Por que Alexandria Ocasio ganhou?

A vitória de Alexandria Ocasio-Cortez é um tiro na máquina democrata. Veja como isso aconteceu.

Michael Kinnucan 9 jul 2018, 14:47

Quanto mais você conhece a política nova iorquinha, mais surpreso fica com a vitória de Alexandria Ocasio-Cortez sobre Joe Crowley. Crowley não era somente o quarto democrata mais cotado do Congresso, como era também a força dominante na política do Queens durante toda uma década – Ele era o Rei da máquina do Queens. A extensão em que Crowley e o “condado” exerceram o poder em todas as disputas no Queens e, mais amplamente, sobre as políticas de Nova York é difícil de expor e exagerar. Há apenas seis meses, Crowley forjou um novo orador para o conselho da cidade – a segunda posição mais poderosa no governo da cidade. O fato de que ele foi derrubado por uma outsider é nada menos que deslumbrante; os centros de poder da política de Nova York estão se recuperando. Se Crowley pode ser derrotado, ninguém está a salvo.

Eu sou membro do Democratic Socialists of America (DSA) e faço trabalho eleitoral no Brooklyn. Acompanhei de perto a campanha de Ocasio-Cortez, apesar de não ter trabalhado diretamente nela.

A partir de agora você deve respeitar um pouco menos minhas visões sobre a política de Nova Iorque, afinal eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer. No começo eu pensava: “Isso será legal, porque ela é surpreendentemente boa. Ela vai ter 30% [dos votos], o que prejudicará a aura de Crowley e o poder da máquina. Acima de tudo, será bom para construir o DSA”. Eu estava pronto para, no momento em que ela perdesse, anunciar o crescimento do DSA (o que ocorreu de forma grandiosa, como muitas vezes a eleição faz acontecer). Foi só nas últimas semanas que eu comecei a sonhar com 40%. Fiquei encantado quando ela ganhou. Foi um choque tanto para a máquina como para nós mesmos. Até agora há lições que podemos tirar disso tudo.

Máquina, Dinheiro e Mídia

Então, ex post facto, por que isto aconteceu? Como aconteceu? Quer dizer, não dê ouvidos a mim, mas:

  • Há muito tempo venho dizendo que a terminologia da “máquina” é uma fonte de confusão. Historicamente, uma máquina política urbana distribuía enormes quantias de patrocínio diretamente para um grande número de pessoas e, portanto, tinha a fidelidade de um grande número de pessoas. Isso foi, na verdade, algo bom: dar empregos para a classe trabalhadora em troca de lealdade política não é o socialismo, mas é melhor do que os reformistas estavam tentando fazer. Porém, no decorrer da História, a máquina perdeu sua capacidade de fornecer esse tipo de patrocínio e atualmente “a máquina”, como existe no nível do condado, distribui coisas como julgamentos para um pequeno número de pessoas nos bastidores – e só. Por essa razão, seu interesse em obter votos e sua capacidade de obtê-los diminuiu de forma massiva, ao passo em que desenvolveu um forte interesse em acabar com o comparecimento às urnas e com a política. Eis a razão de sua vulnerabilidade. “Comparecimento às urnas e vitória” pode não ser uma estratégia plausível em uma eleição presidencial em que 60% das pessoas não votam, mas quando estamos lidando com uma primária onde 3% dos eleitores (10% dos Democratas) estão votando, bom, existem pessoas que estão perto o suficiente para serem politicamente engajadas e que podem fazer você aumentar em até 15% o comparecimento às urnas. E se você pode fazer isso (batendo nas portas), você pode dominar as eleições.
  • Crowley era muito poderoso, mas “poderoso” significa “comandar as cordas do poder de seu partido”, não “capaz de ganhar votos magicamente”. Estas duas coisas estão vinculadas – Crowley podia e de fato controlava o dinheiro, os apoios, etc – porém não significam o mesmo. É tolice pensar, como eu pensei, que só porque Crowley era o Democrata mais poderoso do Queens, que ele era o menos vulnerável eleitoralmente. A tendência era pensar que ninguém poderia desafiá-lo, quando, na verdade, o fato era que ninguém havia ousado fazê-lo.
  • Candidatos de qualidade. Se você já esteve em uma sala com Ocasio-Cortez, você entende o que quero dizer. Ela tem “a coisa”. Você não precisa da “coisa”, muitos dos políticos não têm, mas quando você encontra, a história é outra.
  • Pessoas brancas representando distritos com minorias são intrinsecamente vulneráveis. Há mais do que isso no Queens. Faça uma lista e vá até eles.
  • A base dos Democratas é consistentemente e quase universalmente à esquerda do partido eleito. Bem à esquerda. Não apenas pessoas do DSA, mas também do Indivisible estão à esquerda de seus representantes. Há uma lacuna real entre os políticos cujos instintos foram forjados por Reagan-Clinton e o resto de nós cujos instintos mudaram com 2008 e mudaram ainda mais após Trump. A cobertura da imprensa nacional extremamente favorável deu a Ocasio-Cortez certa credibilidade e uma grande quantia de dinheiro. Quando se é um outsider é muito difícil se separar das dezenas de candidatos marionetes que têm 5% todos os anos. Ter uma cobertura do Intercept é importante para isso. Também é importante para atrair doações de pequeno valor. Entretanto, esse elemento da campanha da Alexandria Ocasio-Cortez não é de fácil reprodução: se quisermos que não apenas um, porém dúzias de socialistas concorram a um cargo no Congresso (e como queremos isso!), nem todos podem ser o foco da atenção da mídia ou das pequenas doações. Precisamos pensar de forma mais sistemática sobre de onde virá o dinheiro.
  • Falando em dinheiro: Alexandria Ocasio-Cortez arrecadou mais de US$300.000 concentrados ao fim da campanha, após ela se tornar viral. Porém os gastos da campanha não foram tão altos assim. Isto pode te convencer que dinheiro não importa, o que certamente seria a conclusão errada. Uma versão da campanha de Ocasio-Cortez sem equipe, comitê e estrutura (em outras palavras, sem ultrapassar US$100.000) não teria chego a lugar algum. O que a sua vitória demonstra é a utilidade decrescente do dinheiro: os primeiros US$100.000 são gastos em essenciais, seus trigésimos US$100.000 servem para comprar inserções de TV. Nós podemos ganhar quando estamos massivamente desarmados, porém não podemos ganhar sem uma séria infraestrutura de captação de recursos que pretende comprar os básicos.
  • Uma coisa que não tem como enfatizar o suficiente: nada substitui uma forte campanha voluntária. US$3.000.000 não substitui uma campanha voluntária. Caso você esteja se perguntando o que é possível fazer para mudar a atual situação política, a resposta é: “campanha voluntária.”

Alianças importam

Se alguém lhe disser que essa foi uma vitória somente do DSA, esta pessoa está errada. Ocasio-Cortez – uma candidata brilhante no momento certo – trouxe toda uma série de voluntários de diferentes lugares – tanto de outras organizações, como também da rua. O que é verdade, eu acho, é que o DSA era o maior bloco organizado entre os seus voluntários. Espero que Alexandria ou outra pessoa esteja organizando o resto deles! A pior coisa do trabalho eleitoral é que às vezes não há organização pronta para construir as conexões que cria. Precisamos nos certificar de que isso não ocorra neste caso.

Algumas pessoas na DSA precisam se acostumar com o fato de que suas vitórias quase sempre estarão em aliança.

Ninguém está a salvo

Nós somos muito mais poderosos em Nova York hoje do que éramos na segunda-feira. Muito mais. Por “nós” me refiro ao DSA, a esquerda e o campo progressista – Todos nós. Mas deixe-me ser claro: nós NÃO somos mais poderosos porque temos um voto a mais no Congresso que estará ao nosso lado. Ela provavelmente irá – sua política é evidentemente boa e bastante destemida – mas isso não importa tanto em relação a outro ponto.

O outro ponto é que um deputado poderoso foi desafiado pela esquerda e perdeu. Acredite em mim quando eu digo que não há um único político em Nova Iorque que não tenha visto e aprendido algo com isso. Aquele que desafiou Yvette Clarke também estava perto. Isso nunca aconteceu antes e eles estão tremendo. Os que já tem mandato nunca perdem. Mas este cara perdeu – justamente aquele que ninguém esperava – e agora estão todos procurando uma forma de não serem desafiados pela esquerda.

Na noite da vitória eu disse: “Este é o nosso momento de Eric Cantor”. O momento em que os Democratas percebem que a sua base está com raiva e ninguém está a salvo. O Partido Republicano enlouqueceu principalmente porque a maioria dos seus deputados é mais vulnerável a um desafio primário do que a um desafio geral e a base republicana (e seus doadores riquíssimos) demonstrou que vai enfurecer se você não for um supremacista psicótico branco. Agora, os Democratas sabem que vamos enlouquecer se eles não tiverem um tom de vermelho. Isso será ótimo.

Isso muda completamente o mapa da política de Nova Iorque. As pessoas estão vulneráveis ​​de uma forma que nunca fora imaginado. Além disso, há um enorme vácuo de poder no Queens. Espero que você esteja recrutando candidatos hoje para 2020 e 2021. Comece agora. Comece a fazer uma lista.

Construir a Organização

Obviamente, o trabalho eleitoral fortalece o poder, constrói a organização e fortalece os membros. Espero que esse seja um debate que possamos colocar para descansar.

De repente, o DSA em Nova York tem um pouco de credibilidade, um pouco de poder. Esta é a nossa primeira grande vitória em Nova Iorque. Seremos cuidadosos e atenciosos em relação ao nosso comportamento. O mundo – não o mundo da mídia, mas o mundo do poder – de repente está de olho em nós.

Artigo originalmente publicado na Jacobin Magazine. Tradução de Adria Meira para a Revista Movimento. 


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 19 nov 2024

Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas

As recentes revelações e prisões de bolsonaristas exigem uma reação unificada imediata contra o golpismo
Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi