A hegemonia financeira no Brasil e o problema da dívida pública – I
Série de três artigos busca discutir a sanha do capital financeiro por mais ajuste.
O poder econômico confere poder político.
Ali onde os impérios antigos desembarcavam
seus exércitos, aos impérios modernos basta
desembarcar seus banqueiros.
(José Carlos Mariátegui)
Esta série de três artigos tem o objetivo de aprofundar um tema trazido pela companheira Luciana Genro em seu artigo O debate necessário na eleição presidencial1 . Luciana alerta para o fato de que frente à sanha do capital financeiro por mais ajuste, nenhum dos candidatos dos partidos do regime irá mudar o pilar da política econômica de produção de superávit para pagar os serviços da dívida, principal mecanismo de captura das finanças sobre o Estado brasileiro. De acordo com Luciana:
Desde o governo FHC até 2013, o Brasil produziu superávits, isto é, deixava de gastar com saúde, educação, segurança e usava boa parte dos impostos para pagar juros da dívida pública, e diga-se de passagem, pagando uma das taxas de juros mais altas do mundo.
Entretanto, a instabilidade política pós-Jornadas de Junho de 2013, o esgotamento do ciclo das commodities e a entrada da crise econômica com força no país levou a um salto no endividamento público. Luciana completa:
Desde 2013, já não temos mais superávit, e os juros da dívida tem sido pagos com mais endividamento. Isso deixa os credores nervosos, pois obviamente é uma situação insustentável no longo prazo. O risco de quebrar é grande. O economista da Goldman [Sachs] dá a receita para resolver a situação: cortar gastos ou aumentar impostos. Eles querem um ajuste nas costas do povo.
Seguindo a linha de Luciana queremos ilustrar basicamente três aspectos: a) A hegemonia financeira sobre os negócios das empresas brasileiras; b) Hegemonia financeira sobre o Estado burguês brasileiro; c) Elementos de um programa para romper com a hegemonia financeira.
Na hipótese trabalhada nesta série, o problema da Dívida, que tem como centro a política de superávit primário, é o principal mecanismo de reprodução da hegemonia das finanças sobre o Estado e seus agentes. Nesta condição orienta também a intervenção do Estado a seu favor no mercado, seja no que se refere à política de juros, spreads bancários, vendas de títulos do Tesouro e estabelecimento de regras às operações financeiras, seja nas isenções fiscais e outras benesses.
O que aqui queremos demonstrar é que se for verdade que o Estado brasileiro foi capturado pelos rentistas, a Dívida é o arpão que utilizaram. Por isso mesmo enfrentá-la ou não determina se pode ou não haver mudança de verdade no Brasil.
A hegemonia financeira sobre os negócios das empresas brasileiras
De acordo com os dados do World Wealth and Income Database2, o Brasil é o país no mundo onde a renda está mais concentrada no topo (1%). No histórico de 2001 a 2015, os dados revelam que o 1% mais rico do país concentrava em 2001, 25,1% da renda nacional e passou a 27,8% em 2015.
Por sua vez, na base da pirâmide, os 50% mais pobres tinham em 2001, 11,3% de participação na renda nacional e passaram a 12,3% em 2015. A renda nacional total cresceu 18,3% no período analisado, mas 60,7% desses ganhos foram apropriados pelos 10% mais ricos, contra 17,6% das camadas menos favorecidas.
Quanto mais a análise aproxima-se do topo da pirâmide mais assustadores são os níveis de concentração de renda. De acordo com estudo do economista Marc Morgan3, 0,1% mais rico da população brasileira detém 14% da renda e 48% da riqueza. A concentração do último milésimo em 2015 é mais de 3,5 vezes superior à média mundial estabelecida no estudo de Thomas Piketty4.
De acordo com o estudo recente da OXFAM5:
Apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres. E mais: os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%. Por aqui, uma trabalhadora que ganha um salário mínimo por mês levará 19 anos para receber o equivalente aos rendimentos de um super-rico em um único mês.
O mesmo estudo revela que apenas seis bilionários concentram, juntos, a mesma riqueza que 100 milhões de pessoas, ou seja, a metade da população brasileira. Quem são eles? Jorge Paulo Lemann (AB Inbev), Joseph Safra (Banco Safra), Marcel Hermmann Telles (AB Inbev), Carlos Alberto Sicupira (AB Inbev), Eduardo Saverin (Facebook) e Ermirio Pereira de Moraes (Grupo Votorantim). Se estes bilionários gastassem um milhão de reais por dia, juntos, levariam 36 anos para esgotar seu patrimônio.
À primeira vista, o fato de que apenas um banqueiro esteja na lista pode colocar em questão a hegemonia financeira, mas isso é apenas aparência, pois ao fim ao cabo, todos são agentes do mercado financeiro e associados a instituições financeiras. Em sua 16ª edição, o ranking mundial anual da Forbes6 (2018) nos informa que os bancos permanecem sendo as empresas brasileiras mais bem colocadas. O ranking é baseado em uma pontuação composta de médias ponderadas de receita, lucros, ativos e valor de mercado.
As 15 maiores empresas brasileiras, segundo a Forbes (2018) – em bilhões de dólares
Empresa Vendas Lucros Ativos Valor de Mercado
1- Itaú-Unibanco 62,3 7,5 437,6 87
2- Bradesco 76,5 4,7 370,5 61,3
3- Vale 34,1 4,6 94,4 77,4
4- Banco do Brasil 55 3,4 412,8 27,8
5- Petrobras 90 0, 642 248 92,6
6- Itaúsa 1,6 2,6 19,8 26,8
7- Braskem 15,4 1,3 16,1 10,1
8- Cielo 3,6 1,3 25 13,7
9- JBS 51,1 0,189 32,8 6,7
10- Eletrobras 11,9 0,553 52,1 7,1
11- Postos Ipiranga 25,5 0,398 8,6 8,2
12- Suzano Papel 3,5 0,674 9 13,2
13- Gerdau 12,1 0,102 15,4 2,1
14- C. B. Distribuição 14,1 0,234 13,7 6
15- Oi 7,5 2 20,7 0,885
Fonte: Forbes Global
Das cinco empresas brasileiras mais lucrativas, três são bancos. Encabeça a lista o Itaú-Unibanco, em 45º lugar no mundo, com um lucro declarado de 7,5 bilhões de dólares e um valor de mercado, em 2018, de 87 bilhões de dólares. Em segundo lugar, o Bradesco com um lucro declarado de US$ 4,7 bi e um valor de mercado de mais de US$ 60 bi. Seguem a lista a Vale, o Banco do Brasil e a Petrobrás. Em sexto lugar temos outra instituição financeira, Itaúsa investimentos, uma holding que atua em diversos ramos. As principais empresas controladas pela Itaúsa são: Itaú Unibanco Holding S.A. e suas controladas Banco Itaú e Banco Itaú BBA, no segmento financeiro, e Duratex, Alpargatas, NTS e Itautec. Como holding de capital aberto, a Itaúsa concentra todas as decisões financeiras e estratégicas das controladas.
Outro ranking elaborado pela Economática1 com relação aos lucros líquidos, considera os resultados de 295 empresas de capital aberto. A soma total exclui as empresas Petrobras e Eletrobrás. Também nesta análise, os bancos foram os maiores responsáveis pelo lucro no ano passado e representam quase metade dos ganhos. As 33 empresas do setor financeiro registraram lucro de 70,8 bilhões de reais no ano, contra 64,3 bilhões de reais em 2016, crescimento de 10,06%. Quatro dos cinco maiores lucros do ano foram conseguidos por bancos. Em primeiro lugar no ranking dos maiores lucros está o Itaú Unibanco, com ganhos de quase 24 bilhões de reais no ano passado. Bradesco, Banco do Brasil e e Santander também estão no topo da lista.
Os 20 maiores lucros líquidos de 2017
Empresa Lucro em 2017 Lucro em 2016 Variação em porcentagem
Itaú-Unibanco R$ 23,96 bi R$ 21,64 bi 10,75%
Vale R$ 17,63 bi R$ 13,31 bi 32,42%
Bradesco R$ 14,66 bi R$ 15,01 bi -2,82%
Banco do Brasil R$ 11,01 bi R$ 8,03 bi 37,06%
Santander BR R$ 7,8 bi R$ 5,53 bi 44,53%
Ambev S/A R$ 7,33 bi R$ 12,55 bi -41,56%
Telef Brasil R$ 4,61 bi R$ 4,08 bi 12,82%
Braskem R$ 4,08 bi R$ 411 mi Não se aplica
Cielo R$ 4,06 bi R$ 4 bi 1,26%
BBSeguridade R$ 4,05 bi R$ 4,01 bi 0,88%
Sabesp R$ 2,52 bi R$ 2,95 bi -14,52%
Btgp Banco R$ 2,38 bi R$ 3,41 bi -30,06%
Engie Brasil R$ 2 bi R$ 1,55 bi 29,48%
Kroton R$ 1,88 bi R$ 1,86 bi 0,95%
Suzano Papel R$ 1,81 bi R$ 1,69 bi 6,82%
CCR SA R$ 1,8 bi R$ 1,71 bi 4,88%
Carrefour R$ 1,6 bi R$ 1,17 bi 36,20%
Ultrapar R$ 1,57 bi R$ 1,56 bi 0,81%
Tran Paulist R$ 1,36 bi R$ 4,93 bi -72,31%
Cosan R$ 1,31 bi R$ 1,04 bi 26,95%
O setor com maior lucro acumulado no primeiro trimestre de 2018, foi o de bancos: os ganhos somados atingiram R$ 17,6 bilhões (14,2%). Ou seja, um aumento quase o dobro da variação da de 7,42% das empresas. O lucro dos bancos seria maior se incluísse os ganhos da Caixa. Mas, como a empresa não é uma S.A., não consta na análise.
Fonte: Jornal do Brasil 7
Fica demonstrado, pelo dito, a hegemonia das finanças sobre o mercado nacional, entretanto, para chegar a uma determinação mais concreta da função da Dívida no padrão de “desenvolvimento” no Brasil é preciso discutir o papel do Estado na garantia das condições de acumulação e financeirização de capital.
Artigo originalmente publicado no Portal da Esquerda em Movimento.
Notas
1 Ver: <https://movimentorevista.com.br/2018/06/o-debate-necessario-na-eleicao-presidencial/>
2 Ver: < http://wid.world>
3 MORGAN, Marc. Extreme and Persistent Inequality: New Evidence for Brazil Combining National Accounts, Surveys and Fiscal Data, 2001-2015. <http://wid.world/wp-content/uploads/2017/09/Morgan2017BrazilDINA.pdf>
4 PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI, Ed. Intrínseca, Rio de Janeiro, 2014
5 OXFAM. A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras. São Paulo, 2017.
6 Ver: < https://exame.abril.com.br/negocios/as-20-empresas-que-tiveram-os-maiores-lucros-de-2017/>
7 Ver: < http://www.jb.com.br/economia/noticias/2018/05/17/lucro-dos-bancos-cresce-142-no-primeiro-trimestre-de-2018/>