Bernie Sanders: “Política boa é política ousada”
Bernie Sanders fala sobre a vitória de Alexandria Ocasio-Cortez, o sucesso de Jeremy Corbyn e por quê o seu programa está ganhando estados por todo o país.
Após diversos desafios vitoriosos da esquerda contra os democratas do establishment, no qual o caso Alexandria Ocasio-Cortez em Nova Iorque é o mais notável, o senador de Vermont Bernie Sanders não está dizendo “eu avisei” a ninguém.
Mas Sanders há muito argumenta que “melhor do que os republicanos” não é suficiente para que o Partido Democrata (ou qualquer um) ganhe a eleição. Uma visão política ousada é necessária para entusiasmar os eleitores. Não há como saber o que acontecerá com desafiantes progressistas como Ocasio-Cortez e o candidato a governador de Maryland, Ben Jealous, se e quando assumirem o cargo. Porém suas campanhas parecem reivindicar a argumentação básica de Sanders sobre o apelo da política anti-establishment, sem remorso.
Em entrevista recente para Daniel Denvir do podcast The Dig, da rádio da Jacobin, Sanders discute Alexandria Ocasio-Cortez e outros terremotos dentro do Partido Democrata, e porque uma visão política ousada é uma boa política.
Daniel Denvir: O que você tem a dizer sobre a vitória de Alexandria Ocasio-Cortez? Você acha que o establishment Democrata está honestamente pensando sobre o significado, para a política americana, da vitória de uma socialista democrata sobre um dos homens mais poderosos do Congresso?
Bernie Sanders: Não, eu não acho que a cúpula do Paritdo Democrata realmente compreenda o significado da vitória de Alexandria. Ela ganhou muita atenção e sua vitória foi extraordinária. Ela fez uma campanha realmente esperta e de base. Ela bateu em muitas portas. Ela teve excelentes voluntários. Foi uma campanha brilhante. Mas não é somente Alexandria.
Na mesma noite que ela ganhou, Ben Jealous venceu o establishment democrata em Maryland e se tornou o candidato a governador. Nesta mesma noite, diversos jovens progressistas da área de Baltimore derrotaram membros do governo do estado no senado. Nós estamos vendo este tipo de ativismo em todo o país: pessoas que fazem campanhas progressistas e de base estão indo muito, muito bem e vencendo de políticos do establishment.
Nancy Pelosi, líder da Minoria na Câmara, disse recentemente que o socialismo não é um movimento ascendente no Partido Democrata. O que você tem a dizer sobre isso?
Socialismo, Capitalismo — estas são grandes palavras que podem significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Se você analisar o que Alexandria estava falando, o que eu falo, o que outros progressistas falam, o discurso em geral é muito popular não apenas entre pessoas que se consideram democratas ou progressistas, mas pela maioria do povo americano. É importante entender que as ideias pelas quais eu luto, pelas quais Alexandria luta, são ideia muito populares.
Por exemplo, atualmente nós temos um salário mínimo de US$7,25/hora, o que é essencialmente um salário que te fez passar fome. Ninguém consegue viver com isso. Quando nós lutamos por um salário mínimo de U$S15/hora, nós temos o apoio dos americanos.
Quando nós falamos sobre salário igual para homens e mulheres, o povo americano apoia de forma massiva. Saúde universal para todos, que há poucos anos era uma ideia que parecia radical, hoje é majoritariamente apoiada. O povo americano entende que um plano de saúde é um direito, não um privilégio. O sistema de saúde hoje funciona bem para os mais velhos e não há razão para não ser expandido para todos os homens, todas as mulheres e todas as crianças do país com o intuito não só de fornecer assistência médica a todas as pessoas, porém também de poupar dinheiro para a área da Saúde. Hoje nós gastamos muito mais per capita do que qualquer outro país.
Quando falamos sobre a ganância da indústria farmacêutica — na qual, no ano passado, cinco empresas farmacêuticas lucraram US$50 bilhões, pagando aos seus diretores executivos pacotes absurdos de indenização, enquanto um em cada cinco americanos não pode sequer pagar pelos medicamentos prescritos pelos médicos — os americanos estão conosco. Quando falamos em exigir que as pessoas mais ricas, que estão indo muito bem, comecem a pagar sua parte justa dos impostos, o povo americano apoia isso.
Quando falamos sobre tornar as faculdades e universidades públicas gratuitas, o povo americano apoia isso. Eles apoiam a reforma da imigração. Eles apoiam a reforma da justiça criminal. Na Filadélfia, Larry Krasner fez um ótimo trabalho nesse sentido.
Você pode rotular essas coisas da maneira que quiser, mas eu chamo de idéias básicas que lidam com justiça social, econômica, racial e ambiental. O povo americano está conosco nisso.
Sua colega, senadora Tammy Duckworth, uma democrata de Illinois, sugeriu na CNN que as ideias adotadas na campanha de Alexandria por Ocasio-Cortez não poderiam ter sucesso em lugares como o Centro-Oeste. Qual sua resposta?
Alexandria deu uma boa resposta. Ela disse que, em muitos dos estados do Centro-Oeste, nós fomos muito, muito bem nas primárias presidenciais democratas em 2016, inclusive ganhamos em alguns deles. Nós vencemos em Indiana. Nós vencemos em Michigan. Nós vencemos em Wisconsin. Em Illinois perdemos por muito poucos. As idéias sobre a qual estamos falando fazem sentido em todos os estados do país.
Há quatro anos, nas eleições do meio do ano de 2014, tivemos a menor participação eleitoral em sete décadas. Nós tivemos cerca de 36% do povo americano votando. Quando os americanos comuns se desmoralizam e desistem da política e não votam, os republicanos se saem muito bem. Se você se recorda, há quatro anos os republicanos varreram a Câmara e o Senado e se saíram muito bem nas eleições dos legisladores estaduais e do governador em todo o país porque tivemos a menor participação eleitoral em setenta anos.
Quando você pergunta às pessoas: “A saúde é um direito de todos?” As pessoas respondem: “Sim.” Não há motivos para não nos unirmos a nenhum outro grande país do mundo para garantir assistência médica a todos. Quando você fala sobre o absurdo de centenas de milhares de pessoas jovens e brilhantes que hoje não têm condições de pagar faculdade enquanto milhões de pessoas deixam a escola profundamente endividada – falei com tantos jovens e pessoas de meia-idade que saíram da escola com dívidas de US$50.000 e US$100.000. Por qual crime? Querer ter um diploma. Essas não são ideias radicais. Quando você fala sobre estas ideias, as pessoas dizem: “Sim, está certo. É o que temos que fazer. ”Então eles saem e votam – e os progressistas e o Partido Democrata vencem. É um sonho para o Partido Republicano quando não existe um programa que agrade os trabalhadores, quando não há ideias que animam as pessoas, quando há baixa participação eleitoral. É quando eles ganham a eleição.
Sua fala soa como uma estratégia que enfatiza a importância de expandir o eleitorado ao invés de tentar dialogar, por exemplo, com Republicanos que se ofendem com algo que Trump diz.
Creio que não é nem um nem outro. Existe muita gente neste país ofendida com o fato de que o presidente dos Estados Unidos é um mentiroso, que o presidente dos Estados Unidos é um racista, sexista e xenófobo.
Você não precisa ser progressista para ficar enojado com o fato de a administração de Trump separar crianças de três e quatro anos de seus pais. Os conservadores também sentem raiva por isso, em todo o país. Eles entendem que os Estados Unidos não devem ser isso.
Existe muita gente, republicanos moderados, que estão chocados com o comportamento de Trump e que estão preparados para votar no Partido Democrata. Mais importante que isso, é preciso entender que nós temos o menor eleitorado de grandes países. Nós precisamos falar para a classe trabalhadora, a qual é branca, negra, latina, asiática, indígena e falar sobre questões que façam sentido para eles. Se conseguirmos elevar o eleitorado de 36%, de 2014, para 50% em 2018, o Partido Democrata controlará o Congresso – tenho certeza absoluta disso.
A meta é organizar e educar, porém você não vai conseguir fazer isso se você não falar sobre problemas que são importantes para a classe trabalhadora.
O debate em relação às eleições sempre aparece na esquerda. Muitas pessoas do Democratic Socialists of America (DSA) defende apoiar candidatos nas primárias do Partido Democrata, como aconteceu na sua campanha de 2016 e na de Ocasio-Cortez, porém também acreditam que é necessário construir uma alternativa mais radical e independente do Partido Democrata.
Você se elegeu como político independente e se manteve assim. Em Vermont, o Partido Progressista, que surgiu para apoiar a sua candidatura à prefeitura de Burlington, agora elegeu pessoas por todo o estado. Do seu ponto de vista, como seria o equilíbrio ideal entre construir uma alternativa independente e concorrer pelo Partido Democrata?
Não foi bem assim em Burlington. Naquela época, em tempos antigos, em 1981, nós fizemos o que eu acreditava. Nós fizemos aliança. Nós fizemos aliança com os trabalhadores, com os sindicatos, com os ambientalistas, com as mulheres. A partir disso surgiu o Partido Progressista, que está indo relativamente bem em Vermont agora. Tenho certeza que o Partido Progressista tem mais membros em Vermont do que em qualquer outro partido que não seja o Republicano ou Democrata. Isso se dá pelo fato de que eles fizeram um ótimo trabalho em focar nas necessidades da classe trabalhadora. É possível que haja uma exceção ou outra em algum lugar do país, mas a orientação é de seguir com o Partido Democrata. Nós estivemos tentando, com relativo sucesso, não somente abrir as portas do Partido Democrata para a classe trabalhadora e para os jovens, mas também mudar as regras do partido. Nas primárias presidenciais do Partido Democrata de 2016 houve superdelegados muito poderosos. Se não me engano, Hillary Clinton teve o voto de quinhentos superdelegados antes do primeiro voto real ser lançado em Iowa.
O que fez com que a nomeação se parecesse muito mais com uma coroação.
Exatamente. Estou a ¾ do caminho em um processo muito trabalhoso do Comitê Nacional Democrata (DNC) para mudar esta regra e eliminar a habilidade dos superdelegados de votar no primeiro momento. Isto seria um grande passo.
Estamos lidando como nação com supressão de voto. Todo mundo diz “Bom, estes são os estados republicanos. Alabama, Mississippi, Wisconsin”. Adivinha? É o estado de Nova Iorque também. Se você quisesse votar nas primárias do Democrata em Nova Iorque, você teria que alterar a sua filiação seis meses antes do dia da primária, o que é completamente espantoso.
O que acontece em Nova Iorque é um conluio entre o Partido Democrata e o Partido Republicano para estabelecer uma política de proteção mútua. Isso tem que mudar. Nós estamos trabalhando para mudar isso.
Estamos progredindo de muitas formas, não só elegendo progressistas, mas também mudando as regras ao tentar abrir as portas e fazer as pessoas entrarem.
Quais lições você acha que os Estados Unidos podem tirar da luta no Reino Unido contra Theresa May, lidera pelo Partido Trabalhista e Jeremy Corbyn?
Corbyn fez uma campanha muito esperta. É similar ao que estamos tentando fazer nos Estados Unidos. Ele pegou todo o establishment do Partido Trabalhista, o qual havia se deslocado para muito longe da direita, se tornou muito establishment e disse “Nosso trabalho no Reino Unido é representar a classe trabalhadora e lutar contra os ricos e poderosos.” Ele apareceu com um programa muito progressista que dialogou com a imaginação da classe trabalhadora e dos jovens. Eles acabaram perdendo, porém indo muito melhor do que era imaginado.
Corbyn enfrentou os conservadores e o establishment. Os progressistas estão nesta mesma situação nos Estados Unidos.
Precisamos falar sobre um programa que faça sentido para a classe trabalhadora. Ao entender que vivemos em um tempo de desigualdade de renda e riqueza, que temos um sistema político que é um sistema de corporações que permite que bilionários comprem as eleições, que, no meio disso tudo, é preciso ser ousado. É preciso ter coragem para enfrentar os interesses dos ricos que têm tanto poder na nossa sociedade e lutar com a classe trabalhadora. Quando você fizer isso, o resultado não é somente um bom resultado eleitoral, como uma melhora da vida nos Estados Unidos.
Entrevista publicada originalmente pela Jacobin e traduzida por Adria Meira para a Revista Movimento.