Sobre a situação mundial e as tarefas dos internacionalistas na América Latina

Contribuição à VI Conferência Nacional do Movimento Esquerda Socialista.

À guisa de introdução e de síntese

Este texto é uma contribuição centrada nas tarefas do próximo período em nosso continente. Para isso, partimos de algumas caracterizações sobre a situação mundial, que são indispensáveis para estabelecer uma política latino-americana.

Trump na presidência é a expressão da decadência de hegemonia dos EUA. Com seu governo, a instabilidade e o caos geopolítico se agravaram. Por outro lado, durante seu início de mandato, a resistência ganhou força nesse país. A superpotência, ainda que em declínio, é hoje um nó das contradições globais e um dos pontos centrais da luta de classes internacional.

Esta novidade se insere no quadro mundial de um “longo interregno” – para usar a expressão de D. Harvey –, consequência da imensa contradição entre a ocorrência da maior crise do sistema capitalista desde 1929 e a ausência de alternativas socialistas. Não se vislumbram no horizonte próximo alternativas socialistas e revolucionárias de massas que possam resolver ou superar de forma definitiva esta contradição.

Na consciência das massas, há um atraso na elaboração dessa resposta contundente – para dizer de modo mais concreto, o proletariado apresenta enormes dificuldades para se constituir como uma classe internacional. Objetivamente, o programa do socialismo está na ordem do dia num período de gravíssima crise. Entretanto, a classe operária não consegue desenvolver uma consciência socialista, nem há organizações que possam se transformar no curto prazo numa alternativa revolucionária com potencial para solucionar esta contradição de nossos tempos.

Por isso, a classe operária não tem logrado triunfos decisivos contra a burguesia. Há tempos que não ocorrem a expropriação e a socialização de meios de produção e de troca. Tampouco os de cima podem impor golpes contrarrevolucionários sem a resistência dos povos. Esses dois fatores determinam o interregno. Não obstante, esta situação não significa de forma alguma que a realidade é estática; ao contrário, tudo vem se movendo. As elites globais descarregam sucessivos golpes econômicos contra a sobrevivência dos trabalhadores e dos povos. Desencadeia-se uma contrarrevolução econômica permanente ou uma guerra social contra os trabalhadores. Fazem-na às custas de maior crise e desprestígio de seus governos frente as massas. Por isso, as medidas são cada vez mais autoritárias e repressivas.

O movimento de massas, por sua vez, não permanece paralisado nesta situação. Os trabalhadores resistem à contrarrevolução econômica, enfrentam o autoritarismo e defendem heroicamente suas conquistas democráticas. Para ilustrar com alguns exemplos: na Europa, vimos a rebelião independentista catalã; na Tunísia, mobilizações estrondosas protagonizadas pela juventude trabalhadora, que colocaram em xeque a austeridade implementada pelos lacaios do FMI; no Irã, o regime dos aiatolás mais uma vez foi desafiado pela população nas ruas; na Argentina, jornadas radicalizadas bateram de frente contra as reformas de Macri; em Honduras, a fraude golpista das últimas eleições presidenciais vem sendo respondida com manifestações semanais; no Peru, permanece um alto grau de insatisfação mobilizada contra o indulto ao ditador Fujimori e pela renúncia de PPK.

Embora não encontremos alternativas socialistas consolidadas, o presente está marcado por novos processos políticos guiados por alternativas intermediárias que incorporam à situação mundial um elemento novo. Tais processos oscilam entre a adaptação e a ruptura, em distintos graus. Falamos do fenômeno Bernie Sanders e o crescimento do DSA nos EUA, da renovação do trabalhismo com Corbyn, o Bloco de Esquerda de Portugal, o Podemos da Espanha, do MNP do Peru, a Frente Ampla do Chile e o PSOL do Brasil.

Nós, revolucionários, devemos seguir integrando estes movimentos. A claudicação do Podemos ante a rebelião independentista catalã mostra uma vez mais que há oscilações entre a adaptação e a ruptura no interior destes processos. Assim, o equívoco do Podermos prova ser indispensável a participação dos anticapitalistas e internacionalistas nesses movimentos, defendendo a radicalização da democracia interna, bem como um programa de ruptura inequívoca com a ordem vigente. Trata-se de uma disputa para orientá-los a um rumo anticapitalista.

Do ponto de vista das massas, a América Latina é parte dessa situação mundial cada vez mais sincronizada. O ajuste está na agenda de praticamente todos os países, generalizando a miséria e a pobreza, e aumentando os danos ao ambiente.

Na América Latina, vivenciamos o fim de um ciclo e o começo de outro. As grandes mobilizações na virada deste século provocaram a derrota dos governos neoliberais pró-imperiais, gestando um ciclo em que dominaram as direções do bolivarianismo e do lulismo (processos bem diferentes, um nacionalista radical e outro social-liberal). Com o retrocesso e a bancarrota destas direções, restabeleceram-se governos neoliberais (Temer, Macri) executores de planos brutais de ajustes. A luta sem tréguas contra eles debe ser o ponto central da luta dos latino-americanos.

E em nosso continente estão surgindo novos movimentos políticos amplos, dentre os quais destacamos o MNP do Peru, a Frente Ampla do Chile e o PSOL do Brasil, cada um com diferente incidência na política nacional e na luta de classes. A tarefa colocada é fazer parte da construção dos mesmos, defendendo um programa anticapitalista, de luta de classes e democracia interna. Também é tarefa muito importante dos socialistas internacionalistas latino-americanos estabelecer uma ponte com o rico processo que se vive nos EUA, vincular as lutas de resistência em ambos os lados, barrar o muro de Trump e estreitar laços entre as forças antiimperialistas e anticapitalistas de ambos os lados do Rio Bravo. Trump reforça a necessidade de ligar as lutas no Norte e no Sul do continente americano.

A contrarrevolução econômica ou guerra social das classes dominantes

Há uma relativa recuperação econômica nos países centrais e uma retomada do crescimento nos países asiáticos. Trata-se de uma recuperação dos PIBs dentro da descendente curva geral iniciada várias décadas atrás. O motivo da recuperação relativa está no avanço da contrarrevolução econômica, que espreme as condições de sobrevivência da classe operária, dos setores populares e dos países atrasados. Por outro lado, não vem sendo implementadas mudanças estruturais na economia capitalista. As desigualdades e contradições se agravam nesta etapa histórica.

Não há espaço para uma nova acumulação capitalista expansiva porque não existe o desenvolvimento de novos ramos produtivos. Este processo cada vez mais deformado, dominado pela financeirização especulativa e pela acumulação capitalista destrutiva sobre a sociedade e a natureza, especialmente nos países de desenvolvimento atrasado. Como escreve François Chesnais em suas análises sobre a crise capitalista mundial, citando Marx, o capitalismo se choca com seus próprios limites intransponíveis. 1

Os dados sobre o aumento da desigualdade global, fornecidos pela OXFAM são rotundos. Uma investigação recente do Federal Reserve Bank de San Francisco, feita a partir de uma ampla base histórica de dados, constata que a interminável desigualdade entre o patrimônio dos ricos e o crescimento dos PIBs (e a desigualdade destes com os salários) pode eclodir antes do previsto, conforme afirmava Thomas Piketty. Ademais, é importante ressaltar que esse processo é desigual entre os países.

A serviço dos ditames da grande burguesia, a contrarrevolução econômica contra os trabalhadores e os mais vulneráveis avança com três modelos de reforma: a reforma laboral, que visa liquidar com praticamente todas as conquistas históricas da classe trabalhadora; a reforma nas aposentadorias, que assalta o bolso dos trabalhadores transferindo parte de seu salário para os cofres dos patrões; a reforma tributária, que isenta a grande burguesia de pagar impostos, penalizando as finanças das classes médias e dos trabalhadores.

Aos planos de austeridade é preciso acrescentar a política neocolonialista impostas aos países de desenvolvimento retardatário. Os imperialistas espoliadores não são somente as velhas potências ocidentais. Tanto a China (economicamente mais agressiva) como a Rússia (em menor escala) buscam expandir as áreas de influência de seus capitais.

Neste contexto mundial seria um erro localizar a China ou a Rússia como um campo progressivo frente ao imperialismo; são neo-imperialismos, parte desta contrarrevolução econômica mundial. A decadência americana e a política protecionista de Trump abriram espaço para a China, cada vez mais forte na economia-mundo e com seu presidente Xi Jinping convertido no maior defensor da globalização. Os poderosos investimentos chineses em nosso continente não têm nada de benéfico para os latino-americanos. Seus objetivos são tão imperialistas como os dos EUA e as consequências são análogas para nossos países: submissão e dependência econômica, apropriação de recursos materiais mediante um extrativismo predatório. A burocracia ou a casta chinesa é parte do capitalismo mundial. Está associada organicamente às grandes corporações que dominam o mundo que atuam na China.

A dependência do capital financeiro internacional se traduz nos pagamentos das dívidas intermináveis. Deve-se somar também a agressiva política de despojo extrativista dos recursos naturais (mineração, agropecuária, prospecção petrolífera, etc.), naquilo que David Harvey identifica como uma nova forma de acumulação por expropriação.

É inegável que o capitalismo funciona cada vez mais deformado e com mais contradições. A sobrevida aflita deste sistema só pode representar maior agonia, pobreza e sofrimento para os trabalhadores e para as camadas mais empobrecidas, colocando um risco real para a vida humana na Terra.

A exploração generalizada à escala mundial dos trabalhadores e os mais pobres corrobora a percepção de que o mundo está cada vez mais sincronizado, sob a perspectiva da situação das massas. Além disso, todo o mundo sente a vertiginosa deterioração do meio ambiente, a exemplo das mudanças climáticas.

Trump agrava o caos geopolítico; Os EUA são agora um centro político importante da luta de classes

Os Estados Unidos se transformaram num centro político para a luta de classes mundial. Isso está ocorrendo desde a ascensão do degradante personagem à Casa Branca. Escandalosamente, o governo de Trump é a expressão mais clara do período de decadência americana, fato que acelera o caos geopolítico, sobre o qual trata Pierre Rousset 2. O atual presidente dos EUA guarda similitudes assombrosas com os imperadores da decadência do império romano. Faz recordar um bombeiro louco que joga mais lenha no fogo para apagar o incêndio.

A política internacional de Trump (construção do Muro com o México, transferência da embaixada estadunidense para Jerusalém, troca de ameaças com Kim Jong-un – tentativas de romper o acordo nuclear com o Irã) estão gerando mais conflitos, maior imprevisibilidade e contradições no imperialismo. Trump fez fortes apostas, algumas das quais mediadas pelo seu staff governamental; talvez a mais importante seja a transferência da embaixada estadunidense para Jerusalém. Isso o separou do restante dos imperialismos, mas ao mesmo tempo, revigorou a aliança com Netanyahu e com o sionismo.

No Irã, sua política também não é seguida pelo resto dos imperialismos que investem no país. Na Coreia do Norte, fez a jogada mais perigosa até agora, com a ameaça nuclear inconsequente. O resultado disso é o aumento da disputa com a China – que amplia seus investimentos militares e cria ilhas para dominar a região do Pacífico.

Para além de seus traços psicóticos, Trump é a expressão política de um nacionalismo exacerbado de “América em primeiro lugar”. Supremacista e racista, sua base eleitoral destila ódio contra os imigrantes, contra os países semicoloniais e pobres arrasados pelo imperialismo. A essência de seu histrionismo é o ódio racial.

A xenofobia que impulsionou Trump também pariu o mesmo tipo de “líder” nos países europeus. Há um setor social nos países imperialistas que culpa os imigrantes e refugiados pela deterioração de suas condições de vida. A despeito de sua questionável sanidade mental, Trump leva adiante uma política racional ao gosto do grande capital e da alta burguesia americana, como demonstrou a reforma tributária que eliminou mais impostos para estes setores. Trata-se de uma verdadeira contrarreforma impositiva, que assegura benefícios aos magnatas americanos, como jamais tiveram. O Partido Republicano e a alta burguesia do país estão felizes.

Estas medidas econômicas de Trump, bem como seus ataques aos imigrantes, negros e às mulheres, contam também com o apoio de uma importante parceela da população americana (40% dos eleitores aprovam seu governo). A seu favor também está o fato de que os EUA vivem uma certa recuperação econômica (iniciada com Obama), tendo aumentado os níveis de emprego e de consumo3.

Entretanto, toda a sua agenda leva a uma polarização crescente da sociedade estadunidense. Aumenta o rechaço de um importante setor, assim como a radicalização e politização de parte do movimento de massas e o desenvolvimento de um movimento de resistência, cujo caráter é associativo, democrático, feminista, imigrante e negro. A reforma tributária não deixa mais ilusões junto ao povo de que Trump poderia empreender qualquer reforma radical contra a burguesia rica. Não por casualidade, frente à figura direitista de Trump, renova-se o prestígio de Bernie Sanders.

Durante o governo Trump, os ataques machistas têm recebido como resposta uma maior organização e mobilização do movimento de mulheres. Da mesma forma, o supremacismo branco, sempre que tenta erguer a cabeça, é confrontado sem hesitação pelo movimento negro. Já a tentativa de cortar o programa DACA e sua política de levantar o Muro na fronteira com o México, só fazem radicalizar a população hispânica contra ele. O povo mexicano, que já sofre com a repatriação dos imigrantes e com as desigualdades comerciais do NAFTA, tenderá a intensificar suas manifestações de rechaço a Trump. Por ora, a classe operária está por trás de todos estes processos.

A decadência e a crise dos regimes democrático-burgueses; crise de representação de seus partidos e os perigos do novo nacional-populismo

Trump é a expressão máxima da aparição de outsiders que aparecem a partir da crise de representação política da burguesia mundial e ea crise dos regimes democrático-burgueses.

Esta desintegração dos regimes expressa-se na derrocada e no desprestígio do velho bipartidarismo, consequência da perda de contato da partidocracia com as necessidades das massas , enquanto gerencia os negócios da grande burguesia. Nesta fase da globalização neoliberal se liquida com o estado de bem-estar e os aparatos estatais são cooptados pela grande burguesia, das quais tornam-se apêndices administrativos.

O descrédito dos partidos está vinculado ao fato que a corrupção que alcança a todos os Estados (e que é intrínseca ao capitalismo) se revela implacável neste estágio. 4

Neste solo quase arrasado, desenvolvem-se os nacionalismos de direita, representando um grande perigo para a humanidade. Se sustentam em setores racistas das classes médias e no desespero de um setor dos trabalhadores que perdem empregos frente aos imigrantes. Com sua política contrária aos imigrantes atacam o setor mais vulnerável dos trabalhadores e suas reclamações democráticas. Mas também são uma reação ao avanço da consciência e da luta democrática das minorias, oprimidos, movimento LGBT e povo negro.

É necessário diferenciá-los dos nacionalismos progressistas na luta contra o imperialismo, tal como é o caso catalão e o caso dos países semicoloniais, coloniais ou dependentes da Ásia, África e América Latina. O nacionalismo de direita é uma nova ideologia utilizada também pelos neo-imperialismos de China e Rússia (enterrando a história de tradições revolucionárias de seus povos) com o objetivo de criar no interior de seus países uma consciência chauvinista acerca de sua força na ordem global.

Diferenças dentro da política do imperialismo

A política do imperialismo mundial não é uniforme. De um lado, encontram-se Trump e May, promovendo políticas xenofóbicas e autocentradas. Do outro lado, estão os setores que tentam se diferenciar de Trump, buscando salvar aspectos basilares da globalização neoliberal; sua expressão mais aguda nos países europeus é Merkel.

O racismo exacerbado enceta conflitos entre os próprios setores burgueses. O Partido Democrata (EUA), Merkel (Alemanha), Macron (França), o Papa apa Francisco (Igreja Católica) se adaptam ao ascenso das lutas das mulheres, ao movimento LGBT e outras pautas dos oprimidos. Também rechaçam a política agressiva de Trump no Oriente Médio e no Irã, entre outras. São divisões reais das contradições inter-imperialsitas. Não nos enganemos: buscam instrumentalizar estas pautas e o feminismo para defender sua política imperialista. E isso ocorre em grande parte do mundo. Enquanto encampam na aparência uma série de lutas democráticas muito progressivas, não perdem sua vinculação orgância com as classes dominantes, cuja essência política é levar adiante a contrarrevolução econômica, estratégia em que coinm nocidem todos os representantes burgueses.

A multiplicação da resistência dos trabalhadores, das lutas democráticas e das mulheres

O avanço da direita e do autoritarismo é real, mas não significa que a maioria das massas tenha se tornado direitista. Trump significa a restauração do reaganismo, inclusive com traços ideológicos protofascistas mais exacerbados e mais perigosos, dado o aumento da instabilidade mundial. Será um perigo crescente, caso sua dinâmica não for detida; contudo, o trumpismo não apresenta a mesma estabilidade e consistência que tinham o thatcherismo e o reaganismo. A diferença é o contexto econômico: hoje inexiste a possibilidade da expansão do capitalismo que abriu a queda do socialismo real. Além disso, há maior resistência do movimento de massas e uma maior consciência democrática que no período anterior, em que pese o retrocesso na consciência das massas em outros aspectos.

Não restam dúvidas de que se tem aprimorado o autoritarismo contra as mobilizações em todo o mundo. Todavia, a repressão não é suficiente para intimidar os jovens manifestantes, como podemos observar na Tunísia, no Irã e na Argentina nos últimos meses. A classe trabalhadora mundial segue travando verdadeiras batalhas contra as patronais, apesar do freio e da falta de determinação das direções e dos aparatos sindicais burocráticos. Na Europa, o operariado da IGMetal – que aglutina quase 4 milhões de trabalhadores– começou 2018 disposto a conseguir a redução da jornada de trabalho de 35 para 28 horas, através de uma onda de paralisações. Na Grécia, as vacilações do governo de Syriza são quase que semanalmente contestadas nas ruas pelas organizações que não capitularam.

Vale citar também Irã e Tunísia, onde jovens trabalhadores encheram as ruas de seus respectivos países, em rechaço aos pacotes de austeridade e em contraposição aos regimes políticos extremamente corruptos. Em Túnis, o governo necessitou ceder uma série de reformas sociais para acalmar a bronca coletiva que durante mais de uma semana se disseminou nacionalmente. Tais eventos confirmam o prognóstico Gilbert Achcar, feito em 2016, de que a revolução árabe era um longo processo e de que os triunfos contrarrevolucionários não seriam os últimos capítulos dessa história.5

Ademais, pode-se destacar o papel da juventude e em especial das mulheres. Os estudantes têm sido os primeiros a questionar o neoliberalismo em diversas partes do globo. Do Canadá até a Argentina, praticamente toda a América experimentou fortes greves universitárias e estudantis contra a mercantilização do ensino nos últimos anos. Na Catalunha, o movimento pelo independentismo foi constantemente oxigenado pelas mobilizações estudantis.

A greve também foi o método utilizado pelas mulheres para amplificar ainda mais as bandeiras feministas. Há muito tempo não se via um 8 de março tão internacionalizado e classista quanto em 2017. Um pouco antes, em outubro de 2016, as polonesas derrotaram um projeto conservador contra o aborto cruzando os braços. As novas mobilizações das mulheres nos EUA prenunciam uma nova greve mundial no 8-M de 2018, que deverá potencializar ainda mais a ação comum internacionalista do ano passado.

Um novo período e um novo ciclo na América Latina; a relação entre América Latina e os EUA

Os EUA sob Trump tornaram-se o centro político e da luta de classes num mundo onde a interconexão entre Norte e Sul é mais estreita. Isso significa que os acontecimentos nos EUA repercutem politica e socialmente em todo o mundo; e evidentemente na América Latina. Nós latino-americanos sempre tivemos a tendência de considerar os EUA como um todo indistinto entre povo e país. Agora temos aliados concretos e demandas em comum. A tarefa de expulsar o imperialismo de nossos países agora está associada à luta socialista no interior dos EUA. Uma grande parte do que nós denominamos “gringos” são nossos aliados estratégicos. É preciso agregar outras análises sobre os EUA às que estão na primeira parte deste texto. 6

Estruturalmente, os EUA se “latino-americanizaram”, visto que são um país com alto índice de pobreza e de grandes desigualdades sociais. Para os padrões norte-americanos, mais de 40 milhões de habitantes encontram-se abaixo da linha da pobreza, segundo estimativa recente. Além disso, muitas das “carências” de nossos serviços púbicos estão presentes. Há um angustiante problema da saúde, cuja cobertura é totalmente privatizada. Na educação, idem: ocorre um processo de precarização das escolas públicas, enquanto os custos da educação universitária elevam-se anualmente.

Os EUA também se “latino-americanizaram” pela presença crescente da imigração latina. Hoje, cerca 40% da população norte-americana fala a língua hispânica. Neste sentido, o muro de Trump representa mais do que uma construção física para separar as fronteiras e impedir a passagem dos imigrantes. Para os latino-americanos, significará mais perseguição no interior dos EUA. Para ambos os lados (e especialmente para os trabalhadores e pobres dos EUA), derrotar o muro pode equivaler à queda de um símbolo do neopopulismo autoritário capitaneado por Trump.

Na América Latina, uma etapa e um ciclo de direções dos anos 2000 se fecham

A década de 2000, especialmente na América do Sul, foi um período no qual se produziu uma mudança na correlação de forças com o imperialismo em países-chave do subcontintente. No mesmo período, caíram os governos pró-imperialistas de Menem e depois de De la Rua na Argentina; no Equador, sucessivos governos tombaram até a vitória de Rafael Corrêa; no Brasil, o desastroso segundo mandato de FHC possibilitou a vitória de Lula em 2002; na Venezuela, afirmou-se o processo bolivariano depois da derrota do golpe de 2002 e da derrota do locaute patronal de 2003.

A maior expressão desta mudança foi a derrota da ALCA, um plano de neocolonização imperial com o qual os EUA tentavam assegurar ferreamente seu quintal. Tal mudança foi resultado de grandiosas mobilizações insurrecionais, verdadeiros processos revolucionários democrático-populares, onde a classe operária não atuou como tal, mas como parte da mobilização popular espontânea. Estas revoltas iniciaram-se no Equador em 1998 e seguiram com o Argentinazo em 2001; depois houve a Guerra do Gás (2005) e a derrota de Sanchez-Losada na Bolívia; em 2002, o golpe da direita entreguista da Venezuela foi bloqueado por uma resposta massiva nas ruas.

Durante grande parte deste período a economia latino-americana contou com o vento a favor dos bons preços das matérias-primas no mercado mundial (petróleo, carne, soja, minerais), graças à expansão acelerada da economia chinesa e de todo o sudoeste asiático. Apoiados nesse processo de mobilização surgiram na América Latina três tipos de governos: 1) Governos nacionalistas radicais: Chavez (Venezuela), Morales (Bolívia) e Correa (Equador) levaram adiante uma série de medidas anti-imperialistas e de ruptura política com a burguesia; 2) Os governos social-liberais de Kirchner (Argentina), Lula (Brasil) e Vazquez (Uruguai) que, apesar de não serem da burguesia tradicional desses países, não produziram nenhuma ruptura profunda com suas respectivas burguesias (exceto Kirchner que rompeu parcialmente com a burguesia rural para favorecer a industrial)7; 3) Os governos tradicionais de direita, Uribe na Colômbia, Concertação no Chile, PRI e PAN no México etc8. Estes diferentes tipos de governo mostram como o processo dos anos 2000 teve desigualdades, ainda que tenha alterado a correlação de forças.

Nos países bolivarianos (Equador, Bolívia e Venezuela) não só houve mudanças não tratamento dispensado ao imperialismo e à burguesia nativa, como também se gestaram profundas mudanças democráticas com os processos constituintes que institucionalizaram novos ordenamentos jurídicos. O mais profundo foi o da Bolívia, onde uma verdadeira revolução democrática conquistou o Estado pluriétnico, consagrando pela primeira vez direitos democráticos para a maioria indígena do país.

Duas direções surgiram neste período e foram polos de grande influência continental: Chávez e Lula.

Chávez e Lula são produto desta etapa, mas foram qualitativamente diferentes. O primeiro foi anti-imperialista e, após a queda da ALCA, promoveu a ALBA como um acordo igualitário de comércio entre países, rompendo o isolamento ao qual esteve submetida Cuba durante décadas. O segundo fez uma aliança estreita com os bancos, as corporações de agronegócios e as grandes construtoras para que a multibrasileiras jogassem um papel sub-imperialista aproveitanto o relativo retrocesso dos EUA com a derrota da ALCA.

O governo de Lula não mexeu na essência da política econômica de FHC. Governou com grandes expoentes da burguesia (Henrique Meirelles do Bank of Boston foi o presidente do BC de 2003 a 2010; Luiz Fernando Furlan, dono do maior conglomerado de alimentação do país, dominou o Ministério da Indústria; a Globo continuou escolhendo o Ministro da Comunicação, etc…), privilegiando a relação com os grandes complexos de construtoras de infraestruturas (associados ao petróleo e à petroquímica), as agroindústrias e os bancos. Utilizou os recursos dos grandes Bancos Estatais para favorecer estes setores no país e sua expansão sub-imperialista pelo continente. 9 Este aspecto de sub, exercido também junto à África, foi facilitado pelo recuo dos EUA e porque em certa medida sua diplomacia soube “representar”, jogando um papel de sub-potência associada.10

O Brasil foi um amortecedor que impediu o processo bolivariano de se “continentalizar”, isto é, a expansão da ALBA em escala continental. Esta era a tarefa que estava colocada para um desenvolvimento independente.

Como ponto em comum entre o chavismo e o lulismo está o fato de que muitos anos de governos deram origem a fortes aparatos estatais que alimentaram as burocracias privilegiadas. No caso do Brasil, a burocracia integrou-se como agente orgânica de grandes setores burgueses. Na Venezuela, Chávez e o PSUV (ainda que independentes da burguesia venezuelana) também impulsionaram um aparato burocrático do qual a partir deste uma boliburguesia pode acumular capital11.

O avanço reacionário

Este período da luta de classes muda de signo entre 2012 e 2015, com vários triunfos da burguesia. Os golpes em Honduras (2009) e Paraguai (2012) já haviam prenunciado essa mudança. Contudo, as inflexões mais importantes à direita foram o triunfo de Macri nas eleições argentinas de 2015 e depois o golpe parlamentar no Brasil em 2016 que colocou Temer no Palácio Planalto para acelerar de modo muito mais feroz as medidas de ajuste que Dilma não dispunha base parlamentar suficiente para concretizar.

O marco geral de mudança está determinado pela entrada da crise de 2008 (ainda que de modo atrasado) no continente, provocando uma brusca descida nos preços do petróleo e das commodities. Essa crise obrigou o governo de Dilma a fazer um giro drástico depois de assumir seu segundo mandato em 2014. A morte de Chávez, caudilho das massas venezuelans que mantinha o vigor da revolução bolivariana, foi outro elemento fundamental para que a burguesia pudesse se fortalecer. Vale destacar que este processo não é uniforme e não ocorre de maneira similar em todo o continente.

Assim, criam-se as condições para a abertura de uma etapa de governos reacionários neoliberais (via eleições ou por golpe parlamentar) e a abertura de uma nova etapa. O giro ao bonapartismo do governo de Maduro é parte deste processo.

O desgaste sofrido por esses governos foi determinante para que a burguesia pudesse avançar com “personagens” de sua mesma classe. No Brasil, o PT sofreu um grande golpe em sua relação com o movimento de massas nas grandes jornadas de mobilização em junho de 2013. Dilma tentou contornar seu desprestígio nas eleições presidencias de 2014 com um programa populista. Porém, quando iniciado seu segundo mandato, tentou tomar medidas reacionárias fazendo um giro de 180 graus no discurso de sua campanha eleitoral. Cristina também teve que tomar medidas duras. E com a aparição dos casos de corrupção, ambos os governos “progressistas” sofreram ainda mais desgaste no movimento de massas, facilitando suas respectivas derrotas (uma eleitoral, outra através de um golpe parlamentar).

Isso tudo evidencia que tais governos não tomaram nenhuma medida estrutural de fundo. Quando a burguesia viu que o PT já não tinha mais capacidade para conter o movimento de massas nem aplicar as medidas pró-ajuste, escolheu o caminho do golpe reacionário disfarçado de impeachment e apoiado num setor da classe média que se deslocou para a direita. A mesma dinâmica social explica o triunfo macrista na Argentina nas últimas eleições.

Se no outro extremo Maduro sobrevive, é porque realizou um claro giro ao bonapartismo reacionário, utilizando a repressão dura contra as manifestações e negociando concessões com o imperialismo. Todas estas são políticas que agravam a crise venezuelana.

O indigenismo boliviano

Diferentemente da Venezuela e do Equador, a Bolívia não retrocedeu tanto. Isso se deve à grande conquista que foi o estado pluriétnico no qual os indígenas conseguiram maiores liberdades e postos importantes no estado, num país que sempre foi governado por uma minoria branca. Ao contrário do caso venezuelano, o movimento social logrou ser mais independente e menos agarrado ao aparato estatal.

Evo desfruta de maior estabilidade graças a esta política. A nacionalização do gás e do petróleo também lhe permitiram uma conduta mais independente, colocando fim à permanente crise da burguesia branca12.

Os “novos” governos neoliberais

A vitória eleitoral da direita na Argentina e o golpe parlamentar no Brasil abriram um período ou uma etapa de reação, antecipado em certa medida com os golpes em Honduras e no Paraguai. Os governos neoliberais neste período (Macri, Temer, PPK, Peña Nieto, J. M. Santos, Piñera, etc) não têm a mesma força de Menem e FHC nos anos 90, da mesma forma que o poderio de Trump não se equivale ao de Reagan.

Estes governos tentam até ser mais entreguistas que aqueles e mais malignos para os interesses nacionais. Por terem menos gordura nos índices de popularidade, colocam à venda tudo o que podem para as corporações estrangeiras, promovendo níveis de pobreza ainda maiores com suas reformas neoliberalizantes.

Todos têm sido abertamente pró-ianques, mas tiveram que readequar o discurso entreguista, já que o protecionismo de Trump joga contra isso. Os capitais especulativos e predatórios da China também disputam o continente, embora o domínio geopolítico militar do imperialismo estadunidense com suas dezenas de bases militares ainda seja nítido13.

Não podemos colocar um sinal de igualdade entre Maduro e Temer/Macri, porque provêm de origens diferentes. Entretanto, é inegável que Maduro é parte desse processo de reação. Seu governo não é a continuidade do chavismo. É politicamente a reação termidoriana do bolivarianismo.

Esse giro reacionário drástico, que engendrou novos governos liberais abertamente pró-imperialistas, ocorreu sem que houvesse uma derrota grave e direta do movimento de massas. Esta é a diferença com os anos 80, quando se deram sucessivos triunfos contrarrevolucionários por meio de golpes reacionários de estado. Por se inscreverem numa situação mundial, os governos de direita de hoje não têm a mesma força dos governos de décadas atrás.

Abriu-se uma grande batalha contra estes governos e seus planos neoliberais. Também há um processo de novas direções.

É uma luta dura e que não está definida como foi em 2000. Embora haja grandes mobilizações, estas não alcançam a envergadura dos eventos da década passada. Entretanto, o fio mobilizador, ainda que frágil, não foi rompido; houve continuidade e agora atinge o ponto culminante no Peru, onde a mobilização popular da juventude e dos trabalhadores vem desgastando o modelo neoliberal de Humala (cria política de Lula) e de PPK. Na Argentina, Macri gastou grande parte de seu capital político na aprovação da reforma da previdência 14. No Chile, a luta dos estudantes contra o ensino privatizado permanece e assume contornos políticos com a emergência da Frente Ampla. Tampouco, podem ser esquecidos os ecos de junho de 2013 no Brasil.

As mobilizações acumulam força, porém o triunfo definitivo das mesmas não é fácil. A burguesia latino-americana decidiu prosseguir firme com sua contrarrevolução econômica. Não possui outro caminho ante a gravidade da crise. A política dos governos necessita golpes muitos duros. Assim está mostrando Macri, embora esteja se debilitando.

Um passo importante para pender a balança a favor será a queda do governo de PPK a partir da mobilização das massas peruanas. Aí, então, teríamos a primeira derrota real destes novos regimes neoliberais.

Peru, o ponto mais alto nesta conjuntura onde o neoliberalismo avança e a nova esquerda surge como uma alternativa de massas.

A situação peruana requer um destaque especial. No Peru, conjugam-se vários elementos que tornam este país um foco fundamental da luta contra o neoliberalismo privatizador, predatório e extrativista. A agitação social se remonta às mobilizações campesinas e indígenas Bagualazo, à luta contra o extrativismo minerador em Conga e Tía María, à luta dos jovens que derrotou o plano de flexibilização laboral ou os empregos precarizados para os jovens, à greve dos professores que proporcionou uma revolução democrática dentro do sindicato SUTEP com uma nova direção. Agora, ecçpde, mobilizações democrático-populares contra o indulto ao ditador Fujimori, complicando ainda mais o governo neoliberal de PPK. Cumpre notar que o Peru foi o lugar onde a Lava-Jato foi mais efetiva, escancarando a corrupção dos últimos 15 anos.

O MNP está se convertendo no partido que canaliza a mobilização popular rumo a uma saída política e a uma ruptura com o velho regime. É um novo movimento político que superou a crise da velha esquerda peruana que se perdeu na conciliação de classes com a burguesia e no ultra-esquerdismo terrorista do Sendero Luminoso. Surgido da crise do nacionalismo de Humala, mostrou-se como um partido vivo que se apoia numa vanguarda política que já fez a experiência com os velhos processos.

Ante a crise aberta, o MNP teve algumas vacilações, mas terminou afirmando uma política de ruptura com o velho regime ao levantar as consignas contra o indulto vinculadas à saída de PPK e uma Nova Constituição. Toda crise de regime é uma prova e, nesta oportunidade, o MNP foi aprovado. Os acordos assinados recentemente com o MAS de Gregorio Santos, movimento cujo centro está em Cajamarca e que dirigiu a luta de Conga, é um passo adicional que consolida esta frente política prestes a se converter num polo para o movimento de massas.

No Brasil, acumulam-se forças em meio a incertezas não resolvidas da conjuntura

O Brasil é o país no qual predomimam mais incertezas na atual conjuntura. A recente condenação de Lula significa que a burguesia brasileira afirma seu giro autoritário. As possibilidades de Lula ser candidato nas próximas eleições são quase inexistentes. O PSOL e o MES (ver as declarações no Portal de la Izquierda15) explicam o rechaço a este julgamento, quando Lula está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Trata-se de uma medida claramente discriminatória a serviço da grande burguesia brasileira que não quer que o PT retorne ao condomínio de poder do qual foi despejado em 2016. Já não é o instrumento necessário para sua política de contrarrevolução econômica.

O governo de Temer é frágil. Teve que sobreviver a dois pedidos de impeachment em decorrência de denúncias por seus conhecidos esquemas de corrupção. Vários ministros só foram nomeados para desfrutar do foro privilegiado.16Acumulando escândalos, Temer consegue ter o menor indíce de aprovação em toda a história do país (incríveis 6%).

Como em meio a esta crise, o governo ainda pode aplicar medidas ou avançar em várias delas? Há um repúdio contra elas e uma resistência atomizada cresce. Porém, o governa conserva iniciativa, uma vez que porque a confusão no movimento de massas persiste. As direções sindicais e o próprio PT não enfrentam realmente o governo e colocam um freio na possibilidade de que se concretize uma potente greve geral.17

A conjuntura brasileira está confusa, porque os trabalhadores e o povo não construíram uma alternativa que superasse o PT, reorganizasse toda a vanguarda e fosse um polo para as massas. Contudo, o caminho está aberto estrategicamente. O PSOL ainda não é este polo, porém resiste e ganha credibilidade no movimento de massas.

O surgimento de novas alternativas na luta contra o avanço do neoliberalismo

Estes novos movimentos e novos processos políticos ocorrem não só no Peru ou no Brasil. No Chile, a Frente Ampla transformou-se numa frente política com influência de massas. Na Venezuela, embora isso seja mais difícil, as últimas eleições mostraram as rachaduras do Madurismo e a aparição de novas listas eleitorais impulsionadas pelo chavismo crítico. O México é um lugar de incógnitas e as próximas eleições podem indicar uma saída mais indigesta para a burguesia, haja vista a presença de candidaturas independentes – com destaque para a do zapatismo – e a possibilidade triunfo de AMLO (que não consideramos um processo novo, já que é um candidato burguês, embora não seja o mesmo que Nieto ou o PAN).

Em Honduras, a resistência nas ruas da FNRP pode reanimar uma força política alternativa rejuvenescida na luta contra a fraude golpista. E na Argentina, o MST, de longa herança e trajetória na luta de classes junto a outras organizações trotskistas alcançaram um peso objetivo real tanto nas eleições como nas mobilizações. O classismo argentino está crescendo com muita força nas organizações sindicais, onde a burocracia sofre um grande desprestígio. Lamentavelmente, setores trotskistas se opõem a criar um polo conjunto para que este processo avance e seja uma alternativa de massas à velha, corrupta e desacreditada burocracia.

O interessante desta situação continental é que este fenômeno apareceu também com muita força nos EUA. Sanders mantém sua presença e paralelamente a este processo, mas de forma independente, a organização política DSA está avançando a passos geométricos. (É o partido socialista que mais cresceu no último período). Trata-se de uma organização socialista com uma estrutura militante e um funcionamento democrático que está na rua agora fazendo campanha por “Medicare for all”, que postula candidatos nas eleições e obteve quase vinte representantes eleitos, entre vereadores e deputados provinciais, no mais recente pleito.

Unidade de ação, frente única e política independente

Estes novos processos e direções têm uma dupla tarefa. Por um lado, uma política de unidade de ação ou frente única para promover contra o neoliberalismo. Isto é, ter uma política de mobilização de acordo com as direções burocráticas ou as velhas direções políticas em questões pontuais. É uma tática que não pode ser a política global, já que estas direções demonstram todos os dias que não são capazes de levar adiante a mobilização sem capitular. Daí ser fundamental sustentar uma posição independente, totalmente diferenciada politicamente das velhas direções.

É preciso estar dentro dos novos processos políticos defendendo um programa classista, anticapitalista e internacionalista

O fenômeno de novas alternativas não é somente propriedade de nosso continente; existe em outros lugares do mundo e vai crescer pela crise das velhas direções. Todas as novas alternativas políticas, ou melhor dizendo, as direções deles, vivem a encruzilhada entre a adaptação ao velho regime ou a ruptura com o mesmo. É uma pressão objetiva que se põe à prova em momentos agudos da luta de classes. Por exemplo, o “Ni Ni” de Iglesias terminou sendo de adaptação ao Estado pós-franquista.18

No Peru, vimos que o MNP superou primeira encruzilhada, mas outras podem vir. No Brasil, o PSOL tem em seu interior uma luta política contra posições mais adaptacionistas, neste caso em relação ao PT.

É um grave erro cometido pela esquerda sectária definir que o signo destas novas alternativas é a adaptação e a conciliação de classes. Esta falsa conclusão leva ao combate contra estas alternativas, seja do lado de fora seja do lado de dentro através de uma política “entrista”. As duas são políticas equivocadas que isolam as correntes revolucionárias dos processos objetivos dae reelaboração de uma consciência de classe revolucionária para os trabalhadores.

Estes processos são um lugar fundamental para avançar nesta direção. E por isso é necessário participar deles, construindo-os ao mesmo tempo em que se defende em seu seio um programa anti-imperialista, anticapitalista e sua democracia interna. Ou seja, há uma disputa em seu interior.

O resultado não está pré-determinado (como diz o setor sectário da esquerda); dependerá não só das intenções dos dirigentes, mas também da situação da luta de classes que impulsione mobilizações, como está ocorrendo no Peru, e que em seu interior organizem e desenvolvam a esquerda anticapitalista. É preciso ter a “mão firme”; defender a democracia interna eum programa de ação e de ruptura com o regime; apostar no desenvolvimento da mobilização e da unidade com os processos vivos da luta de classes; disputar no terreno eleitoral e no terreno da mobilização; defender uma política internacionalista em seu interior.

Um desafio internacionalista para os socialistas latino americanos e dos EUA

Precisamente, uma das maiores dificuldades que enfrentamos para levar adiante esta política anticapitalista é evitar o isolamento nacional e praticar um internacionalismo concreto. Ainda não há a nível internacional um polo objetivo real que seja uma alternativa e que ajude a construção desta política e que seja um contrapeso às pressões nacionais.

É uma tarefa fundamental avançar neste objetivo. Neste sentido, a vanguarda e organizações participantes destes processos teriam que se colocar o objetivo de fazer tarefas comuns, campanhas e seminários para agrupar estes processos amplos e dentro deles consolidar as correntes internacionalistas.

Nosso dever é tentar levar isso adiante em nosso continente, onde não falta espaço para tanto. O fim do ciclo significou também o fim do Foro de São Paulo que agrupava a velha esquerda latino-americana, mas também infelizmente o fim dos movimentos sociais da ALBA, que hoje não deixam de ser outra coisa que um apêndice à política bonapartista de Maduro. Eles deixaram um vazio e a tarefa é preenchê-lo.

Isso significa propor estes objetivos ao MNP, ao PSOL, à Frente Ampla chilena, ao FNRP de Honduras, forças que hoje em dia estão tendo mais incidência na luta de classes social e política em seus países. E é preciso somar aos latino-americanos os companheiros socialistas dos EUA. Eles também podem jogar um papel importantíssimo para superar o atual vazio e abrir uma nova perspectiva para fortalecer a luta contra Trump e o neoliberalismo. Porque, como já dissemos, a tarefa da luta contra Trump é construir uma frente anti-Trump, anticapitalista e anti-imperialista em ambos os lados do rio Bravo. Não é somente enfrentar o Muro de Trump, mas também sua política destrutiva do meio ambiente, seu apoio às grandes corporações extrativistas, sua política contra a discriminação racial e de expulsão dos imigrantes.

É tarefa dos latino-americanos construir este encontro, fazer uma “ponte de prata” para entrelaçar nossas reivindicações e lutas. Derrotar o imperialismo em nossos países é derrotar as grandes corporações e os capitais financeiros dos quais a metade têm sede nos EUA.

A tarefa de uma nova organização internacional que seja um polo real para luta tem passos concretos. Na América e na Europa, a tarefa é unir os movimentos e os anticapitalistas que têm como inimigo comum a troika. A IV (SU) pode desempenhar um papel muito importante para isso. Deveria apoiar esta ideia e também tomá-la em suas mãos.

Apostar na classe operária e no internacionalismo

Em todos estes processos, nossas organizações precisam manter no alto o programa o programa do socialismo. Este não foi derrotado nem tampouco seu sujeito histórico, a classe operária. Este longo interregno ou impasse exige mais consciência política por parte dos socialistas nos processos amplos e na intervenção na luta de classes.

Contra a opinião de que a classe operária encontra-se dormindo e não vai despertar, vale olhar o processo desde um ponto de vista estratégico. A crise do capitalismo se agrava. Por outro lado, os trabalhadores crescem em número a nível mundial; basta ver o desenvolvimento que ocorre em toda a Ásia. Não por casualidade, crescem os socialistas nos EUA e se produz uma renovação interna no trabalhismo inglês, sustentado numa das classes operárias mais poderosas do mundo. Estamos falando do primeiro e do quinto país mais poderosos do mundo.

O socialismo será internacional ou não será. O socialismo se apoia neste processo objetivo que está longe de morrer, uma classe operária internacional.


Notas

1 “A exploração sem limites da força de trabalho comprada e a exploração sem limites e até o esgotamento dos recursos naturais − acompanhados a partir de meados do século XX por modos de produzir e de consumir que provocam o crescimento exponencial das emissões de gás de efeito estufa − vão juntas. Estão contidas na noção de capital e na inseparável produção de mercadorias, uma parte da qual é massiva e socialmente inútil. E sua produção material, é devoradora de recursos que não são ou são dificilmente renováveis assim como fortemente emissores de gases de efeito estufa”. (Chesnais, 2017). Ler em espanhol: <http://vientosur.info/spip.php?article12231>.

2 Ver em espanhol: <http://vientosur.info/spip.php?article9505>.

3 As recuperações econômicas que ocorrem, se por um lado fortalecem a burguesia, por outro lado conferem segurança aos trabalhadores empregados para lutar por mais direitos e conquistas. No caso dos EUA, cresce a luta pelo salário mínimo de 15 dólares por hora.

4 O fenômeno da corrupção é uma questão orgânica do capitalismo acentuada nesta estapa de crise onde a burguesa procura mais e mais o retorno rápido. De conjunto, há uma lumpenização das classes dominantes que parte para a especulação financeira de curto-prazo, o narcotráfico, atividades ilegais ocultadas nos paraísos fiscais (como comprova o Panama Pappers). Para isso, seus agentes governam disciplinadamente e as castas políticas corruptas reforçam sua ligação orgânica ou quase orgânica com estes seotres. Nos negamos a dizer que a corrupção está somente nas castas políticas. Começa na grande burguesia, conforme demonstrado no Brasil, Peru e Venezuela, países alcançados pela Lava-Jato. Luta contra a corrupção é lutar também contra o capitalismo.

5 No registro dos seis anos da revolução de 2011, Gibert Achcar alertava para o fato de que “O que começou na região árabe em 2011 foi, na verdade, um processo revolucionário de longa duração, desde o inicio impossível de prever se levaria anos, décadas, se poderia ou não alcançar um novo período de estabilidade sustentada sem a emergência de lideranças progressivas capazes de guiar os países árabes para fora da crise insuperável na qual se lançaram depois de décadas apodrecendo sob o despotismo e a corrupção” (Achcar, 2017). Ler em: <http://blogjunho.com.br/o-sexto-aniversario-das-revoltas-arabes/>

6 Uma questão é a política internacional do império; outra, a relação entre as massas latino-americanas e americanas. Precisamente o campismo vê o país como um todo, sendo incapaz de separar as classes sociais que os integram e as superestruturas contraditórias que as representam. Isso pode mudar, visto como ocorreu o grande fenômeno Sanders. Nos EUA escancara-se uma forte polarização, resultado das desigualdades crescentes, da luta por novos direitos socias e das lutas dos trabalhadores. É preciso tomar esta situação para ter uma política anti-imperialista. Nós estamos a favor da integração da América em seu conjunto.

7 Com vistas a diminuir os conflitos sociais, os governos do PT e o kirchnerismo usaram a conjuntura econômica favorável para fazer concessões e ajudas assistenciais/bolsas de estudos para as camadas mais pobres da população. Constatou-se também um relativo aumento do poder aquisitivo destes setores.

8 No Peru, embora tenha havido a mobilização dos Cuatro Suyos que derrubou o regime de Fujimori, com Toledo subiu um serviçal da burguesia, cuja política não sofreu mudanças bruscas com Alan García.

9 Este carácter de sub não é nada novo, já que o Brasil desde a II Guerra Mundial tem sido o interlocutor privilegiado dos EUA na América Latina.

10 Associação conflitiva, como definiu o marxista brasileiro Marini.

11 No Brasil, o processo de unidade com a burguesia foi muito profundo, dirigentes petistas ganharam somas astronômicas, bilionárias, como demonstrou a Lava-Jato.

12 Bolívia registra ao redor de 130 golpes de estado nos dois último séculos.

13 Não à toa, Temer fez três viagens para a China, esperando pressionar Trump para que o receba.

14 Ver as lutas do ‘dois por um’, da desaparição de Santiago Maldonado e das greves docentes.

15 Ver as declarações do MES: <http://portaldelaizquierda.com/2018/01/boletin-especial-de-portal-de-la-izquierda-enero-de-2018-2/>

16 Estes mesmos esquemas de corrupção são os que alcançaram toda a casta política da qual os governos do PT fizeram parte.

17 Em 28 de abril de 2017, houve um importante passo com uma greve geral, mas logo se levantou uma greve marcada para 30 de junho.

18 Não se podia exigir que Iglesias apoiasse ferrenhamente o independentismo catalão, o qual carece de simpatia no restante de Espanha. Mas como muito bem observam os companheiros do Sin Permiso, o regime pós-franqusita de 78 vive uma crise sem saída. E ante esta situação, Iglesias não transcende a crítica ao 155, quando o que está colocado ante a falência do regime pós-franquista é um novo Processo Constituinte que consiga uma nova forma de convivência entre as nacionalidades no Estado Espanhol.

Este artigo faz parte da edição n. 7-8 da Revista Movimento. Para ler os demais textos desta edição compre a revista aqui!


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Pedro Micussi