A caravana de solidariedade à Nicarágua e a esquerda brasileira

A repercussão da luta contra o regime autoritário nicaraguense no Brasil é grande.

Israel Dutra 12 set 2018, 18:52

Na manhã fria, pela via da rodoviária, em 30 de agosto, chegou em Porto Alegre a caravana de ativistas nicaraguenses, numa jornada pela região em para denunciar a repressão do regime de Daniel Ortega. Os três integrantes, todos muito jovens, apesar de cansados, exibiram sorrisos pela recepção calorosa por parte do comitê gaúcho em solidariedade à Nicarágua livre, encabeçado por nicaraguenses residentes no estado do Rio Grande do Sul, em parceria com movimentos sociais, setores da esquerda combativa e ativistas. Ao pisar em solo brasileiro, o grupo começava uma nova etapa da sua “gira”, que ainda teria conexões no Rio de Janeiro e São Paulo.

A caravana era uma boa representação dos atores em luta contra a violência de Estado na Nicarágua dos dias de hoje. Ariana Mcguirre é ativista estudantil de 27 anos, dirigente dos movimento estudantil em Manágua e filha de revolucionários da geração de 1979; Carolina Hernandez, de 36 anos, líder do movimento ambiental que luta contra a exploração predatória por parte das grandes mineradoras; e o mais jovem, Yader Parajon, representando o grupo de familiares que teve seus filhos e irmãos assassinados, sequestrados e desaparecidos durante a repressão, configurando a plataforma “Madres de Abril”.

A caravana participou de debates no Chile, onde ganhou apoio de setores do PS e da Frente Ampla, apesar de terem vivenciado um escracho protagonizado por bandas do PC chileno, articulados pela embaixada da Nicarágua nesse país; na Argentina, houve encontro com representantes de Direitos Humanos, partidos de esquerda como MST e Esquerda Socialista, um ato de rua que denunciou a repressão de Ortega e Murillo. No Uruguai, Frente Ampla, lideranças sindicais, estudantis e de luta por justiça também os receberam, reverberando suas denúncias.

No Rio Grande do Sul, como dito, a jornada contou com debates com o movimento feminista e sindical, com um seminário sobre a mineração na Universidade Federal do Rio Grande, um ato político na Assembleia Legislativa, um encontro na Escola Superior de Teologia em São Leopoldo, um grande ato-debate na FACED/UFRGS, uma participação no programa radiofônico Esfera Pública, apresentado por Juremir Machado, e, por fim, um Sarau poético recordando a mística e tradição revolucionária do “país dos poetas”. Solidarizaram-se e participaram das atividades inúmeras entidades, personalidades políticas e sociais, como lideranças da Caritas, DCE da Unisinos, UMESPA, CSP Conlutas, Sintrajufe, os vereadores Roberto Robaina e Fernanda Melchionna, o deputado estadual Nelsinho Metalurgico, além de figuras públicas como Luciana Genro e Olívio Dutra. Tudo sob coordenação da professora Ana Mercedes e da socióloga Ana Marcela, nicaraguenses aqui residentes.

A agenda no Rio de Janeiro também foi expressiva. Aconteceram reuniões com Marcelo Freixo, com a Anistia Internacional, eventos com vereadores como Babá e David Miranda; reunião com o dirigente histórico Pedro Fuentes, debates na universidades com a presença do Jornalista Eric Nepomuceno, um dos que acompanhou a queda de Somoza no final dos 70. Os debates tiveram a organização do intelectual Humberto Meza, também nicaraguense que mora no Brasil. A caravana segue nesta semana em São Paulo, onde estão programados eventos com o movimento sindical, além de debates na USP e Unicamp.

A repercussão da luta contra o regime autoritário nicaraguense no Brasil é grande. A recente deportação da cineasta brasileira, Emilia Mello, se soma à responsabilidade do governo Ortega pela morte de uma jovem estudante de medicina, oriunda do estado de Pernambuco. Rayneia Gabrielle, que não tinha qualquer tipo de envolvimento com a organização das manifestações opositoras, foi vitimada por um tiro na saída do hospital onde era residente, ao que tudo indica por grupos paramilitares. A posição do governo brasileiro até este momento não se concretizou em uma condenação maior do regime orteguista. A denúncia que foi trazida pela caravana foi fundamental, no sentido de travar um combate contra a narrativa diversionista que relativiza os crimes da ditadura.

Há dois caminhos equivocados para encarar o problema da Nicarágua nos dias de hoje. O primeiro, e mais grave, é o seguidismo às posições do Fórum de São Paulo. Tal postura, felizmente minoritária, foi repudiada por nomes respeitados por próprio campo político, como Boaventura Souza Santos e Pepe Mujica. No Brasil, apenas pequenas organizações de cunho stalinista têm colocado a cabeça para fora para defender a postura da FSLN. O segundo caminho, também errado, é o da omissão. É necessário fazer um chamado amplo para que a esquerda não apenas seja parte da condenação do regime e do apoio às mobilizações para defender os direitos do povo e da juventude da Nicarágua, mas também para que seja parte ativa na imprescindível solidariedade aos nicaraguenses.

O movimento estudantil brasileiro precisa tomar lado na luta contra a repressão. São centenas de estudantes presos, outros tantos perseguidos, além de diversos sequestros e torturas. A agenda do movimento deve estar a serviço da luta democrática, sustentando os jovens que arriscam suas vidas no combate à tirania de Daniel Ortega. O movimento democrático e de diretos humanos não pode deixar de condenar com veemência o autoritarismo do regime de Ortega-Murillo, como fez a CIDH da ONU- que aliás foi expulsa em poucas horas do país pela chancelaria da ditadura. Um sinal positivo é a recente articulação de uma rede de parlamentares e movimentos sociais vinculados aos direitos humanos a fim de avançar um novo passo na luta contra Ortega e pela democracia na Nicarágua. É hora da esquerda brasileira entrar de ver nesta luta.

Artigo originalmente publicado no site do PSOL. 


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Camila Souza