“Presidenciais” e internacionalização da crise: Para onde vai a Venezuela?
Leia aqui o mais recente editorial de nossa corrente-irmã venezuelana sobre a situação em seu país.
Editorial #27
O previsível fracasso do “Diálogo” na República Dominicana, o adiantamento unilateral das eleições presidenciais para 22 de abril por parte do governo de Maduro e do gabinete eleitoral do Executivo – conhecida como CNE – junto com o giro do ex-executivo da Exxon Mobil e atual secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson pela América Latina, para colocar em marcha o plano de ingerência mais ambicioso deste século contra o povo da região; tudo isso somado ao colapso hiper-inflacionário que está em desenvolvimento; são os pilares sobre os quais se constrói o novo cenário de desenlace da crise integral que vive a Venezuela, e que terá, sem dúvidas, como já manifesta o extraordinário fenômeno da imigração que está se desenvolvendo, um enorme impacto no continente.
1. A evolução da crise deu um novo passo, já não só se joga no terreno nacional, cada vez mais encurtado, mas que se desenvolve também o regional e internacional. As medidas anti-imigratórias (inclusive o fechamento parcial de fronteiras e a mobilização de tropas com a cooperação de especialistas gringos no terreno) tomadas pelos governos de Colômbia e Brasil contra cidadãos venezuelanos que buscam o exílio como saída para as penúrias que a crise provoca; a suspensão de exportações da Nicarágua, tradicional sócio da ALBA, para nosso país para não cair nas sanções que promete Estados Unidos para todos aqueles que não aderirem a seu plano; as supostas “vantagens” para os exilados criollos que oferecem outros governos como os da Argentina, Chile e Peru; os planos de abastecimento petroleiro dos EUA para algumas ilhas do Caribe em substituição do falecido Petrocaribe, prometidos por Tillerson em sua viagem, e o anúncio por parte de quase 40 países, inclusive os da União Europeia, de que as eleições presidenciais convocadas não serão reconhecidas, são apenas alguns dos elementos de um menu ainda desconhecido em sua totalidade, mas que cada dia vai ficando às claras com novos anúncios. Estes fatos sugerem que a escalada intervencionista norte-americana passou das declarações para os fatos.
Essas medidas e a prometida progressão de sanções como a suspensão da compra de petróleo venezuelano por parte dos Estados Unidos, terão efeitos devastadores sobre nosso povo. Buscam, ao mesmo tempo, a capitulação total de um governo pusilâmine que deu mostras demasiadas de sua vontade de cumprir com as exigências do capital internacional, cujo um dos exemplos mais emblemáticos é a entrega do Arco Minerador do Orinoco, sem importar as consequências para o país, e por isso mesmo é repudiado pela maioria absoluta da população.
Ao não conseguir a capitulação total do madurismo ou de uma parte importante dele (o que não é descartável) com estas pressões, a orientação, feita pública por Estados Unidos é buscar, no melhor e menos custoso dos casos para eles, que um setor do comando das forças armadas nacionais produza um pinochetazo mascarado por detrás de um discurso falsamente libertador, contam para isso com a cumplicidade do governo de Santos e a pressão que estão realizando as forças armadas colombianas na fronteira. É lamentável, neste cenário, que a burocracia madurista com sua política pró-neoliberal, autoritária e antipopular, faça-lhe o jogo irresponsavelmente para a escalada intervencionista ao ter perfurado e desmoralizado a base social necessária para enfrentar a agressão.
2. Por outro lado, o anúncio unilateral da data das eleições presidenciais com a cumplicidade de um CNE domesticado e sem legitimidade aos olhos dos venezuelanos, se relaciona com o novo momento político no qual o país entrou. Trata-se de outro passo na busca de consolidação de um regime político autoritário, cada vez mais próximo de um bonapartismo clássico, contrarrevolucionário. A maquiagem eleitoral deste regime se desenvolveu depois da instalação da fraudulenta Constituinte. As eleições para governadores e prefeitos e agora esta “presidencial” tentam mater uma aparência democrática onde só há repressão, amedrontamento e terror como política de estado para uma população esgotada pela crise econômico e pelo descalabro social.
A detenção indiscriminada tanto de opositores acusados de conspiração que logo são liberados, como de cidadãos comuns que protestam pelas misérias do dia a dia, e de dirigentes e ativistas chavistas que reclamam contra o rumo do governo como os operários dos Laticínios Los Andes. Assim como o chamado “massacre” do Junquito ou os assassinatos produzidos pelas forças de segurança em bairros populares vão construindo o caminho sobre o qual a cúpula burocrática e boliburguesa encabeçada por Maduro e Cabello transita em seu objetivo de eliminar todo vestígio democrático e consolidar um sistema de controle social que cavalga sobre a fome, o medo e a impotência para os quais estão arrastando o povo venezuelano.
Sua debilidade consiste justamente nesta orientação, oposta pelo vértice à de Chávez. Enquanto o bonapartismo sui generis ou cesarismo progressivo que encarnou Chávez se apoiava na mobilização e participação relativa do movimento popular para resistir algumas políticas imperiais, este autoritarismo madurista se apoia na repressão indiscriminada e brutal sobre a população e na entrega de todos os recursos, para buscar a simpatia e confiança do grande capital, uma ilusão inútil que está custando muito caro ao país.
Neste contexto, as eleições presidenciais assim convocadas, de maneira unilateral, violando, por própria conta e risco todas as regras constitucionais e da lei orgânica de processos eleitorais, inscreve-se na desesperada tentativa dessa cúpula de evitar as pressões internacionais e de se mostrar como vítima frente a um povo esfomeado e maltratado, e eludir seu enorme e principal responsabilidade na situação do país e seu fracasso frente à crise.
Ao não representar um exercício democrático real, as eleições têm um resultado antecipado. Nem o apoio aberto de Rússia nem o mais encoberto ou vacilante de China, poderão lograr os resultados declarados desde o poder. Um poder que Maduro quer construir como absoluto, ainda que não pode ocultar sua própria e extrema debilidade.
A participação nelas se justifica como parte do aproveitamento dos escassos e reduzidos espaços democráticos que ainda subsistem, para tentar avançar num processo de reorganização do movimento social hoje disperso e extremadamente reduzido, tratar de instalar no limitado debate popular a responsabilidade do governo nas penúrias atuais que sofremos e pôr em discussão um novo projeto nacional contra o da burocracia parasita e a oligarquia tradicional e para fazer a tentativa de dar os passos iniciais na construção de uma nova alternativa política.
3. O fracasso do “Diálogo” é ao mesmo tempo um novo momento da derrubada da velha oposição política organizada na MUD. A prática politiqueira dos velhos partidos e dirigentes que conformaram essa plataforma, mais preocupados por seu destino e vantagem pessoal que pela situação do país e de seu povo, chocou de frente com sua própria incapacidade. A sucessão de graves erros cometidos nas últimas duas décadas por estes dirigentes e partidos se explicam por sua própria natureza, tão entreguista e antipopular como a da burocracia governante na atualidade.
Estamos presenciando a derrubada definitiva dessa oposição. Sua divisão entre setores que participam da festa da partilha madurista e aqueles que estão sendo prejudicados e perseguidos pelo governo será feita cada dia mais patente e acabará por se expressar na eleição presidencial como o fizeram antes as municipais. Estes dirigentes e partidos estão dando os últimos respiros como bloco opositor. Alguns deles mais confiáveis para o imperialismo norte-americano e outros mais comprometidos por interesses crematísticos ou por medo e covardia com o regime de Maduro e Cabello. Qualquer que seja a decisão tomada sobre a participação nas eleições presidenciais, já dilapidaram o capital político que lhes tocou administrar em dezembro de 2015.
4. Um último elemento de análise não menos importante é o colapso econômico para o qual se desliza o país por ora sem freio à vista. Alguns dos elementos que o caracterizam são: a brutal dinâmica hiper-inflação que se desatou; a queda livre da produção petroleira que segundo alguns prognósticos tocaria durante 2018 um piso de um milhão de barris diários, contra os dois milhões e seiscentos mil com o qual se iniciou 2017; a situação de default de fato e desordenado em relação à dívida externa, que parece inevitável, entre muitos outros. Tudo isso com o impacto tremendo que provoca este desastre econômico na vida cotidiana da população que vive do seu trabalho.
5. O rechaço contundente às manobras imperiais que como está demonstrado historicamente, só trarão maior destruição e penúrias ao povo e ao país, não pode estar separado da luta contra um regime interior autoritário, esfomeador e entreguista.
Mas a simplificação de ler a realidade como dividida em apenas dois campos, entre um inimigo principal e outro secundário para justificar a intervenção internacional encabeçada pelos EUA com a desculpa de que primeiro é preciso tirar Maduro e depois “conforme for vamos vendo” é a contraface de outra visão equivocada que conduz identificar “processo” com “governo” e, a partir dessa atrocidade, cerrar fileiras com Maduro e com o governo, responsável principal do colapso do país.
No terreno eleitoral esta simplificação impulsiona setores centristas, alguns dos quais poderiam estar ingenuamente bem-intencionados, a buscar o perigoso atalho de propor ao candidato dos gringos, um Macri caribenho na figura de Lorenzo de Mendoza, com a falsa ilusão de que um “empresário exitoso” buscaria um modelo de produção para o país, esquecendo que o êxito deste empresário e de sua família se deve fundamentalmente à apropriação mafiosa e corrupta da renda petroleira de todos os venezuelanos em proveito pessoal e com a cumplicidade das cúpulas políticas. O mesmo se sucede com os que se preparam para participar nas eleições apoiando Maduro ou apresentar outros candidatos que sustentem uma proposta acrítica e funcional ao governo.
Somos conscientes de que sustentar uma política independente, democrática e em defesa dos interesses populares e nacionais é extremadamente difícil nas atuais condições de ameaça intervencionista, polarização e entrega. Mas ainda que num primeiro momento esta orientação resulte minoritária, capitular a qualquer um dos polos, mesmo no terreno eleitoral, resultaria numa traição aberta ao processo de independência que se abriu no país no final da década dos 80s do século passado.
Os pilares para construir essa política independente são, desde nosso ponto de vista, os seguintes: a) rechaçar de maneira contundente a intervenção imperialista em todas as suas vertentes, inclusive o Golpe de Estado ou a agressão militar do governo da Colômbia ou outras. b) pôr de pé um amplo movimento cidadão democrático, soberando e independente das cúpulas políticas atuais, que impulsione a luta direta por recuperar o marco constitucional para a defesa dos direitos humanos elementares e instale um espaço amplo de debate nacional com a participação ativa dos movimentos sociais rumo um governo provisório. c) articular um plano de emergência econômica soberano e independente, que dê prioridade à alimentação, saúde e trabalho dos venezuelanos por cima de qualquer outra prioridade como por exemplo os pagamentos da dívida externa.
Da mesma maneira, fazemos um chamado aos povos-irmãos de Nossa América para que ao mesmo tempo que rechacem ativamente nas ruas a cooperação de seus governos com a agressão imperialista a Venezuela, repudiem o rumo abertamente autoritário, repressivo e esfomeador do governo de Nicolás Maduro, e expressem uma solidariedade ativa com os venezuelanos que têm ido se exilar em seus países.
A crise na Venezuela deve ser resolvida por nós de maneira democrática, sem ingerências nem intervenções, e entre venezuelanos.