Incêndio do Museu Nacional: um crime da austeridade
Mais do que uma tragédia, um crime. Assim se pode definir o incêndio iniciado na noite de 2 de setembro, que destruiu o Museu Nacional. Na Semana da Pátria, nenhum acontecimento poderia ser mais simbólico da profunda crise que vive o Brasil.
Mais do que uma tragédia, um crime. Assim se pode definir o incêndio iniciado na noite de 2 de setembro, que destruiu a maior parte do acervo exposto no Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No ano de seu bicentenário, o mais importante museu do país conheceu seu ocaso, colocando em risco os cerca de 20 milhões de itens que eram verdadeiras relíquias e um patrimônio da história social e natural brasileiras e da humanidade. No início da Semana da Pátria, que marca as comemorações da Independência, nenhum acontecimento poderia ser mais simbólico da profunda crise que vive o Brasil.
Não se trata de um acidente. Era uma tragédia anunciada, fruto do permanente “contingenciamento” de verbas, que é na verdade um eufemismo para cortar, liquidar e destruir o patrimônio público e popular, levando-o ao sucateamento. A redução de investimentos atinge em cheio a educação, as universidades e a pesquisa científica. A retração de investimentos já era notada há anos. O impulso decisivo foi a emenda 95, conhecida como “PEC da morte” – que congelou os investimentos em áreas sociais por 20 anos – imposta por Temer e Meirelles, com os aplausos da burguesia, da imprensa e da base congressual comandada pelos tucanos e pelo “centrão” corrupto.
Os valores destinados à manutenção do Museu Nacional vinham sendo reduzidos desde 2013, último ano em que a União repassou integralmente os já parcos R$ 520 mil anuais. Desde então, ano a ano os valores para manutenção decresceram, chegando, como destacou a imprensa, ao irrisório valor de cerca de R$ 50 mil ao fim do último quadrimestre. Para um acervo desta magnitude, num palácio bicentenário que testemunhou momentos fundamentais da história brasileira, tais valores eram completamente insuficientes para fazer frente às necessidades de reparo, reconstrução e instalação de sistemas de segurança que o Museu desesperadamente requeria ao longo de décadas.
A responsabilidade é de Temer e da casta
Ainda não se sabe exatamente a magnitude da perda. Os depoimentos de pesquisadores e trabalhadores da instituição, que enfrentaram as chamas e o risco de desabamento na tentativa de resgatar o que fosse possível emocionaram o país. Contra seu esforço heroico e muitas vezes invisível, de preservar nossa memória e nossa identidade, atuaram governos dos mais variados matizes e seu descaso com as políticas de Cultura, Ciência e Tecnologia. Esta situação chegou ao paroxismo com a instalação da quadrilha de Temer no governo, que pulverizou o orçamento destas áreas e, não à toa, tentou extinguir o MinC e colocou a pasta da Ciência e Tecnologia subordinada ao Ministério das Comunicações comandado por Kassab.
As fortes imagens que feriram nossa identidade nacional mostram o palácio da Quinta da Boa Vista reduzido a uma fachada oca, onde antes das labaredas estavam coleções com milhões de insetos e crustáceos catalogados de nossa fauna; fósseis de dinossauros e mamíferos; peças de egiptologia de valor incalculável… Lá também estava Luzia, a primeira brasileira, cujo crânio possibilitou uma das mais brilhantes pesquisas em arqueologia de nossa história.
Após o fogo destruir o prédio, não tardaram as manifestações. Algumas, mais sinceras, como a canalhice de Carlos Marun, para quem há “falsas viúvas” chorando pelo museu. Outras, como as dos ministros da Cultura e da Educação, não tardaram a oferecer R$ 15 milhões em caráter de urgência à instituição. Onde estavam estes recursos quando poderiam ter salvado o museu de sua ruína? Ao mesmo tempo, um tão aguardado financiamento do BNDES – banco reconhecido por ter despejado centenas de bilhões de reais para financiar a expansão internacional de multinacionais como J&F, Vale e Odebrecht – esteve emperrado nos escaninhos da burocracia desde 2005. A autorização veio em junho e se esperava a liberação dos valores, que pagariam justamente obras para segurança contra incêndios, em outubro. Tarde demais.
Este incêndio soma-se a dezenas de outros, ocorridos em anos recentes em museus e instituições culturais e mesmo em outras unidades da própria UFRJ, vítima da crise de nossas universidades, sobre a qual tratamos em editorial recente. A vergonha e a indignação completam-se ao ouvirmos o comandante dos bombeiros, consternado em meio às chamas, dar entrevista dizendo que o combate ao incêndio esteve prejudicado pela falta d’água nos hidrantes da Quinta da Boa Vista – de responsabilidade da CEDAE, em processo de privatização por Pezão e pela quadrilha fluminense do MDB.
Uma batalha política precisa ser dada
A indignação precisa dar lugar a uma batalha em defesa de nosso patrimônio histórico e cultural, de nossas universidades e direitos. De um lado, candidatos hipócritas como Alckmin e Meirelles, responsáveis diretos pelas políticas de austeridade, “lamentam” o episódio e falam em passar museus à administração privada por meio de ONGs. De outro, Bolsonaro revela seu obscurantismo ao propor a extinção do Ministério da Cultura, ao mesmo tempo em que seus seguidores difundem fake news culpando o PSOL (!) pelo incêndio.
Por sua vez, a Globo isenta de responsabilidade as políticas de austeridade, pelas quais milita diuturnamente em seus telejornais, e se soma à campanha neoliberal que culpa a universidade e os gastos com pessoal como responsáveis pela tragédia.
A melhor resposta foram os atos pelo país, com destaque para as mais de 15 mil pessoas que tomaram a Cinelândia, no Rio de Janeiro, em defesa de nossa cultura e da educação. No ato, Marcelo Freixo corretamente denunciou este projeto de desmonte. Trata-se de uma intervenção fundamental, somada à necessária solidariedade com funcionários, pesquisadores, docentes, trabalhadores e estudantes da UFRJ.
Na semana do 7 de setembro, feriado que celebra o dia da Independência, é uma trágica coincidência o crime contra o Museu Nacional. Destruir a ciência e a pesquisa nacionais é parte de uma estratégia que liquida nossa soberania. Estamos numa luta contra os que querem nos converter num novo tipo de colônia. Entre eles, está Bolsonaro, que semeia a mentira e a confusão para manipular o sentimento nacionalista de milhões. É, na verdade, um entreguista, com plano ultraliberal para privatizar tudo, tal como propõem Alckmin, Meirelles e Amoedo.
É preciso fazer como no Rio! Devemos reagir imediatamente e construir outro projeto de soberania nacional. É hora de exigir outra política econômica e fiscal, com a revogação da emenda 95, a taxação de lucros e dividendos, grandes fortunas, heranças, e o enfrentamento aos banqueiros e parasitas que lucram bilhões com seus rendimentos com a dívida pública.
No terreno eleitoral, devemos politizar e elevar a consciência do povo, votando na Frente PSOL/PCB/MTST/APIB, com um voto no 50 de cabo a rabo. Com Boulos e Sônia, e nossos candidatos a governador, ajudando o PSOL a ampliar sua bancada combativa na Câmara e nas Assembleias para fortalecer a luta que vem pela frente.