As perspectivas diante do novo governo Bolsonaro

O resultado eleitoral significou um terremoto político, de larga escala, na vida política e social brasileira.

Executiva Nacional do MES/PSOL 8 nov 2018, 19:29

A vitória de Jair Bolsonaro é uma mudança, como definimos no documento em seguida ao primeiro turno: representa um salto de qualidade, um novo tipo de regime, ainda em transição, com maiores restrições de liberdades democráticas, um ajuste mais severo e uma desnacionalização da economia. O país deu um giro à extrema-direita, que terá impactos em toda a América Latina.

O resultado eleitoral significou um terremoto político, de larga escala, na vida política e social brasileira. As primeiras declarações da equipe de governo eleita alentam as incertezas diante da nova situação aberta com confirmação da vitória de Jair Bolsonaro em 28 de outubro.

É preciso examinar o conjunto dos dados para entender o sentido profundo do processo eleitoral. A polarização dividiu o Brasil. Bolsonaro venceu com 57,7 milhões de votos de um universo de 140 milhões de eleitores, o que soma cerca de 39% do total de eleitores aptos. Seu partido, o PSL, elegeu 52 deputados, número que deve subir com futuras adesões e fusões vinculadas a partidos de direita que não alcançaram a cláusula de desempenho. Elegeu também 4 senadores e os governadores de SC, RO e RR. Tais estados foram os que deram índices mais altos para Bolsonaro.

Haddad somou no segundo turno 47 milhões de votos, vencendo em todos estados do Nordeste. Nessa região, todos os governadores eleitos são alinhados com o antigo campo de apoio aos governos Lula e Dilma. Além disso, Haddad venceu no Pará, onde a família Barbalho repetiu o fenômeno dos Calheiros em Alagoas, retomando a hegemonia no estado, fazendo Helder governador e Jader senador. A vitória da extrema-direita se consolidou no Sudeste, onde seus aliados Doria, Zema e Witzel ganharam com folga o segundo turno.

O elemento contraditório da nova situação é o que serve de núcleo central para a resistência: a enorme politização ao redor do movimento democrático que se ampliou nos últimos quinze dias da campanha no segundo turno. Isso fez com que, nas grandes cidades, o espaço de Bolsonaro fosse contestado. Bolsonaro apenas não ganhou no primeiro turno pelos votos do Nordeste. Como mostraram as pesquisas eleitorais no segundo turno, a polarização elevada levou a um impasse político nas maiores cidades, nas quais a maioria das mulheres votou contra Bolsonaro. Esse número chegou a 59% se consideramos os votos das jovens mulheres. Entre os mais pobres, segundo as mesmas pesquisas, Bolsonaro também perdeu. Entre negros, LGBTs e jovens também os índices contrariam a vitória de Bolsonaro. Esse poderoso ativo é que deve ser identificado como dinâmico no processo da resistência.

Para além do exame da expressão eleitoral dos campos em disputa no segundo turno, devemos olhar para a situação internacional, para a capacidade de resistência do movimento de massas e para a disputa (intensa) de hegemonia de narrativas que a sociedade debaterá a partir de agora. Uma situação internacional na qual as variáveis seguem abertas e em disputa, num cenário que oscila entre posições autoritárias, traços caóticos e resistências exemplares como a dos imigrantes que cruzam a América Central para chegar aos EUA e lutar por seus direitos.

O bolsonarismo, como foi o fascismo nos anos 20 e 30, é produto da hegemonia do capital financeiro, da crise econômica, do desespero de setores populares e médios, e da crise ideológica das classes dominantes – aliás, não apenas das classes dominantes, mas também da ideologia das classes que lhes são antagônicas, ou seja, da crise das ideologias da classe trabalhadora.

A nova e inédita situação exige um reposicionamento do conjunto da esquerda socialista para intervir na realidade e disputar a construção de uma alternativa para os combates imediatos da classe trabalhadora, da juventude e das mulheres. Nossa batalha política no PSOL terá este sentido. Nesse documento, queremos apontar traços fundamentais para a discussão do balanço eleitoral e das primeiras perspectivas da nova situação.

1) Uma situação reacionária, instável e defensiva

Estamos diante de uma situação reacionária. A eleição de Bolsonaro, acompanhada do avanço institucional de seus partidários e aliados, aponta que estamos transitando para um novo regime, que já não responde ao pacto de 1988, mas do qual ainda não sabemos quais serão as determinações mais gerais. A relação de forças se torna desfavorável e a crise política do regime da Nova República joga o pêndulo político para a direita.

A situação anterior, aberta com as greves e o mal-estar social de 2011, potencializou uma experiência com a estratégia e os governos do PT, ganhando um salto de qualidade com a irrupção da juventude nas jornadas de junho de 2013. O colapso do regime da Nova República inaugurava uma situação transitória – estavam-se abrindo elementos de uma situação pré-revolucionária. A resposta da burguesia combinou repressão, disputa de narrativas a partir da Rede Globo e a assimilação das demandas de junho pela via da “reação democrática”, encarnada no PT e em governo.

Os parceiros da coalizão enquadraram as medidas tímidas de Dilma, que chegou a tentar utilizar o ascenso do movimento de massas para criar novas relações de força na superestrutura. Temer exigiu a liquidação da proposta, mesmo mediada, de Assembleia Constituinte que chegou a ser levantada por Dilma. A Rede Globo buscou desviar o foco do protesto, isolando a “ala radical” para normalizar as ruas do país.

Entre 2013 e 2015, houve vários exemplos de ação independente de massas. O número de greves se multiplicou, chegando aos mais altos da história do país. Greves fortes, como a dos rodoviários de Porto Alegre e a dos garis do Rio e ABC, contagiaram as categorias. A politização levou ao auge o debate sobre os temas democráticos e de contestação da corrupção e dos gastos públicos. Movimentos de moradia fortaleceram-se nos grandes centros urbanos, com destaque para o MTST em São Paulo.

A mão pesada da repressão parou os protestos com a utilização da Força Nacional, a aprovação da “lei antiterrorista” e a operação comum entre o governo Dilma e os governos estaduais durante a Copa. A demissão de mais de 50 ativistas metroviários de São Paulo na grande greve da categoria às vésperas da Copa do Mundo marcou esse cenário. A armação da Rede Globo para criminalizar as ruas pela morte do cinegrafista Santiago, já em 2015, foi uma inflexão nos protestos de rua.

Dilma, em 2014, teve sua última advertência. O PT já começava a receber uma votação de castigo nos grandes centros urbanos e nos estados onde governava. O apelo de um discurso mais à esquerda no segundo turno, com certa narrativa antibanqueiros, gerou frustação com a aplicação do ajuste e a nomeação do banqueiro Joaquim Levy logo após a apertada vitória eleitoral do PT com Michel Temer de vice.

O desvio da ação de 2013 resultou em frustração e desmoralização, sobretudo para os setores de classe média que já não se conformavam com as condições do mal-estar social. O descontentamento arrastou o “sistema político” para o redemoinho, com a combinação da crise econômica, em seu pico recessivo, com a crise política. Os escândalos de corrupção desnudavam o mecanismo de associação de toda a casta, da “esquerda” à “direita”, envolvendo PT, PMDB, PSDB, PP e as siglas menores associadas à Nova República.

A falta de uma direção centralizada com autoridade e de um programa custou caro para Junho. Esta foi sua debilidade principal, somada ao fato de que a classe trabalhadora enquanto tal não participou ativamente apesar do apoio passivo à juventude que unia as camadas médias aos seus setores mais precarizados.

As manifestações reacionárias com base na classe média, impulsionadas pelo MBL e outros setores da direita, foram a resposta da direita à crise do regime. Definimo-las, à época, como um “simulacro” das Jornadas de Junho. A direita começava sua disputa também no terreno que marcou a hegemonia do campo progressista até então: das manifestações de ruas e nas redes sociais.

Tais manifestações foram o lastro que uma parcela da sociedade deu para o golpe palaciano que, na forma de manobra parlamentar, tirou Dilma para colocar seu inimigo íntimo, Michel Temer, como fusível a ser queimado, no plano da burguesia conhecido como “Ponte para o Futuro”.

A mudança de conjuntura fechou a hipótese de uma situação pré-revolucionária, deixando, entretanto, margens para combinações: aconteceram importantes ações do movimento de massa, como a onda de ocupações de escola, o ciclo de lutas de 2017 que se iniciou com o 8 de março, teve ápice na greve geral de abril, na grande ocupação de Brasília contra a reforma da previdência e foi liquidado pelo esvaziamento da nova greve geral de 30 de junho, pelas direções burocráticas dos sindicatos.

A estratégia que Lula e a direção do PT utilizaram para responder a esse curto ciclo de lutas foi desviar a ação para a defesa de Lula e garantir o desgaste do governo para se postular na eleição de 2018. Uma estratégia que organizou derrotas.

A consolidação de uma situação reacionária deu-se nas urnas, com um governo com traços bonapartistas, eleito pelo voto, apesar do caráter manipulado do processo eleitoral como um todo.

Aqui queremos precisar uma categoria: o governo pode ser definido como semibonapartista, tensionando o regime para se fechar mais: um regime que será menos democrático, menos popular e menos nacional.

Não ocorreu, entretanto, uma derrota histórica da classe trabalhadora. As reservas políticas e democráticas da classe trabalhadora não foram testadas na luta de classes. O caráter hesitante e de contenção das direções burocráticas não levou a uma derrota no terreno da luta de classes, mas sim no terreno onde essas direções aceitam disputar a política como centro nos últimos 30 anos: a disputa eleitoral.

A polêmica real de 2016 não era sobre quem estava contra ou a favor do impeachment – ao qual nossa posição foi claramente contrária –ou se havia ocorrido um golpe parlamentar. O que estava em questão era se havia ocorrido uma mudança no regime político, se era legítima uma comparação com o golpe de 1964, como faziam o PT e seus aliados, o que evidentemente não aconteceu.

O alarmismo dos setores do PT e de seus satélites desarmou a vanguarda para os enfrentamentos duros que temos e teremos pela frente. O governo Temer, produto dessa manobra parlamentar, aprofundou o sangramento da Nova República. Uma saída como eleições gerais – se agarrada pelo conjunto dos setores progressistas – teria um impacto capaz de deter o amálgama que começava a se formar ao redor de saídas mais autoritárias e messiânicas. Uma vez mais a direção do PT e o lulismo escolheram defender seus próprios interesses enquanto aparelho ao invés de apostar na mobilização popular.

O resultado das eleições municipais em 2016 já projetava o giro à direita, na época galvanizado pelo PSDB e por figuras outsiders. Nossa avaliação eleitoral à época já apontava nessa direção – uma hipótese que se confirmaria com a não eleição do PSOL, apesar de seu bom desempenho ao passar para o segundo turno em três cidades importantes como Sorocaba, Belém e Rio de Janeiro:

“Assim, consideramos inicialmente o resultado de uma eleição que foi determinada pelo que chamamos de “fim de ciclo”. Este é o marco fundamental para nossas elaborações. As eleições municipais de 2016 tiveram como resultado mais importante a vitória eleitoral da direita, em particular do PSDB, com o aparecimento inédito de forma organizada – ainda que bastante minoritária – de forças da extrema-direita nas Câmaras Municipais e na vida política das cidades. Este crescimento foi de responsabilidade do PT, que durante 13 anos governou em colaboração com a burguesia e frustrou as expectativas de milhões, sobretudo por sua degeneração moral, que veio na esteira de sua capitulação política”.

Na VI Conferência do MES, em abril de 2018, indicamos três vetores que marcavam a situação nacional: 1) a contrarrevolução econômica; 2) o descontentamento popular; e 3) a ausência de uma alternativa.

A força de Bolsonaro arrastou setores da burguesia e do dito “mercado”, ávidos por uma velocidade maior no tema das reformas e privatizações. A ala militante da burguesia na campanha já havia sido identificada, sobretudo nos ramos comerciais e de insumos vinculados ao agronegócio. A cara pública destes setores foi a do dono das lojas Havan. A conformação de um comitê da burguesia ao redor das fakenews indica sua necessidade de ampliar seus ganhos com base no desespero e na desregulação profunda das relações de trabalho.

O descontentamento popular ampliou a base incipiente da extrema-direita na tarefa de “ultrapassar” o campo do PSDB. “Desclassados” de todo tipo, expressões da pequena-burguesia moderna e os trabalhadores dos setores de transporte, como caminhoneiros, motoristas de táxi e Uber, além das classes médias que saíram às ruas para pedir o fim do governo Dilma são a base eleitoral do triunfo do PSL. A greve dos caminhoneiros foi a última ilustração disso.

No cenário pré-eleitoral o descontentamento com os planos do governo e as condições de vida produziram um acontecimento social, pouco disputado por setores da esquerda, que se misturou com as redes sociais bolsonaristas. A militância de extrema-direita nos piquetes foi real, ampliando a máxima de que tem que “mudar tudo que esta aí”.

Quanto à ausência de uma alternativa, o PT não foi capaz de combater a extrema-direita, fruto da experiência que amplas parcelas do povo tiveram com anos de governo social-liberal. O PSOL teve dificuldades de apresentar um projeto global, conectado com as aspirações populares, a começar com a indiferença com relação à “corrupção”, que, em conjunto com a segurança pública, foi a maior expressão da derrota de um projeto de esquerda alternativo, capaz de mover multidões.

Ainda assim, o PSOL se fortalece porque foi, de outra parte, expressão parcial das lutas democráticas, sobretudo de mulheres, a luta por justiça para Marielle e em parte da juventude estudantil.

A política que Lula levou adiante – evitando qualquer alternativa por fora de si e do núcleo petista, neutralizando o PSB para enfraquecer Ciro – apostava que o melhor seria um segundo turno entre o PT e Bolsonaro, subestimando, objetivamente, a força das posições acumuladas pela extrema-direita. Trocando em miúdos, a direção lulista agitou o espantalho, mas não atuou para combater o corpo real. A declaração do rapper Mano Brown em comício da Lapa é o testemunho dessa política. O afastamento da esquerda majoritária da vida do povo, com o aburguesamento de parte dos quadros e dirigentes, abriu caminho para que outros atores ocupassem o espaço, já que se sabe não haver vácuo em política. As igrejas evangélicas operaram nessa condição de isolamento e afastamento da esquerda dos bairros e periferias do país.

A vitória do último 28 de outubro consolida uma situação reacionária. Uma situação que opera num novo tipo de regime, ainda em transição, que regride da condição democrática do regime constitucional de 1988. Um regime menos democrático, menos popular e menos nacional. Um governo com traços semibonapartistas, apoiado na centralização dos poderes nas mãos do presidente, com o Exército assumindo postos e equilibrando-se com todas as outras instituições.

A força institucional acumulada por Bolsonaro é o maior risco para forjar uma situação mais regressiva para o movimento de massas. Esta será uma tensão permanente em seu governo. No Rio de Janeiro, esta situação ganha contornos ainda mais dramáticos com os ataques aos direitos democráticos, como a licença para as polícias matarem, prometidos por Witzel. O que é certo é que vamos para uma situação de maior polarização social.

2) O marco da situação internacional: o Brasil novamente sincronizado com uma tendência internacional

A vitória da extrema-direita num gigante latino-americano como o Brasil muda em qualidade a relação de forças no continente. Assim como em 2013 definimos que o Brasil ingressava na “rota mundial dos indignados”, ao ser parte do movimento de ruas e praças que a juventude protagonizava em parte do planeta, podemos relacionar a vitória de Bolsonaro com o ascenso de novos governos autoritários, “populistas de direita” e de extrema-direita no mundo. O fenômeno, desigual, tem em Trump sua face mais visível.

Com a crise econômica de 2008, as tendências latentes nos países acabaram se sincronizando: a necessidade de ampliar a extração de mais-valia, reduzindo o “custo” dos países e aumentando as taxas de produtividade; o descontentamento popular com a corrupção e a gestão dos partidos tradicionais; e a ausência de uma alternativa socialista, de massas e consequente.

A forma política que traduziu a combinação entre a crise política e econômica acabou por devastar os regimes baseados nos pactos entre os partidos tradicionais, da direita constitucional e da esquerda social-democrata. Tocados por problemas como migrações, segurança pública e corrupção, o esgotamento do modelo de gestão democrática baseado na alternância e longevidade dos regimes, abriu uma etapa de “crise orgânica” recorrente em boa parte dos países, para usarmos um conceito de Antonio Gramsci, na qual há uma “ruptura entre as classes sociais e as representações tradicionais. É característica desse tipo de crise a falência total ou parcial do sistema político-partidário”. Essa analogia serve para governos e regimes oriundos das vitórias eleitorais de Trump, Erdogan, Orban e Duterte, além do caso da Itália de Salvini.

A saída pela força – ao contrário dos longos períodos democráticos anteriores – já não aparece como uma exceção ou um parêntesis. Diferentes entre si, com interesses por vezes antagônicos e trajetórias distintas, a existência de regimes autoritários é um fato em grandes países do mundo: China, Irã, Rússia, Arábia Saudita, além dos já citados, parte dos recentes fenômenos eleitorais.

O aspecto profundo do crescimento de saídas à direita se relaciona com a falta de uma perspectiva socialista e democrática. O socialismo não é visto como algo possível no horizonte de milhões, seja por sua identificação com o projeto stalinista que fracassou no século passado, seja pelo peso real que a ideologia reformista ainda tem na classe. As tragédias de Ortega na Nicarágua, uma ditadura degenerada, ou de Maduro, um processo que leva a Venezuela à ruína política e econômica, representam modelos que atrasam a consciência para um regime alternativo, no qual os trabalhadores possam governar, isolar o rentismo e expropriar a classe burguesa. É um processo histórico profundo. As revoluções democráticas e processos radicalizados que acompanhamos desde a irrupção da Praça Tahrir em 2011 e seus impactos na “onda dos indignados”, não resultaram numa inflexão que recolocasse no horizonte a tomada do poder pelos trabalhadores, seus organismos e pela esquerda radical. Um processo que deve ser estudado e discutido, ainda como fruto da experiência dos Estados Operários burocratizados no século XX, nos quais a falsa consciência impôs-se.

A situação regional consolida o pêndulo para a direita, com Bolsonaro, Duque na Colômbia, Piñera no Chile, além do governo Macri na Argentina. Isso terá efeitos, como uma pressão maior para a presença estadunidense na região, discurso contra os imigrantes e acosso contra a soberania da Venezuela.

O papel do sionismo na construção da vitória de Bolsonaro revela uma maior parceria no comércio militar – já se anunciaram acordos de colaboração –, e o apoio de líderes evangélicos com sua nova teologia pró-Israel. O anúncio da política de transferência da embaixada para Jerusalém, seguindo os passos de Trump, causou constrangimentos diplomáticos, com a reação dos países árabes, que devemos seguir acompanhando.

Um dos articuladores da vitória de Bolsonaro, o “gênio das fakenews” Steve Bannon, faz a ponte entre a extrema-direita que chama de “ilberal” e os processos nacionais que surgem no mundo. O mais importante fator a ser seguido é a dinâmica do governo Trump, seus desdobramentos no terreno da resistência e de sua legitimidade. Estamos preparando um documento para detalhar melhor o resultado das eleições americanas porque Trump serve como espelho desse traço da situação mundial. É o principal polo a ser analisado também com relação à resistência de setores democráticos, como as mulheres, LGBTs, negritude, e dos trabalhadores que saem às ruas e greves, além da crescente representação à esquerda das formações tradicionais do Partido Democrata, pela via dos Socialistas Democráticos (DSA).

Ainda há algumas interrogantes para acompanhar: como será a crise econômica mundial? Aonde vai o governo de Trump? Será ampliado o conflito comercial entre China e EUA? Qual a dinâmica regional de países como Argentina, Chile, Colômbia e México?

3) A natureza do novo governo

O fechamento do regime responde a uma necessidade do capitalismo de garantir sua estabilidade econômica, estabilidade do ponto de vista deles, os capitalistas, especialmente no caso dos rentistas, que querem continuar navegando nas altas taxas de juros e nos ganhos financeiros exorbitantes que têm ao longo dos últimos anos. Se isto não é uma novidade, há no horizonte a ameaça da crise econômica, já que o Brasil não consegue mais manter tal nível de pagamento de juros e ao mesmo tempo pagar aposentados, investir em saúde e educação.

O núcleo anunciado do novo governo responde aos setores fundamentais do “bolsonarismo em consolidação”: muitos militares, Paulo Guedes e ultraliberais inspirados no governo Pinochet, setores mais atrasados do agronegócio como a UDR/Heinze, evangélicos e lideranças das chamadas bancadas do Boi, Bala, Bíblia, com a benção do rentismo internacional e de setores da burguesia nacional. O imprevisível do governo Bolsonaro será de tensão permanente entre uma linha de maior gestão dos negócios e declarações de teor semifascista.

Os militares retornam ao centro da política institucional depois de décadas. Isso combina a política adotada pelo PSDB e pelo PT de não enfrentar a justiça de transição, contrariando o processo que ocorreu na redemocratização em países como Uruguai e Argentina. Nenhum torturador chegou ao banco dos réus. O “entulho da ditadura” nunca foi removido e volta a assombrar. O SNI/ABIN, os tribunais miliares e a estrutura policial de duas forças estaduais independentes permaneceram após o pacto da Nova República.

Hoje temos uma estrutura militar que envolve, entre Marinha, Exército e Aeronáutica, mais de 320 mil militares na ativa, além de 1 milhão e 115 mil reservistas e 425 mil membros ativos das polícias militares, 13 mil na Polícia Federal e 118 mil nas polícias civis estaduais. O general Augusto Heleno é um dos que se postula como capaz de dar direção à aliança bolsonarista. Respaldado durante os governos do PT como responsável pelas forças de ocupação do Haiti – experiência posteriormente utilizada para projetar operações e a intervenção militar no Rio de Janeiro. Heleno busca ser o elemento de coesão, dentre as frações militares e civis, de um governo que ainda demonstra falta de sintonia.

A falta de política da maior parte da esquerda para a baixa e média oficialidade também é parte do balanço. Houve duas grandes ondas de mobilização nas polícias civis e militares durante o período da Nova República. Primeiro, ocorreram as grandes greves estaduais de 1996 e 97, que se chocaram com o ajuste neoliberal dos anos 90, com muita força em Alagoas, Rio Grande do Sul, Minas Gerais. Anos depois, já sob o governo federal petista, ocorreu a mobilização de bombeiros e policiais militares e civis, a partir da greve dos bombeiros de 2011 no Rio de Janeiro. Daciolo, em seus primeiros passos políticos, era expressão de que havia confusão e combatividade nos enfretamentos, com a grande contradição do peso evangélico que se espalhava nas bases dessas corporações.

Por um lado, o PT ofereceu uma saída reformista como resposta à primeira onda e, quando estava no governo, operou a repressão, chegando a prender os líderes do movimento para evitar uma rebelião de caráter nacional. Fica a lição da necessidade de ter uma política de organização e defesa da capacidade associativa das baixas e médias camadas das FFAA e das polícias.

Os grandes proprietários de terra foram ganhando peso diante da crise política. Após os anos de aumento nos preços internacionais das commodities, nos quais uma parte do agronegócio migrou para uma linha de coexistência com o social-liberalismo, sob a liderança de Maggi e Kátia Abreu, os dirigentes do mundo rural e da grande propriedade tomaram para si a defesa de seus interesses e posições. Heinze, Caiado e Nabhan Garcia associam a defesa do porte de armas, as novas leis sobre o abigeato, com um grupo forte de pressão dentro do bolsonarismo, como fenômeno reativo às demarcações de terra e reparações históricas com quilombolas, indígenas, ribeirinhos e outras comunidades que disputam a partilha da terra.

Esse fenômeno se assemelha a parte da “altright” trumpista, armada e rural, com a retomada de valores racistas e escravistas, herança que ainda pesa no Brasil, país em que se revela o limite das transições por “cima”, incompletas, e no qual o latifúndio volta a assombrar com seu discurso contra indígenas, negros e sem-terra.

Como visto nas relações com Magno Malta e Silas Malafaia, o componente evangélico será outra variável permanente no núcleo bolsonarista. Desde já, fica clara a disposição do novo governo de aplicar medidas de força contra a educação laica e pluralista, ao redor de temas como “escola sem partido”, numa leitura ultraconservadora da realidade. Será um governo de permanente enfrentamento, tensão e disputa a quente, com a continuidade das fakenews. Podemos resumir, esquematicamente, os eixos fundamentais do plano de Bolsonaro da seguinte forma:

a) Economia: ajuste, reforma da previdência, privatizações, ataque ao funcionalismo, aos direitos trabalhistas e sociais;

b) Segurança: revisão do Estatuto do Desarmamento, diminuição da maioridade penal e desregulamentação da segurança privada;

c) Educação: aceleração das parcerias com fundações, avanço da privatização do ensino superior com possível fim da gratuidade e “escola sem partido”;

d) Ambiental: ataque aos órgãos de preservação do meio-ambiente, como Ibama e ICM-Bio, flexibilização de reservas, estímulo à mineração, leniência com a grilagem e ataques aos povos tradicionais.

A indicação de Paulo Guedes para um novo Ministério da Economia que concentrará enormes atribuições, responde ao “choque neoliberal” pedido pelos operadores do mercado. Por sua vez, a presença de Sérgio Moro no Ministério da Justiça, com grande concentração de poderes, é uma tentativa de resposta de Bolsonaro a um apelo da opinião pública, abrindo novas contradições que podem enfraquecer em breve o projeto do novo governo. Ainda que possa ser um “fusível” a ser queimado pela dupla Bolsonaro/Mourão, Sérgio Moro estará constrangido sobre suas companhias na Esplanada, como Onyx Lorenzoni, que confessou receber caixa 2. A primeira entrevista coletiva de Moro já mostrou a pressão da imprensa sobre esta contradição. Também será necessário acompanhar como tratará do tema mais grave no terreno dos direitos democráticos: o caso Marielle. Em suas primeiras entrevistas, tocou no assunto, o que demonstra ser necessário avançar na agitação e exigências de resposta, tanto no Brasil como internacionalmente. Expressamos nossa visão no artigo de Roberto Robaina, “Sérgio Moro de ministro do Bolsonaro”.

As perspectivas econômicas são incertas: o que sabemos é que haverá mais ataques ao povo, caos no serviço público e crescimento das formas de emprego precário. Há várias questões abertas. O Brasil receberá novos investimentos estrangeiros estimulados pela política de choque de Guedes? Que efeitos terá a crise das moedas dos países emergentes? Como o governo lidará com o tema do endividamento? Qual será a dimensão da crise social diante de tais ataques? Como ficará a economia real? Uma notícia recente na Folha de S. Paulo fala em mais de 20 mil moradores de rua só na capital paulista. A forte presença do crime organizado em importantes capitais, objeto de bravatas de Bolsonaro ao longo da campanha, é outro tema fundamental sobre o qual o povo espera resposta.

É necessário levar em conta que os milhões de eleitores que depositaram esperança de que Bolsonaro poderia mudar “tudo que está aí” rapidamente começarão a fazer sua experiência com este governo e seu líder. A respeito, a visão de Marcelo Freixo é bastante eloquente: “Eu não tenho dúvida de que a melhor maneira de derrotar o bolsonarismo, essa onda de atraso, de retrocesso tão forte, é ele [Bolsonaro] no governo”, diz. “Ali ele será exposto a algo que nunca foi. O problema é o preço que a gente vai pagar, esse preço será alto, incalculável”.

O maior risco do processo atual vincula-se ao crescimento das milícias. A principal e real expressão de setores que podem ir ao fascismo, como já alertamos em outros momentos, vincula-se ao Rio de Janeiro e à existência de bandas paramilitares sob a forma de milícias. O cenário dramático do Rio é a pior a expressão deste fenômeno: o ascenso do bolsonarismo ligado às milícias. Ainda é muito cedo para arriscar alguma hipótese, mas o risco da “mexicanização” do Brasil é o mais real, dentro das hipóteses de fechamento do regime e ataques contra a esquerda, o movimento operário e suas organizações.

4) Dinâmica da resistência e politização

O segundo turno eleitoral foi marcado pela entrada em cena de centenas de milhares de ativistas que lutaram contra a emergência de Bolsonaro e de suas posições semifascistas. Houve uma escala de politização, sobretudo entre as mulheres e a juventude, que antecipam a vanguarda de uma resistência maior aos planos de Bolsonaro e a seus ataques às liberdades democráticas constituídas.

É preciso combinar a defesa do movimento democrático das ultimas duas semanas do segundo turno à necessidade da classe trabalhadora fazer a experiência. Como dissemos, parcela importante dos eleitores de Bolsonaro votou estimulada por elementos de atraso e pela visão de “mudar tudo isso aí”, numa espécie de revolta às avessas contra as “elites políticas”.

Mobilizar o setor dinâmico da resistência e acompanhar a experiência dos que votaram em Bolsonaro por motivações confusas é o segredo para alargar a dinâmica de politização e evitar retrocessos maiores. Por isso, é preciso estar aberto ao diálogo com as confusões, explicando pacientemente para os setores da classe trabalhadora o que está em jogo.

As medidas impopulares de Boslonaro, como a contrarreforma da previdência, destruição de direitos trabalhistas, desvinculação orçamentária de áreas sociais e a possível recriação da CPMF, além de outros ataques amplos aos direitos do povo, devem servir como base da experiência. Como apontou Vladimir Safatle em palestra recente na USP, “temos que nos manter unidos e trazer os que estão do outro lado. Assim vamos recompor uma maioria democrática. As universidades são as cidadelas da resistência”.

Na sexta-feira anterior à eleição, várias universidades foram invadidas com mandados judiciais para a retirada de faixas alusivas à luta contra o fascismo. Depois de importante mobilização, o STF julgou tais medidas inconstitucionais. A defesa das universidades é uma alavanca para a construção de um polo de resistência, organizando por baixo e oferecendo alternativas democráticas e participativas para atuar. O calendário do movimento estudantil será especial, portanto, como forma de unir também ao redor de si pós-graduandos, a defesa da pesquisa, da autonomia universitária, do direito de cátedra e do conjunto das conquistas das universidades públicas e do sistema nacional de pesquisa nos últimos anos.

Teremos de estar atentos e vigilantes na defesa de medidas constitucionais. O papel de instituições como STF pode arbitrar a favor de medidas populares e contra violações legais. Esse parâmetro vai levar-nos a compor unidades amplas para tais defesas. As contenções contra a ação dos bolsonaristas no âmbito federal, estadual e na disputa da sociedade devem ser preservadas e erguidas. É importante responder com força a cada ataque, começando ao dito “escola sem partido” e é fundamental construir uma ampla unidade das forças progressistas em defesa das liberdades democráticas, já que os ataques verbais de Bolsonaro podem transformar-se em ataques reais, já antecipados na campanha eleitoral, contra a imprensa e populações oprimidas, que precisam ser respondidos.

Não é possível aceitar a hegemonia de nenhum partido nesse processo de construção da oposição a Bolsonaro. O que vai ocorrer nos próximos quatro anos é muito difícil de prever porque dependerá da capacidade de reação das forças progressistas da sociedade, se estas conseguirão impedir os retrocessos reacionários que Bolsonaro pretende impor à sociedade ou se retrocederão, deixando que as forças políticas da direita avancem cada vez mais. Podemos impedir tais retrocessos com a força das mulheres, que foram fundamentais nesse processo de luta contra o Bolsonaro no segundo turno, com a força do movimento LGBT, com a força da juventude nas escolas e nas universidades, que já estão demonstrando sua capacidade de resistência. Mas é preciso ampliar a resistência e dialogar.

As pesquisas eleitorais mostraram que grande parte dos eleitores do Bolsonaro não acreditava que ele iria implantar uma ditadura no Brasil. Então, se ele tentar implantar essa ditadura, os eleitores de Bolsonaro poderão vir a ser nossos aliados a lutar contra o próprio Bolsonaro.

O movimento operário, por sua vez, ainda não teve sua força colocada à prova. Não sabemos como irão responder os batalhões pesados da classe, onde há muitos eleitores de Bolsonaro. Devemos organizar e dialogar nos locais de trabalho. O acúmulo da luta contra a reforma de previdência de Temer, em 2017, gerou uma posição amplamente majoritária em rechaço à retirada dos direitos previdenciários. Setores como caminhoneiros e vinculados às forças de segurança, como vigilantes, que se posicionaram a favor do voto em Bolsonaro podem ter contradições com os planos econômicos que serão aplicados.

O serviço público será atacado. Utilizando o funcionalismo como bode expiatório, o peso da repressão e das demissões será grande. Temos que acompanhar a defesa do serviço público, além do efeito da PEC do teto de gastos e os fortes desdobramentos da crise fiscal nos estados.

5) Os desafios do PSOL e a recomposição da esquerda

O PSOL deve tomar parte no ciclo da resistência, após sua vitória eleitoral, como protagonista de muitas lutas democráticas no país. Superar a cláusula de barreira em difíceis condições coloca o partido com muitas responsabilidades. É preciso disputar a construção e a reinvenção da “nova esquerda”, como parte da luta por uma direção para a classe e a juventude. É nos períodos de choque que se testam as direções e está claro que o PT não está à altura do desafio. Por isso, defendemos que o PSOL possa forjar unidades, mas com um perfil próprio e independente. O partido não pode ter uma orientação de construir um campo preferencial com o petismo. Trotsky explica em “Classe – Partido – Direção” como se devem superar as direções que atuam como uma trava à classe trabalhadora:

“Imitando os liberais, nossos sábios aceitam tacitamente o axioma de que cada classe tem a direção que merece. Na realidade, a direção, de nenhum modo, é um simples “reflexo” de uma classe ou o produto de sua própria criação livre. Forja-se a direção no processo dos choques entre diferentes classes e das fricções entre as diferentes camadas dentro de determinada classe. Uma vez assumido seu papel, a direção invariavelmente se eleva acima de sua classe, com o que fica predisposta a sofrer pressões e influências de outras classes. O proletariado pode “tolerar” por longo tempo uma direção que tenha sofrido um processo de completa degeneração interna, contanto que ela não tenha tido a oportunidade de evidenciar essa degeneração diante dos grande acontecimentos. É necessário um grande abalo histórico para aparecer a aguda contradição entre a direção e a classe. Os abalos históricos mais poderosos são as guerras e as revoluções. Precisamente por este motivo é que, com frequência, a classe operária é pega desprevenida pela guerra e pela revolução. Mas, mesmo nos casos em que a velha direção tenha revelado sua corrupção interna, a classe não pode improvisar imediatamente uma nova direção, se não herdou do período anterior sólidos quadros revolucionários, capazes de aproveitar o colapso do velho Partido dirigente”.

A questão da disputa da hegemonia no campo da oposição deve ser debatida. No âmbito da reorganização da esquerda, além das conclusões críticas à experiência dos governos do PT, de natureza social-liberal, será fundamental a afirmação do PSOL, sua identidade própria, sua política clara e independente. Ao persistir a ausência de política global e alternativa por parte do PSOL, o PT tende a liderar a oposição, fruto de seu fortalecimento relativo, pelo menos no terreno parlamentar. Essa disputa, nos marcos de uma unidade que deve ser muito maior e abarcar toda a oposição existente a Bolsonaro, existe porque temos um projeto diferenciado ao do PT e lutamos para não sermos confundidos.

O PSOL deve dar um salto em sua intervenção política e em sua capacidade organizativa. Há espaço em para defender as pautas democráticas radicais que o PSOL vocaliza. Precisamos aprofundar a discussão para vincular mais o partido à classe e construir um projeto mais global.

Nosso escore eleitoral credencia o Partido para tanto. Obtivemos quase 3%, dobrando a bancada eleita em 2014 na Câmara. Nosso destaque foram as mulheres, metade da bancada federal, com Sâmia, Fernanda, Talíria, Áurea e Erundina. Nossa votação no Rio de Janeiro foi forte, capitaneada por Marcelo Freixo, seguido de Glauber e Jean. A bancada federal completa-se com a experiência de Ivan Valente, que carrega marca da resistência ao regime militar, e também com a força de Edmilson, deputado mais votado do Pará. Avançamos em 50% nossa representação nas assembleias estaduais, ampliando o raio de ação parlamentar do Partido.

O Partido precisa ter medidas para integrar a intervenção militante, a bancada federal e a direção partidária: reuniões periódicas da executiva, maior comunicação entre a militância, setoriais atuantes. E uma imediata campanha de filiações, com critérios, para abrir as portas para milhares de ativistas que querem organizar a resistência e miram em nosso Partido uma ferramenta necessária. Para tanto, é preciso ter um partido mais vivo e militante, que garanta com unidade a defesa de um programa democrático, com radicalidade e capacidade de diálogo com outros setores e forças políticas à esquerda. Para que a orientação seja a mais nítida possível, queremos afirmar três categorias próprias e diferenciadas:

I – Unidade de ação ampla: com todos, baseada em temas pontuais, de acordo com as necessidades. Uma orientação que serve desde blocos parlamentares até campanhas democráticas. A condição para um bloco/unidade comum é estabelecer pontos de acordo mínimos, transparência na composição e garantia de expressão do perfil político independente;

II – Frente única: com os que declaram defender os interesses dos trabalhadores, dos assalariados, dos camponeses, sem terra, sem teto, indígenas e quilombolas, mulheres e negros, defenderemos uma frente única com base num programa comum de reivindicações destes setores sociais, bem como insistiremos na frente única para defender as organizações da classe, da juventude, dos movimentos sociais, rurais e urbanos, como MST e MTST.

III – Identidade anticapitalista: discussão estratégica para a conformação de um polo e luta para que o PSOL represente a nova esquerda. Mais do que nunca, é preciso fazer o debate de alternativas.

O crescimento do DSA nos Estados Unidos, resultado da necessidade de resistência a Trump, serve como exemplo de que existe espaço para uma postulação que afirme o socialismo e a liberdade.

6) Nossa tarefas

Nossa corrente tem novos desafios. Acabamos de ter uma avanço eleitoral, com novos mandatos, que nos posicionam para responder mais à política nacional cotidiana. Sabemos que a única saída para o desenvolvimento da esquerda socialista, no atual estágio, passa por batalhar para que o PSOL se postule como ferramenta da luta do povo e alternativa dentro do campo da resistência.

Queremos anunciar alguns dos eixos com os quais devemos intervir e debater no próximo período. A defesa das liberdades democráticas, na qual o papel de mulheres e da juventude é central como primeira fila da resistência. Isso envolve a mobilização contra o projeto “escola sem partido”, a defesa das universidades, participando ativamente das lutas nos locais de estudo, a vigilância e denúncia da política de extermínio das juventudes negras da periferia. Quanto às mulheres, o exemplo do #Elenão, no primeiro e segundo turnos deve ser aprimorado como forma permanente de manter viva a organização da resistência por baixo. Devemos, também, combater as fakenews nas redes, articulando um “aparelho próprio” da disputa de hegemonia. É preciso estimular uma política de comunicação alternativa para ampliar nossas ideias.

Queremos apresentar uma linha de ação, com base num programa direto que o PSOL possa tomar como centro, dialogando com outros atores da esquerda socialista e os movimentos sociais, partindo da luta central do período – que é o maior divisor de águas entre as posições democráticas e a linha protofascista do futuro governo – a luta por justiça para Marielle.

Propomos, aqui, elementos de um programa sintético para o debate:

a) Justiça para Marielle, uma campanha mundial;

b) Defesa dos direitos do povo. Abaixo a contrarreforma da previdência e o plano econômico Guedes/Bolsonaro. Combate à PEC do teto, às privatizações. Defesa do emprego, dos salários e direitos;

c) Contra a perseguição, prisão e acosso aos líderes populares, sindicais e de movimentos sociais;

d) Defesa da Amazônia e do meio-ambiente contra as medidas de espoliação do capital contra os recursos naturais;

e) Defesa dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e da população rural contra o ataque às demarcações de terra e a ofensiva dos latifundiários e grileiros;

f) Defesa da autonomia das universidades. Pelo direito à pesquisa, ensino e extensão públicos e gratuitos;

g) Taxação das grandes fortunas, dividendos e heranças. Que os mais ricos paguem pela crise social;

h) Luta contra a corrupção e os privilégios da casta política e da cúpula dos Três Poderes.

Além destas medidas, a discussão programática precisa contar com a elaboração de mulheres, LGBTs, negras e negros contra os ataques do novo governo. É preciso incluir no debate a questão da autodefesa e da organização de equipes de preservação.

A formação marxista e propaganda precisam fortalecer-se. Para isso, devemos contar com os esforços da Revista Movimento e promover iniciativas de formação como a Escola Marx, realizada no Rio Grande do Sul em 2018.

Nossas frentes de intervenção, como Juntos, Juntas, Mover e Emancipa, terão papel fundamental na participação das lutas de base. Este é o momento para aprofundar a elaboração política e a intervenção nos locais de estudo e trabalho.

É preciso, também, estimular canis de debate estratégico com setores das forças de segurança, inspirando-se e apoiando a experiência dos sindicatos que são referência na luta policial, como o Sinpol-PE e a Ugeirm-RS.

O MES lutará com seus novos mandatos, com nossas publicações e com nossas frentes de atuação para colocar nossas energias a serviço da recomposição de uma esquerda radical, anticapitalista e democrática, baseada na luta de classes.

7) Apostar na criatividade e resistência do povo brasileiro

O esforço para colocar em pé uma alternativa e para lutar pela ampliação da resistência só poderá ter êxito se estiver baseado nas lutas do povo. Apenas a gigante classe trabalhadora brasileira, que tem o rosto de mulher, da luta do povo negro e da juventude, poderá deter os planos de ódio e devastação do novo governo. Queremos dizer que nosso destino militante está atado intrinsecamente à capacidade da resistência do povo. Por isso, numa situação defensiva, queremos ainda mais nos apoiar na criatividade e na experiência coletiva de um povo que batalha todos os dias para sobreviver. A cultura e a resistência em formas populares, como o Carnaval, devem servir de ferramentas para reverberar a luta social.

Queremos concentrar forças em atividades gerais, como o carnaval de 2019, no qual a Estação Primeira de Mangueira levará à avenida um samba-enredo em homenagem a Marielle Franco. O dia internacional das mulheres, 8 de março, tal como na resistência a Trump, promete ser a primeira grande ação de massas em oposição ao governo de Bolsonaro. E, ainda no mês de março, o registro de um ano do assassinato de Marielle, no dia 14, deve ser uma importante data de luta. Temos um calendário e precisamos apoiar as lutas nos locais de estudo, trabalho e moradia.

Nossas trincheiras parlamentares estarão a serviço dessa construção, como caixas de ressonância da luta popular em tempos de resistência. Estimularemos a formação de quadros políticos revolucionários para a luta junto ao povo. Reforçaremos os laços de luta com os povos de todo o mundo, com o internacionalismo que nos é caro, para fazer a boa luta e vencer!


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Pedro Micussi