Mitos e verdades no debate da Jovem Pan: aborto
Esclarecemos dúvidas sobre pontos questionáveis presentes no debate entre Sâmia Bomfim e Carla Zambelli, no programa Pânico na rádio Jovem Pan.
No debate que rolou semana passada entre Sâmia e Carla Zambelli, no programa Pânico na rádio Jovem Pan, a apoiadora de Bolsonaro apresentou argumentos questionáveis. Queremos então aproveitar a oportunidade para aprofundar a discussão sobre alguns dos temas levantados no programa. O tema que iremos tratar hoje não poderia ser outro: aborto.
Mito: Sâmia criou um projeto para legalizar o aborto em São Paulo.
Verdade: Lutamos sim pela legalização do aborto, mas isso é prerrogativa federal e não cabe a uma vereadora legislar a respeito. O que o Projeto de Lei 120/17, de nossa autoria, propõe é a criação de um Programa de Atenção Humanizada ao Aborto Legal e Juridicamente Autorizado no município de São Paulo. O objetivo é criar procedimentos de atenção humanizada às mulheres enquadradas nos casos de abortamento já previstos em lei no Brasil, como, por exemplo, as vítimas de estupro. Vale lembrar que, de acordo com o Atlas da Violência, quase 70% delas são crianças e adolescentes cujos agressores são pessoas da própria família. Ainda que haja a exceção para os casos de estupro, o fato do aborto em geral ser proibido dificulta o acesso dessas mulheres ao serviço de que têm direito, além de criar um estigma sobre pessoas em situação psicológica já tão fragilizada. Infelizmente, Fernando Holiday do MBL e do DEM operou uma manobra rasteira para derrubar nosso projeto, dando anuência para o desamparo às mulheres nessa situação tão difícil.
Mito: Qualquer uma pode abortar, basta dizer que foi estuprada.
Verdade: De acordo com um estudo realizado pelo IPEA, 70% dos estupros resultam em gravidez. Em apenas 20% destes casos as mulheres adultas conseguem realizar o abortamento. Este número cai para 5% no caso das crianças e adolescentes. De acordo com a pesquisadora Dra. Maria de Fátima Marinho, diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, todos os anos cerca de 700 jovens brasileiras entre 10 e 19 anos dão prosseguimento a uma gestação causada por estupro mesmo supostamente tendo direito ao aborto legal. Portanto, os dados indicam o inverso do que afirma Carla Zambelli – a prerrogativa do aborto legal em caso de estupro não leva à generalização da prática, mas é a proibição geral que dificulta a execução do aborto legal.
Há ainda outra mentira implícita nessa frase: o mito de que a legalização do aborto leva à banalização da prática e ao abandono dos métodos contraceptivos. Mas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, a taxa de abortamento nos países em que o procedimento é legalizado é menor do que naqueles em que ele é proibido. Em Portugal, por exemplo, houve redução drástica no número de abortos após a legalização, como apontou a ONG Associação Para o Planejamento da Família. Isto ocorre pois, quando o aborto é ilegal, a mulher com gravidez indesejada toma a decisão pelo aborto sob pressão psicológica, buscando realizá-lo o mais rápido possível, tendo em vista reduzir ao máximo os riscos do procedimento. Por outro lado, nos países em que a prática é legalizada, a mulher passa por uma consulta com psicólogo antes de tomar sua decisão e conhece o prazo exato que possui para poder refletir. Assim, tanto algumas mulheres acabam desistindo do abortamento como aquelas que optam por ele podem fazê-lo com maior tranquilidade. No Brasil, o aborto é ilegal mas estamos entre os países que mais realizam o procedimento no mundo. A cada cinco mulheres brasileiras, uma realizou ou realizará aborto até os 40 anos de idade, de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), coordenada pela antropóloga Debora Diniz, pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, instituição que pede a descriminalização do aborto na ADPF 442, junto com o PSOL. Portanto, a proibição não inibe a prática assim como a legalização não a incentiva. A única diferença observável é que nos países proibicionistas realizam-se mais procedimentos inseguros – um a cada quatro, em média – e, consequentemente, mais mulheres morrem. Já nos países onde se legalizou, 9 a cada 10 abortamentos são realizados de forma segura. Nestes casos, a probabilidade de complicações ou fatalidade é irrisória por se tratar de um procedimento médico bastante simples. Mas no Brasil, uma vez que a prática é proibida, 1670 mulheres morreram somente em 2016 em decorrência de complicações do abortamento, de acordo com o Ministério da Saúde. Este número pode ser ainda pior se considerarmos que a proibição leva à subnotificação dos casos. Além disso, quase a metade das mulheres que já realizaram aborto no Brasil relataram que precisaram ser internadas em função do procedimento, também de acordo com a PNA. Mais ainda, a proibição leva a uma distribuição absolutamente injusta do perfil das mulheres que abortam. Quem tem dinheiro pode pagar caro por um procedimento relativamente seguro, tanto em termos médicos quanto jurídicos. Já quem não tem, é obrigada a desistir ou a se submeter a um procedimento perigoso correndo ainda o risco de ser presa por isso. Dentre as 1670 mortes citadas anteriormente, 559 foram de mulheres brancas e 1079 de mulheres negras.
Infelizmente, mentiras e desinformação propagadas por conservadores como Carla Zambelli ainda sustentam uma legislação retrógrada e irracional que vitimiza milhares de mulheres todos os anos. Precisamos espalhar a verdade!
Material originalmente publicado no Facebook da vereadora.