Esta guerra não é comercial

A guerra continuará porque os EUA não voltarão a ter a hegemonia de que beneficiavam até agora: nosso tempo será de tensão comercial e política.

Francisco Louçã 23 jul 2018, 19:45

Entra Trump na cimeira da NATO e exige aos aliados o pagamento dos 2% prometidos para a defesa, insinuando que há contas atrasadas. Subiu depois para 4%. Para Portugal isso significaria cerca de oito mil milhões por ano (já para conseguir metade o governo pede financiamento externo). Ao mesmo tempo, o presidente norte-americano aplica tarifas alfandegárias contra os europeus, como se fossem ameaça para a sua segurança. Entendamo-nos, há aqui uma guerra e não é só comercial. E vai continuar.

O meu botão é maior do que o teu

A estratégia de Trump, alinhavada em tweets e prosápias, tem uma lógica que não deve ser ignorada: afirma o poder militar e político. Desviar recursos de outros países (os tais 4%), mostrando que o meu botão é maior do que o teu, como Trump dizia a Jong-un, é para isso uma política coerente.

Assim, os EUA usam as armas que lhe restam no plano económico, como o dólar, cuja supremacia garante o financiamento da sua dívida nacional, e a capacidade tecnológica e científica de ponta. Mas na produção de massas e mesmo em algumas tecnologias, outras economias já ultrapassaram os EUA e portanto querem o comércio livre. Por isso, aos países europeus, que têm um superávite comercial, Trump exige que paguem as contas da defesa e que restrinjam as suas exportações, e vira-se contra a China com medidas que horrorizam os economistas liberais. Krugman chama a isto a política vudu.

A lei da força

O problema não é novo. Adam Smith, que ganhou os seus pergaminhos estudando a evolução comparada das economias, mostrava com candura que o comércio livre é sempre a vantagem do mais forte: “Quando um homem rico e um homem pobre fazem um negócio, ambos aumentarão a sua riqueza, mas a do homem rico aumentará em proporção maior do que a do homem pobre. Do mesmo modo, quando uma nação rica e uma pobre estabelecem uma relação comercial, a nação rica terá a maior vantagem, e por isso a proibição desse comércio é-lhe mais prejudicial”.

Um século mais tarde, um presidente norte-americano, o general Ulysses Grant, explicou a um grupo de empresários o que faria o seu país nos séculos seguintes: “Durante séculos a Inglaterra apoiou-se no protecionismo, levou-o a extremos e conseguiu assim resultados satisfatórios. Não há nenhuma dúvida de que foi a este sistema que ficou a dever a sua força atual. Depois de dois séculos, a Inglaterra achou conveniente adotar o comércio livre porque pensa que o protecionismo já não lhe pode oferecer nada. Muito bem, cavalheiros, o meu conhecimento do nosso país leva-me a acreditar que dentro de 200 anos, quando a América tiver tirado da proteção tudo o que esta pode oferecer, também adotaremos o livre comércio”. Bastou meio século. Assim que se tornaram a potência dominante em termos económicos e tecnológicos, e logo depois monetários, os EUA passaram a defender o comércio livre que dominavam. Perdendo hegemonia, voltam ao protecionismo.

A lei é portanto simples: o mais forte defende o comércio livre, o mais fraco resiste. Os EUA procuram agora a guerra comercial porque a sua economia é vulnerável. Assim, esta guerra continuará porque os EUA não voltarão a ter a hegemonia de que beneficiavam até agora. O nosso tempo será de tensão comercial e política.

O poder dos fracos

Na época dos nossos pais, um economista liberal e defensor do comércio livre, John Keynes, testemunhando perante uma comissão parlamentar nos anos trinta do século passado, reconhecia a evidência que o atormentava: “Tenho muito receio do protecionismo como política de longo prazo, mas nem sempre podemos adotar uma visão de longo prazo (…) a questão, na minha opinião, é até que ponto estamos preparados para arriscar desvantagens de longo prazo para conseguir alguma ajuda na nossa posição imediata”. Ou seja, a dificuldade leva a condicionar o comércio.

A escalada de medidas de Trump contra a China é ilustrativa dessa aflição. Em fevereiro o alvo eram os painéis solares e máquinas de lavar, que valem menos de 10 mil milhões de dólares, em março eram o alumínio e aço, num total de 46mM, em abril a conta subia para 50, em maio para 100 e em junho surgiu a ameaça de atingir os automóveis, no valor de 275 mil milhões. Em julho o alvo duplica. As taxas em vigor desde a última 6ªf são só o início, mas esta semana a Casa Branca já ameaçou aplicar mais 10% sobre outros 200mM de exportações chinesas. Assim, Trump, que parece perdido, só faz o que outros antes dele já defenderam. Só que na história nunca houve uma potência dominante a provocar a guerra comercial. Estamos então a assistir à decadência de uma época. É isso que é perigoso. Trump abre as portas dos infernos.

Artigo originalmente publicado no Facebook do autor.


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Camila Souza