Big data: São agora nossos “traços atencionais” que são objeto do comércio
Trata-se de conseguir atrair aos bens culturais a atenção necessária para sua valorização.
Fala-se muito de “economia da atenção” desde 1995, data na qual Michael Goldhaber, professor em Berkeley, sugeriu (escandalosamente) que a partir de então a atenção ter mais valor que o próprio dinheiro. Essa data corresponde a uma larga tomada de consciência da forma pela qual a Internet iria transformar nossos usos culturais. Quantidades absolutamente inéditas de conteúdos (textos, gravações audiovisuais) se tornaram disponíveis com um simples clique. Isso colocou, literalmente, os receptores dentro de um “embaraço de escolha”, e constrangeu os emissores a uma busca cada vez mais desesperada de um recurso que se tornou o mais raro e o mais precioso de todos: a atenção (também batizada como “tempo do cérebro disponível).
Em termos econômicos: o “custo de oportunidade” de colocar sua atenção nisso ao invés daquilo explodiu dentro de alguns anos. Nós estamos apenas começando a perceber suas implicações sociais, políticas e antropológicas.
Uma primeira definição (muito) abrangente da econômica da atenção reflete essa transformação. Enquanto a economia tradicional era concebida como a utilização otimizada de recursos escassos a fim de produzir tanto e quantos bens possíveis, à economia da atenção é colocada problemas de recepção: como conseguir atrair aos bens culturais produzidos a atenção necessária para sua valorização? Para além das novas leis e equações econômicas propostas para formalizar tal economia, para além da gestão do tempo de atenção dos funcionários de uma empresa, trata-se realmente de uma nova lógica social que seus primeiros teóricos tentaram compreender, como Michael Goldhaber, Jonathan Crary ou, na França, Dominique Boullier.
A publicidade, o taylorismoo…
Formular o problema nesses termos mostra, contudo, que a economia da atenção não nasceu em 1995. Desde a Grécia antiga, a retórica sempre teve como objetivo atrair e cativar a atenção de um auditório. A publicidade, contemporânea da industrialização, origem visou alinhar desde sua origem a atenção dos consumidores às lógicas das marcas, ao mesmo tempo que o taylorismo visava focar a atenção dos operários à tarefa a eles atribuída pela linha de montagem.
Para precisar a noção, podemos então seguir o jurista estadunidense Tim Wu, cujo best-seller recente, The Attention Merchants: The Epic Scramble to Get Inside Our Heads (Vintage, 2017, sem tradução) remonta a 1833 a emergência de uma verdadeira econômica da atenção. É a data na qual Benjamin Day propõe que um jornal, The New York Sun, seja vendido pela metade de seu custo de produção enquanto a outra metade sendo financiada pelo pagamento de anúncios. Isso voltava a fazer com que a atenção dos leitores fosse uma mercadoria suscetível de ser comprada e vendida como outra qualquer.
Fala-se agora de um “duplo mercado”: um jornal é vendido para sua audiência, que paga para ter acesso ao seu conteúdo; a atenção dessa audiência é vendida aos anunciantes, que pagam para terem acesso a ela. Uma acepção mais precisa da economia da atenção restringe, assim, esse termo aos mecanismos baseados em tal mercantilização da atenção humana.
O “terceiro” mercado
Ao longo do século XX, essa mercantilização colonizou quase a totalidade de nossos meios de comunicação de massa. Mesmo os organismos pretensiosamente “públicos” se encontram submissos a uma competição geral pela captação de nossa atenção coletiva. A pressão é direta enquanto que uma parte de seu financiamento depende de recursos publicitários. Ela se exerce indiretamente enquanto sua viabilidade é avaliada em termos puramente quantitativos de medição de audiência [audimat]. Diversos analistas denunciam há muitas décadas os efeitos deletérios dessa ocupação (no sentido militar do termo) operado sobre nossa atenção coletiva: o que deveria ou poderia se comunicar entre nós se encontra submisso ao que atraí e captura imediatamente nossos reflexos atencionais mercantilizados (os mais reptilianos).
A inovação mais “disruptiva” das mídias eletrônicas pertence às informações colhidas a respeito dos gestos atencionais que a interatividade nos convida a exercer.
A principal novidade introduzida ao longo da última década se deve à emergência de um terceiro mercado, que se sobrepõe à venda de produtos culturais e à atenção que eles atraem. São agora nossos “traços atencionais” que são o objeto do comércio do qual se alimenta a economia da atenção. A inovação mais “disruptiva” das mídias eletrônicas não se deve ao que se apresenta em nossas telas virtuais, mas às informações colhidas a respeito de nossos gestos atencionais que a interatividade nos convida a exercer (big data). Ninguém sabe quando você vira a página de seu livro impresso, mas a Amazon pode medir o número de segundos que você passa em cada uma das páginas dos documentos lidos em um tablet.
Mesmo se as informações nos são “dadas”, nossa atenção “dá lugar” a uma colheita de meta-dados atencionais. Sua captura assegura ao mesmo tempo o controle de novas formas de governança (estatais, securitárias) e o enriquecimento das maiores capitalizações em bolsa já vistas (as GAFAM). Os problemas gerados por essa mercantilização de nossos traços atencionais estarão no coração das lutas econômicas, políticas e ecológicas das próximas décadas.
Artigo originalmente publicado no Le Monde. Tradução de Pedro Micussi para a Revista Movimento.