A vitória dos trabalhadores em educação do Amazonas

Trabalhadores da Educação em luta demonstraram que a auto-organização da base das categorias é o caminho para conquistas no movimento sindical.

Marcos Queiroz 10 abr 2018, 00:08

A vitória histórica dos trabalhadores em educação do Amazonas: a rebelião pela base e a Primavera da educação

Com a confirmação pelo TSE da cassação do mandato do governador do Amazonas, José Melo (PROS), no dia 04/05/2017, o caminho ficou “aberto” para retorno de um “velho inimigo” da educação do estado do Amazonas. Em eleições complementares, o ex-governador Amazonino Mendes (PDT) foi eleito para seu quarto mandato. Conhecido por sua truculência ao lidar com trabalhadores em greve, sobretudo com os professores, Amazonino recebeu um Estado que há três anos não pagava a data-base da categoria da educação. Neste período a única conquista dos professores foi um plano de saúde. No campo das organizações dos trabalhadores, nesse contexto, de um lado a direção sindical do SINTEAM – Sindicato dos trabalhadores Educação do Amazonas – que há 14 anos realiza eleições com chapa única, barrando por quatro eleições seguidas a inscrição da chapa de oposição, do outro a ASPROM – Associação dos Professores de Manaus – que foi formada chamando à desfiliação dos sócios SINTEAM e denunciado a sua direção, majoritariamente do PC do B/CTB. Entre o sindicato e a associação está a oposição sindical formada por cinco coletivos.

Com a data base da educação para o dia 1 de março, o governo respondeu a pauta protocolada pela direção do SINTEAM, pauta não debatida com a categoria, com um reajuste de 4,57%, ajustes no plano de cargos e substituição do cartão do vale alimentação, por dinheiro no contracheque. A notícia do reajuste de 4,57% caiu como uma “bomba” na categoria. Há registros que nesse período alguns municípios do interior já realizavam paradas espontâneas. No dia 05 de março foi convocada uma assembleia geral do SINTEAM com a pauta: Campanha salarial da SEDUC 2018, a ironia foi que já havia uma pauta em negociação com o governo. Diante de uma iminente revolta pela base da categoria e da possibilidade da ASPROM capitar essa demanda, a direção do SINTEAM, na referida assembleia, “sinalizou” um dialogo com a oposição, a quem sempre tratou com truculência. Aproveitando a iniciativa do diálogo, a oposição realizou um conjunto de propostas que foram decisivas para o processo e vitória da greve. O foco da política da oposição foi restabelecer um mínimo de democracia entre a direção sindical e a base. Fechamos no acordo com a direção sindical duas propostas: 1- a realização de assembleias zonais de caráter consultivos, que há mais de 13 anos não ocorria, 2 – a participação de sindicalizados e não sindicalizados. Ainda na mesma assembleia a direção sindical apresentou as perdas do período, sem reajustes, 28,5 %, de acordo com DIESE, que foi arredondado para 30% como pauta reivindicatória mais o reajuste do vale alimentação entre outros pontos, e nesse contexto, programaram-se as assembleis zonais.

Entre a realização da assembleia do dia 05/03 e anunciação da primeira assembleia zonal para dia 15/03 as paralizações espontâneas ocorreram em várias cidades do Estado, em especial nas cidades do interior, com destaque para a cidade de Parintins, famosa pelo festival do boi bumbar. O anúncio da suspensão do plano de saúde, a única conquista da categoria nos últimos três anos, foi o “motor” que generalizou o movimento paredista pela base. O efeito dominó com paralização das atividades escolares foi espontâneo em praticamente todas as escolas da capital Manaus e das demais cidades sempre acompanhados de atos de ruas. A ASPROM captou a fúria da categoria e realizou uma assembleia, no dia 16 de março na principal praça da cidade, que contou com cinco mil professores, de acordo com impressa, e deflagrou a greve, que já estava acontecendo de fato no campo politico. A oposição unificada apostou na realização das assembleias zonais, conforme acertadas com a direção sindical. A primeira assembleia zonal ocorreu na zonal leste da cidade, conhecida pela tradição de luta, no dia 15 de março, a oposição-sindical jogou todo “peso” na mobilização para assembleia, visitando escola por escola, nas quais a base não confiava na direção, haja a vista o histórico de traíção da direção sindical. A assembleia leste contou mais mil professores, que deram um show de democracia. Iniciamos com uma saudação à memória e luta da companheira Marielle Franco (PSOL/RJ), que foi lembrada em várias falas. Tal Assembleia foi dirigida pela oposição e professores da base. A fala do presidente do sindicato, o senhor Marcos Libório (PCdoB) foi marcada por vaias e gritos de “traidor”“ vendido”. Foi compreensível a fúria da base, afinal são 13 anos, desde a ultima greve em 2005, sem ter contato com a base. A zonal leste aprofundou a pauta de reivindicações apresentada pela direção sindical: aumentou índice de correção salarial de 30% para 35%, incluindo o ganho real de 5%, ampliou o valor do vale alimentação de R$ 420,00 para R$ 600,00 e cobrou uma assembleia geral, após a realização das zonais, para deflagração de greve pela via legal. As demais assembleias zonas ocorreram nesse ritmo, a direção sindical ouvindo “poucas e boas” da base, e a pauta sendo melhorada.

A assembleia geral para deflagração da greve ocorreu em 22 de março, no ginásio esportivo Rio Negro, aberta para sindicalizados e não sindicalizados, conforme fechado oposição-sindical e direção. A noticia da assembleia geral para deflagração da greve via o SINTEAM levou seis mil professores ao ginásio, inclusive grande parte que estava se “guiando” pela política da ASPROM que seguiu com a politica de ataques à oposição-sindical e à direção sindical. A associação chamou o boicote à assembleia geral do sindicato realizando um ato em frente à sede do governo no mesmo dia da assembleia do sindicato. A oposição continuou apostando no aprofundamento da democracia sindical. Na noite da assembleia geral, reunimos na sede do sindicato a oposição, direção sindical e membros da base. Nessa reunião foi estruturada a ideia do comando geral de greve a ser formada pela direção sindical mais oposição-sindical e representantes das zonais da cidade de Manaus e do interior eleitos respectivamente e suas bases. Em 22 de março foram realizadas mais uma vez as assembleias zonais para estrutura os comandos locais e eleger dois representantes por zonas para compor o comando geral.

Uma nove fase da greve foi iniciada a partir da assembleia geral deflagrada via sindicato, a base ficou mais confiante e um conjunto de atividades de ruas foi implementado em todas as zonas cidades de Manaus e nos demais municípios – que já realizavam protestos por conta própria bem antes das assembleias do ASPROM e do SINTEAM. Porém, nessa etapa o Comando de greve unificado coordenou as atividades, sem interferir na autonomia dos movimentos zonais. Nesse contexto, o governo devolveu o plano de saúde, propôs 14,57% de reajuste, sendo 4,57% e 10% na forma de gatilho até dezembro e cassou a greve da ASPROM via justiça. A greve legal via SINTEA, que foi fruto da politica da oposição, resultou em um grande acerto já que assembleia legal foi o “guarda-chuva” que amparou o movimento, em especial a “base” da ASPROM que migrou em grande parte para a greve legal – inclusive membros do 2º escalão da ASPROM passaram a reunir no comando de greve unificado no sindicato. Essa nova fase também foi marcada pela disputa dos rumos da greve. A ASPROM aprofunda os ataques à direção sindical e, por “tabela”, à oposição sindical, atuando com a tática da contrainformação para desconstruir as atividades do comando unificado. O grupo político de “oposição” ao governador Amazonino, liderado pelo deputado estadual David Almeida (PSB) também entrou na disputa pelo rumo da greve, visando as eleições de 2018. Grupos intitulados independentes passaram a disputar a greve com o discurso “anti-partidário”.

A greve radicalizada, no dia 2 de abril, em uma gigantesca assembleia convocada pelo Comando de greve unificado, na praça do congresso, no centro da cidade de Manaus, conhecida por ser “palco” de manifestações políticas, a categoria rejeitou a proposta do governo de 14,57%. A radicalização foi marcada com um grande acampamento em frente à sede do governo e dezenas de atos de protestos pela cidade, inclusive com participação de estudantes e pais de alunos. A ASPROM enxergou na greve legal a possibilidade de manter a greve por eles deflagrada, e realizou atividades de protestos com menor intensidade que no início da greve por eles capitalizada.

O governo contra ataca: no dia 3 de abril, o secretário de educação, o senhor Lourenço Braga convidou o Comando de greve unificado para apresentar uma nova proposta. Na secretaria de educação, o Comando foi recebido pelo secretário e um batalhão de jornalistas em um grande auditório. Diante da impressa, o secretário fez a “ultima proposta”: 15,57% em duas parcelas e um conjunto de ameaças aveladas, incluídos liminares judiciais e exoneração dos professores de regime direto administrativo. As informações quase instantaneamente chegaram à base da categoria, que reagiu com fúria.

O Comando geral de greve, após longo debate com os representantes zonais, elabora uma contraproposta, na madrugada do dia 3 para o dia 4, com vistas ao dia 06 – data limite para a assembleia legislativa aprovar um PL nos moldes da pauta reivindicatória antes da vigência das restrições da lei eleitoral. A proposta fixou em 27,5% para todos os trabalhadores em educação, não só professores, e auxilio-alimentação para todos (o que antes era restrito aos professores). Com a proposta formulada, as zonais foram mobilizadas para debatê-la pela manhã e a assembleia geral foi convocada para tarde do mesmo dia para aprovar a proposta do Comando. A assembleia geral ocorreu na Arena Amadeu Teixeira. Na abertura o comando geral de greve prestou uma homenagem a Mariele Franco e à professora Soraia, do munícipio de Coari a 780 km de Manaus, que tombou durante a greve. A proposta do Comando unificado 27,5% para todos os trabalhadores em educação foi aprovada com a manutenção da greve, condicionando o fim da mesma a provação da proposta no 6 na Assembleia Legislativa do Estado. O que ocorreu com presença maciça da categoria.

Em tempos de agudos ataques aos direitos conquistados pela classe trabalhadora, a unidade na luta, e a auto-organização dos setores da base das categorias em lutas, com o respeito às decisões democráticas por parte dos dirigentes, foram os caminhos para a vitória histórica dos trabalhadores em Educação do Amazonas.


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Pedro Micussi