O caveirão vai à universidade

O Projeto de Lei do Escola Sem Partido é o caveirão jurídico, que adentra o espaço educacional para criminalizar e exterminar o pensamento crítico.

Luiz Fernando de Souza Santos 1 nov 2018, 16:07

Há dois anos atrás escrevi um texto intitulado “O Caveirão Jurídico: crítica ao Projeto de Lei que institui o Programa Escola Sem Partido no Amazonas”. A expressão “caveirão” faz paralelo com o carro do BOPE, no Rio de Janeiro, que, ao invadir o morro, na saída deixa vários cadáveres para trás. O Projeto de Lei em foco é o caveirão jurídico, que adentra o espaço educacional para criminalizar e exterminar o pensamento crítico. E agora , este caveirão, na esteira da eleição de Bolsonaro invadiu o ambiente do ensino superior, senão como lei, mas como exercício de irracionalidade.

Os agentes de irracionalidade do caveirão deixam capim na mesa de professora, acusam e agridem outros por serem comunista, recorreram ao TRE durante o processo eleitoral para interditar a livre manifestação e pensar nas universidades, agridem estudantes que militan nas organizações estudantis, estupram, posam com armas, mandam mensagens ameaçadora pelas redes sociais. E, a pérola dos ataques irracionais: acusam os professores de doutrinação política. Professores das ciências sociais são doutrinadores, marxistas, comunistas, petistas, esquerdistas. Para combater os professores enquadrados segundo este marco classificatório, uma Deputa Estadual eleita por Santa Catarina incitou estudantes a enviarem vídeos de aulas que tivessem conteúdo político-partidário ou ideológico. A intenção, além da promoção pessoal junto à comunidade reacionária, é criar um ambiente de patrulhamento, de censura, ao exercício da docência.

A formação do pensamento científico sobre a vida social é confrontada com uma epistemologia de Facebook; e a biblioteca, lugar de pesquisa e aprofundamento do estudo, é trocada pelo Wikipédia, Youtubers de formação intelectual duvidosa, assertivas escritas em 140 caracteres no Twitter e leituras de Fake News que chegam constantemente via Whatsapp. A partir da formação obtida por estes canais típicos desta epistemologia sem ciência, os estudantes de corte reacionário combatem o que chamam de “doutrinação” e “marxismo”.

É possível que um professor, ao trabalhar um livro intitulado “Le Socialisme”, seja encarado como um doutrinador. Pode ser que esteja a ponto de sofrer uma agressão ao ler a seguinte passagem: “S’il n’est pas une expression scientifique des faits sociaux, il est lui-même un fait social et de la plus haut importance. S’il n’est pas ouevre de science, il est objet de science”. Um professor que leve um texto deste, considerando o socialismo como um fato da mais relevante importância, pode sofrer a ira de quem o identifica como marxista, uma vez que esta obra e citação certamente foi escrita por Marx, Engels, ou Gramsci. Deve ser marxismo cultural. Qual não será a surpresa quando se descobrir que o autor é Émile Dukheim!

Ao fim e ao cabo, os combatentes da doutrinação, esses filhos da epistemologia de facebook, ao acusarem a reflexão sociológica de “marxismo” têm por objetivo atacar todo o conjunto das ciências sociais. O que pretendem é abolir a problematização das contradições da vida social moderna conforme uma lógica da reflexão científica. A compreensão da sociologia como “autoconsciência científica da vida moderna”, tão cara a autores como Florestan Fernandes e Octavio Ianni, é que esta na raiz de uma disposição irracionalista, que pretende discorrer sobre os fenômenos sociais a partir de fundamentalismos religiosos e seus postulados dogmáticos.

A chegada de um típico representante do reacionarismo fascista à Presidência da República no Brasil, tem seu correspondente nos defensores da Lei da Mordaça no interior da Universidade. E eles não querem extirpar, efetivamente, o que identificam como os aspectos doutrinadores na formação teórica em ciências sociais. Eles pretendem é interditar o exercício da crítica, componente fundamental deste campo disciplinar, e assim, eliminá-lo. O caveirão não quer apenas interditar, ele quer destruir. No conjunto, o pensamento clássico de Durkheim, Marx, Weber, Lévi-Strauss, Maquiavel, etc. é que é a fonte de desespero.

Num escrito intitulado “A ciência como vocação”, Max Weber indicou para aqueles que não têm a inclinação para um ethos segundo uma existência racionalizada, intelectualizada e desencantada, que deixem um ambiente assim e corram quietos para “os braços das velhas igrejas”, pois estas estarão abertas a espera deles. No entanto, o que a provocação weberiana não intutiu, é que chegaríamos a uma época, esta pela qual passamos, em que aqueles que fizeram a opção por uma conduta irracional, querem instalar seus templos de oração no interior das universidades.

Por uma angulação intelectual, a reação ao caveirão da razão pode encontrar sua fonte de inspiração em Karl Marx, no Prefácio à primeira edição de O Capital. Os apologetas da Lei da Mordaça podem ser compreendidos como portadores de um elmo de névoa a perseguir monstros. Os efetivos representantes das Ciências Sociais, como nos apontou Marx, retiraram “o elmo de névoa sobre nossos olhos para poder negar a existência dos monstros”. As Ciências Sociais não lidam com monstros nascidos dos delírios do irracionalismo, mas com a materialidade da ontologia do ser social.

No plano político, à esta disposição intelectual, deve corresponder a mobilização do sindicato docente, das organizações estudantis, das associações científicas, das administrações das instituições de ensino e pesquisa e dos representantes no parlamento de uma lógica política à esquerda e/ou progressista, que sejam capazes de barrar o avanço do irracionalismo protofascista sobre o livre pensar, sobre a liberdade de cátedra.


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