Manágua, Julho de 2018

Secretário de Relações Internacionais do PSOL exige o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com o governo de Ortega, na Nicarágua.

Israel Dutra 11 jul 2018, 12:29

A preciosa revolução popular de julho de 1979 comemora seu 39º aniversário em meio a uma grande tragédia. O governo de Ortega e Rosário Murillo manobra com a chamada “mesa de diálogo” para estancar as manifestações populares, enquanto utiliza forças regulares e forças paramilitares para reprimir e matar.

Como forma de sufocar os “tranques”, bloqueios de estrada que paralisaram o país e tem seu epicentro nas cidades conhecidas como bastiões da revolução, Masaya e Leon, o governo acelerou o método do terror, da tortura, do sequestro e dos assassinatos. Apesar de dolorido, diferentes setores já aceitam a ideia de que Ortega/Murillo são uma verdadeira ditadura. E uma ditadura assassina. Manágua, antes exemplo mundial de liberdade e compromisso, com a grande revolução de 1979, é hoje símbolo da opressão e do autoritarismo.

A revolução que encantou os corações do mundo deixou profundas marcas, fora da Nicarágua, inclusive. A cultura pop foi marcada pela tomada do poder na insurreição de Manágua e a derrubada da família Somoza. Foi uma revolução em meio a uma virada geracional, com o advento mundial de novas formas de cultura como o punk rock.

Quem foi jovem nos anos 80 e 90 em Porto Alegre cantou o refrão de “Sandina”, da banda Replicantes, onde a alusão era direta: “Minha garota foi para Manágua/ lutar pela revolução”. Os gaúchos se inspiraram não só na revolução do país centro-americano, mas também no álbum mais cultuado do The Clash, de nome “Sandinista”, lançado em dezembro de 1980. Ou seja, o repertório da força do povo nicaraguense comoveu o mundo e gerações de jovens. Sem falar em outras formas de apreciação, como delegações para brigadas de solidariedade, livros, filmes e reportagens.

A Manágua de 2018 chora por seus mortos, também jovens, com pouco ou quase nada a perder. À diferença de Somoza, hoje o clã Ortega domina, desde sua luxuosa mansão, o conjunto do aparato de Estado e tem a favor de si o silêncio de parte da comunidade internacional. E numa guerra, para não dizer massacre, a questão das notícias e da sensibilidade da “comunidade internacional” é decisiva.

Um governo com “licença para matar”

Numa entrevista recente, o secretário de Relações Internacionais, da FSLN, Jacinto Suarez, justificou assim a repressão

“ Aqui houve um protesto, inventaram um morto. Aí desencadeou outro efeito: os mortos, os mortos, os mortos. Há mortos falsos e mortos verdadeiros. Temos um monte de mortos do nosso lado e do outro lado também. Esses manifestantes estão armados e vocês sabem. Talvez não os manifestantes, mas os que promovem os bloqueios de estrada. Veja, quando entraram em Masaya houve três mortos porque resistiram e a polícia respondeu.”

A justificativa da burocracia orteguista é trágica. Contudo, é necessária para garantir o silêncio cúmplice de parte das forças que compõe o Foro de São Paulo, invisibilizando os resultados e a natureza do massacre em curso contra o povo.

Ortega se aferra o poder e promoveu um banho de sangue no último final de semana, dos dias 7 e 8 de julho. Através de bandas paramilitares, fortemente armadas, que desfilam em caminhonetes Hylux, despeja ódio contra a rebeldia popular. Segundo fontes ligadas à organismos de direitos humanos, apenas em duas cidades, Jinotepe e Diriamba, 14 pessoas foram mortas, para estancar os bloqueios e mobilizações.

Na próxima quinta-feira, 12 de julho, está convocada uma marcha nacional. Na sexta-feira, 13 de julho, se prepara uma greve geral como forma de responder a repressão. O fato é que o governo recuperou terreno, ao desmontar os bloqueios de estrada, buscando esmagar com sangue a repressão. As negociações fajutas ajudam o governo a “respirar” diante a opinião pública, ganhar tempo e armar nos seus subterrâneos a perseguição e a repressão seletiva. O impasse das semanas anteriores começa a pesar contra os setores em luta, desorganizados e desarmados. Instalar o caos é a tática orteguista para aplacar os opositores internos e justificar suas medidas externamente, escudados em posições dos setores campistas da esquerda e da centro-esquerda internacional.

As cifras impressionam. São mais de 300 mortos.

Romper o cerco do silêncio!

Diversas vozes se levantam no mundo. Apesar do bloqueio das correntes do Foro de São Paulo, intelectuais e ativistas do mundo questionam a política e os métodos de Ortega e a da atual FSLN. Além do manifesto que circula nas redes sociais com nomes de peso, a escritora colombiana Laura Restrepo tem organizado iniciativas em favor da luta democrática do povo nicaraguense. Boaventura de Souza Santos escreveu um artigo  onde cobra que “ boa parte da esquerda internacional e mundial manteve( e segue mantendo) o mesmo silêncio cúmplice? “

O cantor e compositor que fez a canção que se tornaria o hino da revolução, Meijia Godoy, regravou a celebre “Aguante Monimbó”, agora em homenagens aos mártires recentes.

No Brasil, a versão em português do manifesto começa a circular. Diversos grupos de nicaraguenses têm feito debates e palestras para romper o silêncio. Estivemos em Porto Alegre, através do mandato do vereador Roberto Robaina, num painel com a professora universitária Ana Mercedes Icaza e da socióloga Ana Marcela Sarria, numa brilhante exposição sobre o contexto atual da Nicarágua e o terrorismo de estado.

Numa batalha diária o silêncio se torna cumplicidade com o governo assassino de Ortega. É necessário denunciar e fazer circular a solidariedade, exigindo a ruptura imediata das relações diplomáticas com o governo da Nicarágua, bem como ir às ruas, universidades, sindicatos, locais de trabalho e estudo para colocar no centro do debate o processo em curso.

Os setores democráticos e a esquerda como um todo devem se pronunciar imediatamente contra a repressão. Os organismos e ativistas de direitos humanos devem fazer o mesmo. A Manágua de julho de 2018 não pode ficar sozinha!


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