A Copa acabou, os debates marcaram

Debates sobre racismo, machismo e xenofobia marcaram a última edição da Copa do Mundo da FIFA.

Carla Zanella e Cilas Machado 19 jul 2018, 15:29

A Copa do Mundo de Futebol Masculino acabou nos deixando abertas diversas feridas ainda inestancáveis nos nossos dias recentes: como o racismo, o machismo e a xenofobia. O mundo viu a jovem negra e imigrante seleção francesa ser bicampeã mundial, viu as denúncias do machismo e do racismo tomarem proporções únicas no decorrer da competição.

Seja o vídeo abominável de brasileiros com uma mulher russa que viralizou nas redes sociais. Seja após a desclassificação do Brasil com pessoas chamando nossos jogadores de “macacos”. Seja por figuras públicas das redes sociais revelando todo seu racismo, saímos da Copa mostrando que somos um país cujo os estoques raciais e de gênero ainda são dominados por um pensamento arcaico e infeliz.

Os debates de raça foram revelados ao tratamento dados às seleções africanas, que mesmo com a massiva maioria de seus jogadores participando das ligas internacionais mais competitivas do mundo, eram lidos pelos analistas como “desorganizados”, “perdidos” e “sem tradição”. O único técnico negro, o senegalês Aliou Cissé, também representou o menor salário desta posição na competição.

A campanha da Fifa contra o racismo não foi o bastante para reposicionar atitudes, principalmente vindas de nosso país, mas mostrou que o impacto da luta antirracista é irreversível. Provocou diversos noticiários e figuras públicas a debaterem a situação e a fazerem autocrítica, assim como possibilitou que milhares de pessoas pelo mundo pudessem ter o mínimo de acesso em suas casas sobre debates tão candentes para nós negras e negros, que o movimento negro há anos denuncia.

A discussão sobre migração é outra marca dessa Copa, ou vamos nos fechar para o fato de que três das quatro seleções finalistas – Inglaterra, Bélgica e França – tiveram em seus elencos jogadores naturalizados e imigrantes, principalmente de países do continente Africano? Justamente num momento pelo qual o governo francês endurece suas políticas migratórias, aliado com diversos outros países europeus e os desmandos de Donald Trump nos EUA, contribuem para o aprofundamento da crise migratória que estamos vivendo. Contudo, essa Copa mostrou que tudo isso não foi o bastante para a estrela de Paul Pogba, imigrante negro, acabar com a partida da inédita finalista seleção croata, branca e europeia.

O debate de gênero no esporte com poucas jornalistas mulheres, o assédio sofrido pela jornalista brasileira Júlia Guimarães ao vivo, e a campanha #DeixaElaTrabalhar que denunciou o assédio no trabalho que as jornalistas brasileiras são vítimas todos os dias, foram momentos únicos da Copa. Não bastasse toda esta situação, tivemos ainda o anúncio de telejornalismos como a Globo News fazendo uma seção de sua cobertura dizendo que na Rússia não existia feminismo ou que esse movimento era muito “fraco”…

Engano deles!

A Copa terminou nos deixando o legado da interseccionalidade enquanto um método revolucionário, na entrada do movimento feminista Pussy Riot invadindo o campo e denunciando os abusos da Rússia de Putin, a foto que toma as redes sociais e a cobertura jornalística de todo o mundo é a de uma militante feminista cumprimentando o melhor jogador jovem da competição, o francês, imigrante negro, Kylian Mbappé.

Uma Copa que o técnico da nossa seleção se recusou a ir, na vitória ou na derrota, para Brasília ao encontro do presidente ilegítimo e golpista, Michel Temer. Uma Copa que deixa as carreiras jornalísticas de gente que passou gerações, como Galvão Bueno, incerta. Uma Copa de despedidas, com Arnaldo Cézar Coelho e a carreira de comentarista de arbitragem, com a estrela de Cristiano Ronaldo deixando o Real Madrid. Uma Copa para o depoimento de Walter Casagrande nos fazer repensar a política de drogas e como podemos recuperar nossos talentos pelo meio do esporte e da saúde pública. Uma Copa da criatividade para garantir direitos mostrando que o arco-íris das LGBTs não deixará de brilhar por ordem de governo algum!

Uma Copa para deixar certas marcas e inquietudes para reorganizarem nossas atitudes e elaborações políticas, e mostrar que futebol e política mais do que urgentes de serem discutidos, nos revelam muitas das coisas que o início do nosso jovem século aprofunda. E no meio de tudo isso, mostrando que essa Copa, embora masculina, eterniza a luta das mulheres com a jogadora brasileira, mulher negra, Marta Vieira da Silva superando as marcas de Pelé e se tornando Embaixadora da ONU Mulheres.

Haja coração!


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