O nervosismo das Bolsas

Uma crise financeira não será uma surpresa. O problema é que o que os governos e os banqueiros centrais sabem serve de pouco.

Francisco Louçã 30 out 2018, 19:26

O que é aconteceu neste 10 de outubro? Caíram as bolsas, mas ninguém sabe porquê. Nos Estados Unidos, foi a pior sessão em oito meses; no Japão e na Ásia foi pior. Em Xangai chegou-se ao nível mais baixo dos últimos quatro anos. A 6 de fevereiro, tinha acontecido algo parecido e notou-se então que Greenspan, que dirigiu o banco central norte-americano até à véspera da crise, tinha constatado a existência de bolhas especulativas. Mas o mercado financeiro estaria tão “nervoso” só por causa de uma declaração? O facto é que as bolsas antecipam alguns dos maiores riscos económicos, mas não todos.

Cada ano é mais perigoso

Se medíssemos a economia pelo regime dos desastres ambientais, poder-se-ia apresentar uma teoria que comparasse as crises ao efeito de alterações climáticas sistémicas, que geram fenómenos extremos e imponderáveis cada vez mais frequentes, da “Leslie” às inundações em França. O problema é que essa interpretação remete para uma oculta responsabilidade o que está bem à frente dos nossos olhos.

Aliás, as três más notícias recentes eram todas previsíveis: o ligeiro arrefecimento da economia mundial, em parte pela guerra comercial (a previsão do FMI passa de um crescimento de 3,9 para 3,7 em 2018), a subida dos juros de referência nos EUA para 3%, para atrair capitais e financiar o défice (apesar da crítica de Trump ao homem que nomeou para a Fed, Powell), e o barril de petróleo acima dos 80 dólares pela primeira vez desde 2014 (com as crises iraniana e venezuelana ainda subirá mais). Mesmo uma quarta notícia que provoca tremuras, a instabilidade institucional na UE, com um ‘Brexit’ difícil mas manejável, e com uma Itália em choque com a Comissão, seria previsível. Assim, não é por surpresa que as Bolsas caem. É pelo contrário, pela certeza do risco.

Essa certeza levou “The Economist” a fazer uma edição sobre “a próxima recessão”, escrevendo que a Itália “é uma bomba-relógio” e que “um pânico em Itália pode irradiar pelos mercados financeiros, congelando o investimento e o crescimento no mundo”. Munchau, no “Financial Times”, argumenta no mesmo sentido que “as dívidas grega e italiana são menos sustentáveis hoje do que em 2010, quando a crise começou, e a Alemanha está hoje menos disposta a apoiar a zona euro”.

Os remédios são mais amargos

Uma crise financeira não é surpresa. O ciclo económico é certo. Portanto, haverá crise. E, depois das duas recessões deste início do século, os governos e os banqueiros centrais sabem o que podem fazer para conter os efeitos sistémicos do pânico e para remendar os estragos. O problema é que o que sabem serve de pouco.

Na crise, as grandes economias poderiam tentar os estímulos monetários e cortar os juros. Mas mesmo que as taxas de juro de referência subam em 2019 na zona euro e nos Estados Unidos, onde são 3%, a margem de ajustamento é reduzida. Há a alternativa experimentada há pouco, a injeção de liquidez pelo Banco Central, mas isso também suscita dificuldades políticas: o BCE triplicou o volume do seu balanço desde a crise, o que cria incómodo na Alemanha, que vê nisto a monetarização da dívida. O novo presidente do BCE terá de gerir esta pressão.

A China, que quase duplicou a sua dívida desde a última recessão, poderia desvalorizar a moeda para expandir a procura externa. Mas as empresas chinesas têm um montanha de dívida em dólares, 450 mil milhões, que assim se agravaria. É certo que a China, ao contrário das outras grandes economias, dispõe de uma arma fundamental, o controlo de capitais e da banca, além de grandes reservas. Está, apesar disso, sob tensão externa (corte de exportações para os EUA) e interna (expectativa de melhor consumo). Ou seja, nenhuma das zonas económicas escolhe a correção da escassez de procura, o remédio para limitar os efeitos de uma crise, e, pelo contrário, os limites institucionais agravam os obstáculos para o fazer. Para mais, a cooperação política na resposta a uma crise é agora mais duvidosa, considerando o papel de Trump. A próxima vez será pior do que no subprime.

Por isso mesmo, os estados devem garantir a maior capacidade de controlo de movimentos de capitais. Um exemplo: pela primeira vez, um tribunal inglês obrigará uma família do Azerbaijão, que comprou uma mansão em Londres e gastou em poucos anos 16 milhões de libras no Harrod’s, a justificar a sua “riqueza inexplicada”. Se o mesmo fosse aplicado aos Vistos Gold em Portugal, daríamos um passo no combate ao crime e estaríamos mais bem preparados para o que vem aí. Outro exemplo: a família Obiang, o ditador da Guiné Equatorial, esconde parte do seu dinheiro na Madeira. Os processos judiciais a que respondem são uma boa razão para verificar as contas. Só se evita a contaminação da crise com controlo financeiro.

Artigo originalmente publicado no jornal “Expresso” em 20 de outubro de 2018. Reprodução da versão publicada no esquerda.net.


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Camila Souza