Desmoronamento do regime Ortega-Murillo

Sociólogo analisa as forças políticas em disputa na crise nicaraguense.

William Robinson 16 jul 2018, 12:56

Em meio à decomposição cada vez maior do regime Ortega-Murillo na Nicarágua, uma boa parte da esquerda internacional se aferra à patética ilusão de que a crise de algum modo é um complô urdido por Washington para desestabilizar uma revolução. Neste momento, trava-se uma batalha sobre o desenlace do regime e o futuro do país. Em termos muito simplificados, há três forças que estão em disputa:

A primeira é o próprio regime. Ortega está atrincheirado em sua casa-fortaleza em El Carmen, da mesma forma em que Somoza foi atrincheirado em seu bunker nos meses anteriores a sua derrubada em julho de 1979 pela insurreição popular. Ortega está isolado e cada vez mais encurralado. Pode contar com uma base de apoio diminuído mas não insignificante entre aqueles sandinistas que não abandonaram o partido nas duas décadas passadas, e ainda quando houve um maior êxodo de militantes históricos desde que se desatou a repressão em abril passado.

Ortega conta com forças paramilitares encapuzadas que o regime armou e organizou e que funcionam como um grupo de choque nas sombras, paralelamente à polícia e, ao que parece, certos elementos do exército, embora a instituição militar não tenha se envolvido no conflito. Se não forem desarmadas estas forças paramilitares, Nicarágua enfrentará uma situação similar à dos países do Triângulo do Norte (Guatemala, Honduras, El Salvador) com o crime organizado e violência de gangues e paramilitares, ao lado da corrupção do Estado e da pilhagem do capital transnacional. Há várias semanas começou um êxodo de migrantes que abandonam o país.

A estratégia do regime é desgastar e desarticular a resistência desde abaixo por meio de uma constante repressão de baixa – e em certos momentos de alta – intensidade, e de maneira paralela, negociar com a burguesia e os Estados Unidos uma chamada aterrissagem suave que permita ao regime e seus adeptos preservar seus interesses econômicos e até reconstituir-se politicamente e competir nas eleições que – segundo o plano – se adiantariam de 2022 para o começo do próximo ano. No entanto, o regime perdeu sua legitimidade e a mesma não pode ser ressuscitada.

A segunda força é constituída pelos estudantes, jovens e camponeses anti-canal, junto com as massas nos bairros populares de Manágua e outras cidades, lutando para ganhar a vida no avultado setor informal. Estes setores impulsionaram a sublevação em abril passado, surpreendendo o regime e a burguesia. Mas uma coisa é lançar uma resistência, e outra coisa é construir uma contra-hegemonia. Desgraçadamente, o orteguismo tanto monopolizou e perverteu um discurso de esquerda que hoje não existe uma alternativa esquerda de maior peso na Nicarágua. Estes setores populares desde abaixo não têm projeto próprio que se poderia postular como alternativa viável ao regime. Esta realidade lhes deixa suscetíveis à manipulação e a cooptação por parte da terceira força.

Esta terceira força é a burguesia, organizada no Conselho Superior da Empresa Privada (Cosep), a elite oligárquica, o capital transnacional e Estados Unidos. A burguesia esteve estreitamente alinhada com o regime e somente rompeu com Ortega em maio, quando já se fez evidente que havia perdido sua legitimidade e sua capacidade de governar e defender os interesses capitalistas. O que Washington e a burguesia mais temem não é o regime. Assombra-lhes uma insurreição dos pobres e dos trabalhadores que eles mesmos não possam controlar e que poderia desembocar num vazio de poder que ameaçaria seus interesses de classe. Desde maio, a burguesia, em coordenação com Washington, tentou sequestrar a sublevação popular para uma estratégia de aterrissagem suave sob sua hegemonia.

Neste momento, trava-se a batalha crucial para o desenvolvimento da luta anti-regime. Quem dará liderança e quem exercerá a hegemonia sobre esta luta? Que tipo de cenário pós-Ortega se desenvolverá? A armadilha da falta de um projeto popular articulado na Nicarágua e a ausência de organizações de base à esquerda que possam desenvolver tal projeto foram agudizadas pela traição da esquerda internacional, precisamente num momento no qual o capitalismo global enfrenta uma profunda crise estrutural e quando o fascismo do século XXI está em ascenso ao redor do mundo.

Artigo originalmente publicado no portal La Jornada


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