Trump pronto para lançar seu exército no espaço

O presidente estadunidense pretende criar um sexto ramo do exército, reservado à luta espacial, para fazer frente à Russia e China.

Arnaud Leparmentier 27 ago 2018, 15:41

Guerra das estrelas, episódio 2. Em 1983, Ronald Reagan lançava uma iniciativa de defesa estratégica, visando implantar dezenas de satélites capazes de abater em voo os misseis soviéticos antes que eles atingissem seu alvo. Ele colocava a União Soviética de joelhos. Trina e cinco anos mais tarde, Donald Trump quer criar a “força do espaço”. Contudo, a correlação de força militar-estratégica, nesse entretempo, se inverteu. Trata-se para os Estados Unidos de reconquistar uma supremacia posta em questão pelos chineses e russos.

Nos anos 1980, os estadunidenses haviam ganhado a batalha da Lua e dominavam o espaço com seus quatro ônibus espaciais. Hoje, eles são incapazes de enviar um homem em órbita e precisam alugar os serviços dos russos para chegar à Estação Espacial Internacional. Eles temem, além disso, ter seus satélites civis e militares ameaçados pelas misseis russos e chineses, ou serem vítimas de ciberataques norte-coreanos e iranianos. O espaço se tornou o calcanhar de Aquiles do complexo militar-industrial.

É a razão pela qual Donald Trump e seu vice-presidente, Mike Pence, que se apropriou do tema da reconquista do espaço, anunciaram a criação para daqui até 2020 de um sexto ramo do exército consagrado ao espaço. Ele dividiria espaço com o Exército, a Marinha (US Navy), os Fuzileiros Navais, a Guarda-costeira e a Aeronáutica, última força autônoma a ser criada, em 1947. Atualmente, é a Air Force que coordena o essencial das forças militares estadunidenses alocadas no espaço. Dominada pelos pilotos, ela é acusada de não despender os meios necessários de energia em tal empreitada, uma vez que a ameaça se acentua.

“Novas armas de guerra”

“Há anos, países que vão da Rússia à China, passando pelo Irã e pela Coréia do Norte, construíram armas para bloquear, cegar ou deixar inoperantes nossos satélites de navegação e de comunicação através de ataques eletrônicos lançados a partir Terra. Contudo, recentemente, nossos adversários trabalharam para colocar novas armas de guerra diretamente no espaço”, declarou Mike Pence, em 9 de agosto no Pentágono. O vice-presidente citou o exemplo da China, que havia destruído, por meio de um míssil, um de seus próprios satélites em 2007, e o da Rússia, que trabalharia em um sistema de laser transportável pelo ar para perturbar os satélites.

Os dois países são acusados de investir em misseis hipersônicos capazes de voar a 8 km por segundo e não serem detectáveis pelos radares de misseis de defesa. Donald Trump fixou o objetivo desde meados de junho: “Já que se trata de defender a América, não é suficiente ter uma simples presença americana no espaço. Nós precisamos ter uma dominação americana no espaço.”

O Ministério de Relações Exteriores russo reagiu em seguida. A militarização do espaço “poderia ter consequências tão nefastas como a corrida pelas armas nucleares”, declarou um porta-voz, estimando que colocar armas no espaço “afetaria a estabilidade estratégica e a segurança internacional”. Antes de lembrar que Pequim e Moscou haviam proposto um tratado para banir as armas no espaço.

“Gestão de cúpula”

Quando o presidente Dwight Eisenhower inaugurou a corrida ao espaço nos anos 1950, ele lançou dois programas. Um, civil, viria a tornar-se a Nasa: conhecida pelo grande público, ela acaba de designar nove astronautas para pilotar capsulas privadas da Boeing e SpaceX que pretendem ser lançadas em 2019. Trata-se de uma primeira etapa antes do estabelecimento de ume estação permanente sobre a Lua, etapa prévia à conquista de Marte.

O outro programa, militar, era mais discreto, mas tão poderoso quanto aquele e gerado essencialmente pela US Air Force. Esse sistema está perdendo fôlego, de acordo com um editorial da agência Bloomberg, favorável à iniciativa de Donald Trump. Mesmo se o essencial das forças espaciais é constituído por 30 mil funcionários da Air Force Space Command, cujo quartel general fica no Colorado, e por 3 mil pessoas ligadas ao serviço Space and Missile Systems Center de Los Angeles, elas estão fragmentadas entre 30 entidades, como o Escritório Nacional de Reconhecimento ou a Agência Nacional de Informação Geoespacial. Essa atomização reduziu sua força à compra de materiais modernos e fez com que os Estados Unidos enviassem material obsoleto em órbita, acusa a agência de imprensa.

A pista privilegiada até o presente era autonomizar parcialmente as forças do espaço no interior da aeronáutica, mas esse projeto, votado em 2017 pela Câmara dos Representantes, naufragou em razão da oposição do Pentágono e da administração. Isso até a iniciativa de Donald Trump, que surpreendeu os militares e o Secretário de Defesa, James Mattis, que era parte de sua oposição.

“Eu me oponho à criação de um novo ramo militar e de novas camadas organizacionais em um momento em que nós procuramos reduzir os custos de estrutura e integrar nossas funções militares”, havia declarado James Mattis em 2016. O Secretário de Defesa também havia estimado que a criação de uma “Space Force” conduziria a uma “gestão de cúpula”. O Wall Street Journal, reconhecidamente próximo ao Pentágono, publicou um editorial se opondo a criação da “força do espaço”.

Oito bilhões de dólares em cinco anos

O projeto de Donald Trump não é orçado e precisa da aprovação do congresso. A administração, que diz que apresentará os detalhes no outono, fixou como data o ano orçamentário de 2020 – que, na realidade, começa em outubro de 2019. Mike Pence pediu oito bilhões de dólares em cinco anos para reforçar a segurança espacial.

A “força do espaço”, dirigida por um general quatro estrelas, passaria pela implementação de um comando unificado, que desenvolveria a doutrina e a integração das forças em questão, a criação de forças especiais operacionais, com tropas de elite que seriam deslocadas na Europa e na Ásia a partir de 2019, a criação de uma agência de desenvolvimento espacial para conceber melhores tecnologias e, finalmente, a criação de um ministro espacial assistente para o Secretário de Defesa.

Em plena campanha às eleições de meio de mandato de novembro, a esquipes de Donald Trump pediram aos militantes republicanos de escolher, entre uma série de emblemas, um logotipo para a nova instituição. Já os russos, eles se divertiram. Sua embaixada em Washington publicou no Twitter, na sexta-feira 10 de agosto, no dia seguinte ao anúncio de Mike Pence, um jubilante “Good Morning Space Forces” (“Bom dia, forças do espaço!”). Que remetia ao site das forças espaciais russas.

Artigo publicado pelo jornal Le Monde e disponível no site do jornal Le Temps. Tradução de Pedro Micussi para a Revista Movimento.


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