da revolução napolitana de 1799: “sendo a revolução passiva, a máxima parte da nação deve supor-se indiferente e inerte”.32 Cuoco comparava a revolução napolitana, passiva, com as revoluções ativas, em particular aquela que havia ocorrido dez anos antes na França. A comparação foia retomada várias vezes por Gramsci, o qual considerava o processo de “formação dos Estados modernos na Europa como ‘reação – superação nacional’ da Revolução francesa e do napoleonismo”, acrescentando mais uma à margem a expressão “revolução passiva” (.33 Na segunda versão do § 44 a referencia a Cuoco era inserida no próprio texto e a menção à França e aos jacobinos tornava-se mais clara:
“Da política dos moderados aparece claro que se pode e se deve exercer uma atividade hegemônica mesmo antes da chegada ao poder e que não é necessário contar apenas com a força material que o poder dá para exercitar uma direção eficaz: precisamente a brilhante solução deste problema tornou possível o Risorgimento, na forma e nos limites nos quais ele se efetivou, sem ‘Terror’, como ‘revolução sem revolução’, ou seja, como ‘revolução passiva’ para empregar uma expressão de Cuoco com um sentido um pouco diferente daquele que Cuoco quer dizer”.34
Ao longo dos Quaderni, Gramsci vai ampliando a noção de revolução passiva e tornando-a mais precisa. De um uso circunscrito ao processo do Risorgimento italiano, passou a uma utilização mais abrangente, aplicando a noção para descrever o processo de “formação dos estados modernos na Europa”.35 Essa ampliação foi explicitada no Quaderno 4 em uma nota intitulada “Vincenzo Cuoco e la revoluzione passiva”:
“Vincenzo Cuoco chamou de revolução passiva aquela ocorrida na Itália como contragolpe das guerras napoleônicas. O conceito de revolução passiva me parece exato não apenas para a Itália, mas ainda para os outros países que modernizaram o Estado por meio de uma série de reformas ou de guerras nacionais, sem passar pela revolução política de tipo radical-jacobino”.36
Ampliava-se, desse modo o alcance geográfico e temporal do conceito, indo além do processo de formação dos Estados nacionais. Do ponto de vista conceitual isso corria por meio da aproximação da fórmula de Cuoco da noção de revolução-restauração, utilizada por Edgard Quinet para explicar o caso francês. O que a revolução passiva é a revolução-restauração teriam em comum seria
“o faro histórico de ausência de iniciativa popular no desenvolvimento da historia italiana e o faro de que o ‘progresso’ se verifica como reação das classes dominantes ao subversivismo esporádico e desorganizado das massas populares, com ‘restaurações’ que acolhem alguma parte das exigências populares, portanto ‘restaurações- progressivas’ ou ‘revoluções-restaurações’ ou ainda ‘revoluções passivas’”.37
Mais adiante, Gramsci acrescentaria outra fórmula análoga de extrema importância: “conservação-inovação”.38 Estão nessas notas do Quaderno 8 contidos os elementos centrais da revolução passiva: ausência de iniciativa popular (hegemonia); reação das classes dominantes; mudanças por meio de reformas; conservação-inovação. O que caracterizaria a revolução passiva seria o fato de que a transformação ocorreria sem uma revolução ativa, sem o protagonismo popular. É importante destacar, porém, que a fórmula descreveria um processo de transformação estatal. Gramsci não utilizaria mais a fórmula “revolução sem revolução” em seus Quaderni, talvez por considera-la drástica demais. Entretanto, em sua dramaticidade essa fórmula é eficaz para descrever a existência de uma mudança estatal que ocorre por essa via não-clássica.
A ampliação da noção de revolução passiva dava um salto em uma nota redigida em abril de 1932: “Um novo ‘liberalismo’, nas condições modernas, não seria propriamente o ‘fascismo’? Não seria o fascismo precisamente a forma da ‘revolução passiva’ própria do século XX como o liberalismo foi para o século XIX”.39 Nessa passagem, Gramsci não estava comparando a forma do liberalismo com aquela do fascismo. O que ele comparava são duas funções históricas. Perguntava-se se o fascismo não poderia atualizar o capitalismo , promovendo seu relançamento, da mesma forma como o liberalismo havia feito no século anterior:
“a revolução passiva se verificaria no fato de transformar a estrutura econômica ‘reformisticamente’ de individualista a economia de acordo com um plano (economia dirigida) e o advento de uma ‘economia média’ entre aquela individualista pura e aquela segundo um plano em sentido integral, permitiria a passagem a formas políticas e culturais mais avançadas sem cataclismos radicais”.40
O caráter reformista desse processo de atualização do capitalismo era destacado na segunda versão dessa nota, na qual Gramsci acrescentava que esse processo poderia acentuar a “socialização e a cooperação da produção sem por isso trocar (ou limitando-se apenas a regular e controlar) a apropriação individual e de grupo do lucro”.41
Era o caráter gradual e ao mesmo tempo autolimitado desse processo o que permitia recorrer à noção de revolução passiva como chave explicativa. Mas chama a atenção, nesse caso, que Gramsci não recorreu à fórmula revolução-restauração. Por outro lado, promove neste parágrafo aqui discutido uma significativa aproximação entre as noções de revolução passiva e guerra de posição:
“Esta concepção [de revolução passiva] poderia ser avizinhada daquela que em politica se pode chamar de ‘guerra de posição’, em oposição à guerra de movimento. Assim no ciclo histórico precedente a Revolução francesa teria sido a ‘guerra de movimento’ e a época liberal do século XIX uma longa guerra de posição”.42
A guerra de posição era, desse modo, a estratégia da burguesia em sua revolução passiva.
Epílogo
O objetivo deste artigo e daquele que o precedeu, publicado no número anterior da revista Movimento é pedagógico. Trata-se de uma apresentação sumária de alguns dos conceitos fundamentais do pensamento político gramsciano. Evitou-se aqui expor as polêmicas que cercam a interpretação desses conceitos ou mesmo o considerável volume de estudos que têm contribuído para o esclarecimento de alguns importantes núcleos do pensamento gramsciano. Apesar dos limites que a própria forma de exposição carrega pode-se perceber a força desses conceitos para o delineamento de uma estratégia revolucionária para o século XXI.
Notas
1 Q 1, § 44, p. 40. Ao longo deste texto os Quaderni do carcere serão citados do seguinte modo: Q xx, § yy, p. zz, onde xx é o número do caderno, yy do parágrafo e zz das páginas. GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere: edizione critica a cura di Valentino Gerratana. Torino: Einaudi, 1977.
2 Q 1, § 44, p. 41.
3 Q 19, § 24, p. 2010.
4 Q 1, § 44, p. 41.
5 Q 19, § 24, p. 2011.
6 Q 1, § 44, p. 50.
7 Q 1, § 44, p. 53 e 54.
8 Q 1, § 44, p. 41.
9 Q 1, § 46, p. 56.
10 Q 1, § 72, p. 82, Q 2, § 109, p. 255 e Q 3, § 5, p. 292.
11 Q 6, § 85, p. 759.
12 Q 7, § 71, p. 908.
13 Q 4, § 38, p. 480.
14 Q 6, § 24, p. 703.
15 Q 6, § 118, 789.
16 Q 3, § 76, p. 354 e Q 4, § 38, p. 461.
17 Q 1, § 44, p. 41.
18 Q 19, § 24, p. 2011.
19 FROSINI, Fabio. La religione dell’uomo moderno: politica e verità nei Quaderni del carcere di Antonio Gramsci. Roma: Carocci, 2010, p. 85.
20 Q 6, § 87, 88, 137 e 155. Ver a respeito os comentários em BIANCHI, Alvaro. O léxico de Gramsci: filosofia da práxis, Estado e sociedade civil, sociedade regulada. Movimento, n. 6, 2017.
21 Q 1, § 44, p. 41.
22 Q 1, § 48, p. 59.
23 Q 3, § 34, p. 311.
24 Q 13, § 23, p. 1603.
25 Q 1, § 134, p. 122.
26 Q 1, § 134, p. 122.
27 Q 6 § 155, p. 810-811.
28 Q 6, § 138, 802.
29 Q 13, § 24, p. 1614-1615.
30 Q 7, § 16, p. 866.
31 Q 1, § 44, p. 41.
32 CUOCO, Vincenzo. Saggio storico sulla rivoluzione di Napoli. Milano: Rizolli, 1999 [1801, p. 210.
33 Q 1, § 150, p. 133.
34 Q 19, § 24, p. 2011.
35 Q 1, § 150, p. 133.
36 Q 4, § 57, p. 504.
37 Q 8, § 25, p. 957.
38 Q 8, § 39, p. 966.
39 Q 8, § 236, p. 1089.
40 Q 8, § 236, p. 1089.
41 Q 10/I, § 9, 1128.
42 Q 8, § 236, p. 1089.