Entre a sentença de César Augusto Londoño ou novas possibilidades

A Colômbia confirma a máxima de que toda história imposta a fogo e sangue tem um denominador comum: sempre governaram os mesmos.

Gustavo Martínez Rubio 20 mar 2018, 12:59

Ocorreu em 13 de agosto de 1999, o dia que o jornalista esportivo César Augusto Londoño ao finalizar a apresentação das notícias desportivas, ao vivo, num canal de televisão, cravou o seguinte: “E até aqui os esportes, país de merda”, acompanhado de um golpe na mesa de trabalho. Foi a maneira que encontrou o jornalista de protestar a morte do humorista crítico Jaime Garzón, que havia sido assassinado horas antes. Isso é parte da história trágica de um país como Colômbia e isso é o que faz falta modificar.

Colômbia é um país onde em meio a uma campanha eleitoral pode-se assassinar, não um, nem dois, mas até três candidatos presidenciais. Para a campanha de 1990, foram assassinado Luis Carlos Galán, Bernardo Jaramillo Osa e Carlos Pizarro Leongómez, mas além disso poderia ter se evitado a tragédia de Armero com saldo de 25 000 mortes aproximadamente em 1985 se as autoridades departamentais ou nacionais tivessem escutado as advertências realizadas por pesquisadores e habitantes da região sobre o perigo que representava o vulcão Nevado del Ruiz. Na Colômbia, nos últimos 100 anos, não se precisou de uma ditadura tipo cone sul para que mais de 5000 membros da organização política União Patriótica fossem massacrados, nem falemos dos falsos positivos, das mortes por conflito armado, dos assassinatos por narcotráfico, etc., etc., etc.

Toda história imposta a fogo e sangue tem um denominador comum: sempre governaram os mesmos. E sempre governaram com os mesmos métodos, com as mesmas armas e com o mesmo discurso. Esta casta governante, racista, autoritária e mafiosa, levou a Colômbia a índices de pobreza, onde somente é superada por Paraguai e Bolívia segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) entre as 10 nações sul-americanas. Esses mesmos de sempre pretendem seguir governando e para as próximas eleições os nomes vão desde Germán Vargas Lleras, Iván Duque, Marta Lucia Ramírez, Humberto de la Calle e até Alejandro Ordoñez. São os rostos visíveis da continuidade, disso que num momento de raiva e impotência e ante as câmeras de televisão, César Augusto Londoño qualificou como “País de merda”.

Um breve olhar sobre estes aspirantes nos faz encontrar com Vargas Lleras, neto do ex-presidente Carlos Lleras Restrepo (1966-1970), Iván Duque Escobar, que foi desde governador de Antioquia até congressista e ministro por vários anos. Marta Lucía Ramírez foi senadora, ministra do comércio exterior e até ministra da defesa. E assim todos estes desempenharam cargos de relevantes responsabilidades durante os governos de turno. Para eles, a política é uma prática elitista onde as diferenças não se dirimem por programas ou ideias de fundo, mas sim por vias mais rápidas que lhes permitem ganhar posições frente ao funcionamento das coisas e a renda que lubrifique a economia e o poder. Por isso, dificilmente algum deles e tudo o que representam pode escapar da narcopolítica.

São atores de um sistema político ilegítimo, afundado na corrupção, no clientelismo mafioso e politiqueiro, partidos políticos em crise e a maior constatação de tal afirmação são os índices de abstenção eleitoral que normalmente superam 55%. Mas é inegável que o mal-estar geral a nível da população vem buscando forma há algum tempo em como poder se expressar e o que antes era afogado pela via da repressão, combinado com métodos equivocados de luta de uma esquerda que o tempo foi demonstrando seu estrondoso fracasso; agora se identifica com o um leito que tem as redes sociais e uma grande porcentagem da juventude, imiscuídos numa dinâmica que vê na candidatura de Gustavo Petro uma possibilidade concreta de poder se manifestar desde a participação democrática seu rechaço a uma institucionalidade que sufoca a maioria dos quase 50 milhões de colombianos.

É o novo fenômeno. São trabalhadores que já não suportam mais as condições perenes do trabalho terceirizado e precário, uma juventude farta de não ter possibilidades minimamente aceitáveis para poder levar adiante seus projetos, camponeses que sofrem desde a vulnerabilidade total, o apoderamento de suas terras por parte de testa-de-ferros que lhes matam com paramilitares, povos inteiros com problemas de água e falta de comida, indígenas que cada vez mais estão encurralados, e assim todo um panorama social, carregado de indignação que vê nas propostas de Petro uma possibilidade real de poder encontrar soluções aos grandes problemas. Gente cansada que enquanto os meios de comunicação e os políticos tradicionais lhes advertem dos perigos de um espantalho chamado “castro-chavismo”, lhes submetem à pobreza, fome, miséria, ao mesmo tempo em que entregam as riquezas do país às transnacionais que até se dão o luxo de instalar bases militares que não são ameaças fantasmagóricas precisamente.

É o que está para se definir na Colômbia e que colocou em alerta o capital financeiro internacional na região, porque enquanto assimilou para seus planos o PSUV-Somos-Governo na Venezuela, atravessou-lhe uma cunha inesperada para eles num lugar convencionalmente controlado para seus interesses. Petro perfeitamente sabe disso e deve entender de igual maneira que seu programa de governo só é viável na medida que aposte por governar com o povo colombiano mobilizado e organizado como sujeito fundamental de cuja política deve dar entre seus primeiros passos a convocatória de uma constituinte e os partidários de sua candidatura precisam exigir que a melhor maneira de defender suas propostas políticas é sendo protagonistas diretos como poder originário, convocando de maneira ampla e democrática a todos os setores para debater de igual para igual com o mesmo Petro, sem cheque em branco, porque todo programa de governo é perfectível e sobretudo que é preciso batalhar porque a classe dominante colombiana é a mais cruel da América Latina.

Esta a disjuntiva nestes momentos na Colômbia: ou continuar com o que identificou Londoño ou apostar no novo.

9 de março, publicado em Aporrea.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 27 dez 2024

5 desafios políticos para 2025

Para o ano que vem, deixamos cinco desafios que corroboram às reflexões que os socialistas fazem a respeito do “tempo de urgências”
5 desafios políticos para 2025
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi