Ele não! Respostas pela esquerda contra o ascenso de Bolsonaro
É preciso compreender o que significa a ascensão de Bolsonaro para lutar sem tréguas, nas ruas e nas urnas, construindo uma alternativa para o presente e para o futuro.
As mais recentes pesquisas eleitorais confirmaram a tendência de crescimento nas intenções de voto de Bolsonaro após o atentado de Juiz de Fora. Na última pesquisa Datafolha, o candidato do PSL aparece com 28%. Fernando Haddad e Ciro Gomes disputariam a segunda vaga no segundo turno, com 16% e 13% respectivamente. Enquanto se fortalece na massa mais atrasada a perspectiva da chegada de Bolsonaro ao segundo turno, a resposta nas ruas e nas redes amplia-se. A vanguarda indiscutível são as mulheres que sairão às ruas de todo país no dia 29 de setembro.
As próximas duas semanas de campanha trarão definições. Nas ruas, aparenta primar a apatia e as grandes máquinas apenas começam a entrar em ação numa campanha considerada morna nas grandes cidades. Nas campanhas do PSOL, nossa militância tem ido às ruas para oferecer uma saída aos principais problemas do país e lutar por ideias e votos.
Nesse cenário complexo, quais são os desafios da esquerda consequente? Sem dúvida, é preciso compreender o que significa a ascensão de Bolsonaro para lutar sem tréguas, nas ruas e nas urnas, construindo uma alternativa para o presente e para o futuro.
Bolsonaro encabeça uma polarização reacionária
O atentado de Juiz Fora consolidou uma hipótese que estava latente: a ida de Bolsonaro para o segundo turno do processo eleitoral. Caso se confirme este cenário, abre-se uma polarização reacionária e o debate eleitoral orienta-se ao redor das declarações e posições de Bolsonaro e seu staff.
Diante da enorme crise social e econômica, Bolsonaro navega num cenário que podemos definir como “crise orgânica” do regime da Nova República. Como escreveu Fábio Palácio, relembrando Gramsci, na Folha de S. Paulo de 16/09, há uma “ruptura entre as classes sociais e as representações tradicionais. É característica desse tipo de crise a falência total ou parcial do sistema político-partidário”. Esta é a chave para entender o crescimento daquele que uns chamam “mito”, outros “inominável”.
É a primeira vez em muito tempo em que há um fenômeno com traços protofascistas com peso de massas, fruto da crise econômica e social, potencializada pela implosão da Nova República e pelo atraso na consciência popular durante os 13 anos de governo do PT e seus congêneres. A falta de uma alternativa da esquerda independente com sólida implantação e projeto dificulta a superação pela esquerda, reproduzindo uma polarização na qual as forças da reação e da contrarrevolução estão coesas, na ofensiva, com um programa para organizar a desesperança. As forças do outro extremo, no entanto, não são vistas como alternativa aos olhos de massa, o que indica um segundo turno ainda polarizado pela presença de Lula, mesmo proscrito, indicando apoio ao seu candidato Fernando Haddad. Correndo por fora, Ciro Gomes, apresenta-se para a disputa com o candidato do PT como detentor de um programa mais avançado no terreno econômico e com maior potencial para driblar o antipetismo num eventual segundo turno. Contudo, falta-lhe um importante ativo eleitoral: a unção lulista.
Também é possível relacionar a força eleitoral de Bolsonaro ao ocaso tucano: com suas principais lideranças desmoralizadas por acusações de corrupção na Lava Jato, como Aécio Neves e José Serra, operadores ameaçando com delações e candidatos como Beto Richa presos em plena campanha eleitoral, Alckmin vê minguar suas chances eleitorais e já assiste às primeiras deserções em sua coligação. A crise do PSDB é tão grande que o partido corre o risco de perder o governo de São Paulo com a candidatura de João Doria, desgastado por sua péssima gestão na prefeitura da capital.
O “núcleo duro” dos setores de massas que estão com Bolsonaro encontra-se nos profissionais da segurança. Após as manifestações de junho de 2013 – quando se fortaleceu a reivindicação de desmilitarização das polícias e de desmontagem do aparato repressivo contra o povo – e, particularmente, após as manifestações de 2015 e 2016, quando grupos de extrema-direita reivindicavam abertamente a experiência da ditadura militar, aumentaram as demonstrações mais explícitas de simpatia às ideias protofascistas de Bolsonaro no interior deste setor.
É sempre útil relembrar, como há anos insiste Vladimir Safatle, que os governos petistas têm responsabilidade sobre este fenômeno, ao não enfrentar consequentemente a reivindicação de verdade e justiça para os crimes da ditadura, bem como por sua inoperância para desmontar os elementos abertamente reacionários das forças de segurança, como os ligados aos grupos de extermínio e às milícias, que podem ser vistas, retrospectivamente, como uma espécie de “ovo da serpente” da simbiose entre crime organizado, narcotráfico, degeneração de parcelas das forças de segurança, partidos políticos e instituições estatais já mostrada, como profecia autocumprida, no filme Tropa de Elite II, que projetou nacionalmente a figura de Marcelo Freixo. Após 6 meses do assassinato ainda não esclarecido de Marielle Franco, estas constatações são ainda mais necessárias.
Ao mesmo tempo, o aumento do número de homicídios, feminicídios e roubos; a falência da “guerra às drogas” e da política penitenciária; e a nacionalização de facções do crime organizado em disputa por territórios aumentam a sensação de insegurança da população e os clamores, na sociedade e no interior das forças de segurança – que se ressentem com os baixos salários, opressão dos superiores hierárquicos, alta letalidade e riscos, falta de direitos democráticos e péssimas condições de trabalho –, por uma ação mais dura contra o crime. Bolsonaro vocaliza, de forma tosca, inconsistente, reacionária e violenta, um modo de enquadrar estes problemas complexos e oferecer algum tipo de solução.
Diante da crise nacional brasileira, do pântano econômico e da falência da Nova República, o plano de Bolsonaro pretende, por meio da truculência, realizar um verdadeiro choque social a serviço dos grandes capitalistas e banqueiros. Prepara-se um plano de guerra contra o povo, um governo que transformará o que resta da Nova República num regime autoritário que ataca a classe trabalhadora e seus direitos, as mulheres, negritude e LGBTs.
A falta de sintonia e o improviso de sua equipe contribuem para revelar os objetivos de Bolsonaro. Nos últimos dias, Hamilton Mourão, candidato a vice, tratou em diversas entrevistas de hipóteses sobre como poderia ocorrer um golpe, ou “autogolpe”, no país após a vitória eleitoral de sua chapa. Mourão, general reformado que recebeu de Ciro Gomes a sugestiva alcunha de “jumento de carga”, também afirmou que crianças em lares com apenas mães e avós terminam “desencaminhadas”, relacionando a criação por mães solteiras e avós ao aliciamento pelo narcotráfico.
Por sua vez, Paulo Guedes, o investidor milionário que coordena o programa econômico de Bolsonaro, criou uma crise na campanha ao propor uma nova CPMF que arrecadasse metade do orçamento da União e a unificação das alíquotas do Imposto de Renda para 20%, reduzindo o imposto para os mais ricos e empresas e taxando violentamente os mais pobres, hoje isentos ou pagando alíquotas inferiores. Guedes, em outras oportunidades, fez questão de afirmar seu entreguismo e subserviência aos interesses do imperialismo estadunidense, com sua defesa apaixonada da privatização de todas as estatais, desregulamentação do sistema financeiro e desnacionalização acelerada de nossa economia.
Parar a mão da extrema-direita!
Existe uma unidade de ação objetiva contra a ascensão de Bolsonaro. Como dissemos, as mulheres, que desafiam Trump nos Estados Unidos, tomaram a frente e convocaram um dia de lutas contra Bolsonaro em 29 de Setembro. Este exemplo deve ser seguido por vários setores: juventude, negritude, LGBTs, intelectualidade, todas e todos que rejeitam a extrema-direita e sua política reacionária contra o povo! Os sindicatos e o movimento operário, por sua vez, devem entrar com sua força e seus métodos para enfrentar a ameaça de guerra contra o povo e seus direitos representada por Bolsonaro e sua campanha.
Mesmo a burguesia está hesitante. Bolsonaro obteve apoios iniciais importantes, como de Flávio Rocha, dono da Riachuelo, Sebastião Bomfim, da Centauro, e Luciano Hang, das lojas Havan e suas patéticas réplicas da estátua da liberdade. Foram acompanhados por setores mais atrasados do agronegócio e do latifúndio . Os “mercados”, entretanto, parecem desconfiar de suas opções políticas e da falta de capacidade mínima de liderança e gestão de um Estado complexo, como mostrou o recente editorial da revista inglesa The Economist, um dos principais veículos das posições do capital transnacional.
A esquerda radical deve ser parte deste amplo movimento contra Bolsonaro e a extrema-direita, combinando dois tipos de atitude: a mais ampla unidade de ação, com todo tipo de ação sendo decidida e discutida democraticamente, inclusive tomando medidas para defender-se de provocações e ataques; por outro, não perder seu perfil e programa. Para tanto, a militância e as candidaturas do PSOL devem manter e aprofundar suas atividades.
Reta final: hora de um mutirão pelo voto 50!
A duas semanas do primeiro turno, precisamos intensificar nossa campanha pelo voto no PSOL, com Boulos e Guajajara, para fortalecer um programa que aponte a saída necessária para a crise econômica que agride o nível de vida de nosso povo e para a falência de um regime político apodrecido pelos grandes arranjos corruptos das grandes empresas, banqueiros e seus partidos políticos. É hora de reafirmar nossa defesa de medidas como a revogação da PEC do teto de gastos; a taxação de grandes fortunas, heranças, lucros e dividendos; o enfrentamento ao sistema da dívida que afoga nosso povo; a luta contra as privatizações e a desnacionalização da economia; a recuperação dos salários, a revogação da reforma trabalhista e o combate à reforma da previdência.
Lutamos pelo voto 50 de ponta a ponta porque é necessário construir e fortalecer um projeto independente para mobilizar amplas parcelas do povo e construir outro modelo diante do naufrágio dos pactos da Nova República e das ameaças da extrema-direita. Nesta alternativa, não há espaço, por exemplo, para a política de Haddad e do PT, que já buscam refazer suas pontes com os “mercados” e animam especulações sobre uma nova equipe econômica, que incorporaria os mesmos tipos neoliberais como Marcos Lisboa para manter o teto de gastos e realizar a reforma da previdência, também defendida por Ciro Gomes.
Nesta reta final, vamos lutar para ampliar a bancada do PSOL, superar a cláusula de barreira imposta por Eduardo Cunha e colocar no Congresso porta-vozes das lutas povo. É hora de eleger mais deputados e, sobretudo, deputadas, mulheres combativas que fortaleçam a alternativa independente, socialista e democrática de que o Brasil precisa!