“Reconstruir a resistência mediante o movimento popular”

Entrevista com o Secretário Geral da FPLP, encarcerado em Israel.

Ahmed Saadat 17 dez 2018, 14:16

Encarcerado em Jericó pela Autoridade Palestina após o assassinato de um ministro israelense como represália ao assassinato de Abou Ali Mustafa, então secretário geral FPLP; Ahmed Saadar foi sequestrado pelas tropas israelenses em 2006 e condenado a trinta anos de prisão. Uma campanha internacional reivindica sua soltura.

Como você avalia a situação atual nos territórios ocupados ou a atitude da administração Trump?

Vemos os Estados Unidos e a administração Trump como uma potência perigosa, não só para o povo palestino, mas para todos os povos do mundo. A única diferença entre Trump e as administrações precedentes é que Trump mostra claramente o verdadeiro rosto do capitalismo e do imperialismo. A decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital do Estado de Israel e de transferir a embaixada de Tel-Aviv é a continuação natural dos cem anos de colonização na Palestina, após a declaração Balfour (1917), com o objetivo de suprimir os direitos das e dos palestinos e de acelerar a limpeza étnica do nosso povo, em particular no que se refere a Jerusalém. Todo o povo palestino rechaça e luta contra as tentativas de Trump para eliminar a questão palestina. Nosso povo resiste a uma tentativa não somente com palavras, mas com fatos como a “Grande Marcha do Retorno” de Gaza, uma verdadeira revolta popular, na qual participa a FPLP, similar ao espírito da primeira Intifada.

Qual estratégia permitiria hoje a reconstrução de um poderoso movimento de libertação palestina?

A tarefa principal é a reconstrução e a reunificação do movimento de libertação nacional da Palestina. O objetivo é colocar a Palestina, pela enésima vez, no caminho da libertação reafirmando a verdadeira essência da luta palestina. Isso diz respeito principalmente ao retorno das pessoas refugiadas e à construção de um único Estado livre, democrático e laico na Palestina – não o das fronteiras de 1967 – no qual todo cidadão ou cidadã possa viver em paz sem distinção de religião ou raça.

Uma ruptura profunda no movimento palestino, a nível histórico, foi certamente a dos acordos de Oslo em 1993: deformou o verdadeiro sentido da nossa luta e a essência verdadeira do conflito. Uma geração inteira de pessoas palestinas nasceu e cresceu na ilusão, após a assinatura desse documento catastrófico, que não levou mais do que à divisão e à fragmentação do movimento de libertação palestina.

Neste espírito, nosso compromisso está em reconstruir a frente de libertação nacional, ou seja, a OLP (Organização de Libertação Palestina): nos vemos entre o Fatah e o Hamas para criar um equilíbrio e preservar a unidade nacional, aportando com nossa ideia progressista de esquerda e a favor de uma representação popular. Todas as classes palestinas devem formar parte desse processo de unidade. As classes populares não deveriam ser excluídas da direção do movimento, como o são há quarenta anos.

Qual alternativa política a FPLP sugere?

O princípio fundamental da mudança é a participação popular das e dos palestinos em luta – e na tomada de decisões políticas – de forma eficaz e significativa. Isso necessita não somente de um combate contra a ocupação, mas também de uma luta por recuperar o direito à participação de todas as pessoas palestinas, estevam na Jordânia, Líbano, Síria ou em outras partes. A participação e a liderança populares são necessários para a reconstrução do movimento de resistência contra o sionismo e para o arranque de uma estratégia unificada de libertação da Palestina. Isso deve evidentemente se desenvolver tanto na Palestina quanto em outras partes do mundo. Se nossas comunidades seguem estando ameaçadas por todo tudo de crimes, leis repressivas e ataques por parte da direita, nossos objetivos serão mais difíceis de serem alcançados. O ponto fundamental da nossa visão é o direito das pessoas a participar na construção do seu futuro. É o processo democrático de representação por ele que lutamos.

A FPLP foi criada em 1967. Como você avalia seu papel atual?

Nestes últimos anos, a FPLP se confrontou com enormes dificuldades em termos de repressão política e financeira. As perseguições, as detenções massivas e os assassinados dos nossos quadros são um exemplo claro disso. Apesar de tudo, temos melhorado nossas capacidades militares em Gaza, pois não estamos nas mesmas condições que na Cisjordânia, onde sofremos ao mesmo tempo a ocupação e a coordenação nos assuntos de segurança da Autoridade Palestina com o ocupante; numerosos camaradas, como eu, estão encarcerados precisamente por conta disso. No entanto estamos presentes em todas as formas de luta (militar, política, cultural, social) e temos progredido em termos de participação popular da juventude, mas segue sendo difícil obter resultados e uma visibilidade (em relação ao Fatah e ao Hamas NDLR) devido à situação atual. Apesar das dificuldades, seguimos comprometidos com um processo de construção e de crescimento do nosso partido.

Até que ponto a FPLP mudou desde sua fundação até agora?

Chegamos à conclusão, desde 1992 até os dias atuais, que por conta das forças de direita palestinas e da inexorável agressão israelense sobre nossas terras e contra nosso direito de existir, nosso partido, tal como nosso povo, atravessa uma crise generalizada: teórica, política, econômica e pensamos que esta crise não pode ser superada a não ser pela resistência e pela luta popular em todos os níveis.

Qual é o papel do movimento das pessoas presas nas prisões israelenses na luta de libertação palestina?

O movimento das pessoas presas no interior das prisões israelenses jogou sempre um papel central na luta contra a opressão sionista. Não só no nosso confronto cotidiano entre ocupantes e pessoas presas, ao passo que tomamos a “linha de frente”, mas igualmente no nosso papel na cena política da Palestina. O acordo de unidade nacional palestina, chamado “Documento das e dos presos”, foi elaborado no seio das prisões e constitui a base de todas as discussões sobre a resistência palestina. O movimento das pessoas presas conheceu diversas experiências de luta, de greve de fome. Numerosas pessoas presas morreram sob a tortura. As pessoas presas palestinas encarceradas nas prisões americana e francesas formam parte do nosso movimento. Em particular Georges Ibrahim Abdalá, encarcerado na França há mais de trinta e quatro anos.

Entrevista conduzida por Stefano Mauro e publicada em colaboração com Il Manifesto, em L’Humanité. Traduzido pelo Portal da Esquerda em Movimento a partir da versão publicada por Viento Sur.


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