Como construir uma forte oposição?

Nos cabe construir a mais ampla e enraizada oposição para resistir aos planos do governo Bolsonaro

Israel Dutra e Thiago Aguiar 9 jan 2019, 22:39

A primeira semana do novo governo representou um festival de ataques. Ao que parece cada uma das pastas ministeriais buscou competir em critério de más notícias para a população trabalhadora. Foram extintos o ministério do Trabalho, da Cultura, o Conselho de Segurança Alimentar, entre várias outras pastas e autarquias nos primeiros atos oficiais, deixando ainda mais nítido o caráter antipovo do governo. O gesto inicial, sancionando um salário mínimo menor do que o aprovado anteriormente não deixou dúvidas.

A prioridade de Bolsonaro, com direito a arrobos retóricos, a favor da libertação “do socialismo” é avançar no desmantelamento das conquistas sociais dos últimos 40 anos. A submissão direta aos interesses norte-americanos também foi marca da posse e da primeira semana de governo.

Apesar de contar com uma consistente força parlamentar, vide as adesões iniciais a base governista, as dificuldades para impor seu projeto já se apresentam. Para além dos curto-circuitos e desmentidos quanto a temas fundamentais como o IOF e a autorização para uma base militar americana no país, as denúncias contra o ministro-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni e o caso Queiroz começam a arranhar a imagem do governo.

As pesquisas indicam dois dados reveladores: há uma forte expectativa do eleitorado para que a economia e a vida melhorem; por outro lado, indicadores demonstram que a opinião pública majoritária está reticente quanto às privatizações, à retirada de direitos e à reforma da previdência. Outra pesquisa, na contramão das posições dos setores conservadores, aponta que 54% da população defende a educação sexual nas escolas e 71% quer a discussão de temas poléticos em sala de aula. Qual será a resultante do choque dessas expectativas?

Para além das especulações, nos cabe construir a mais ampla e enraizada oposição para resistir aos planos do governo Bolsonaro, nos diferentes terrenos. Essa é a questão decisiva para as próximas semanas.

Bolsonaro, um governo dos ricos

A marca principal do governo é o seu compromisso com os grandes. É um governo dos ricos.

A grande estratégia de Bolsonaro e Guedes é destruir as conquistas, diminuir o valor do trabalho, reduzir direitos e “encargos”. No âmbito fiscal, a proposta inicial é reduzir as alíquotas para os mais ricos, reduzindo qualquer progressividade nos impostos. Houve um desmentido quanto à proposta de cobrança do IOF, um primeiro mapa de mais de cem privatizações ao longo do governo.

A mais importante proposta, contudo, é a da reforma da previdência, que se mostra ainda mais dura que a de Temer. Além de ampliar em nove anos a média de idade mínima, sugere também a criação de um pedágio de 30% sobre o tempo que falta para se aposentar, durante a transição. Trata-se de um ataque sem precedentes.

Na mesma toada, novas regras do financiamento habitacional foram apresentadas por uma equipe que tem como integrante Joaquim Levy, responsável pela condução desastrada do ajuste no segundo governo Dilma. Segundo elas, a classe média também será penalizada, ampliando os juros para a habitação aos níveis do “mercado” – o que deve restringir a procura de financiamento para a casa própria.

Enquanto isso, sem nenhum pudor, a ministra Teresa Cristina articula, já com a anuência do presidente, a anistia das dívidas dos grandes proprietários de terra, num somatório de cerca de 17 bilhões.

Nas outras frentes, os ataques não são menores. A nova disposição de regularização de terras indígenas, sem a FUNAI, evidencia um novo expdiente contra os povos originários e quilombolas. Igualmente, rompe no horizonte a destruição da Justiça do Trabalho, o que seria um duro golpe às classes trabalhadores. Se não bastasse, a nova agenda das relações exteriores, sob a batuta do chanceler Ernesto Araújo, pauta maior submissão aos Estados Unidos. É nessa toada que o novo governo diz pretender seguir os passos de Donald Trump ao mudar a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, o que causaria severos incidentes diplomáticos com inúmeros parceiros comerciais brasileiros.

Combinar a ação parlamentar e a luta social: Freixo presidente da Câmara dos deputados

Para aprovar seus planos no Congresso, o governo optou pela negociação com os setores tradicionais da política brasileira. Onyx opera nos bastidores para fazer valer a maioria parlamentar coesionando um bloco que una a “velha” e “nova” direita, na figura de Rodrigo Maia como presidente da Câmara e de seu partido, o DEM, como fiador do pacto que cimente a base governista.

Nesse sentido, o PSOL teve a correta iniciativa de apresentar o nome de Marcelo Freixo como pré- candidato à presidência da Casa, com o intuito de fortalecer a unidade da oposição e levantar um programa nacional de resistência. Um dos deputados mais votados do país, referência em direitos humanos, tema tão caro no ano de 2019, Freixo, a partir do Rio de Janeiro, está no coração da resistência ao bolsonarismo. Isso o credencia como nome para ajudar na tarefa de construção de uma liderança de oposição capaz de dialogar com as ruas e oferecer uma alternativa política também no plano parlamentar. É um erro apoiar a candidatura governista de Maia. A campanha de Freixo está a serviço da unidade de todo um setor – para além inclusive do campo auto referenciado como esquerda ou centro-esquerda – em defesa das liberdades democráticas inscritas na Constituição de 1988. Esse é um passo importante para orientar a ação da oposição.

Contudo, o fundamental é conectar–se com as demandas dos movimentos sociais que estão sob fogo cerrado do governo. O exemplo vem com a atitude do movimento indígena, onde a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil já acionou a Procuradoria-Geral da República, junto com um chamado à mobilização, contra a transferência da responsabilidade da demarcação de terras para o Ministério da Agricultura. Esses exemplos se multiplicam no caso da Educação, onde as principiais entidades nacionais começam a construir seu calendário.

É preciso se conectar com setores como os da Justiça de Trabalho, que já se mostraram céleres na resposta às declarações do novo governo. No caso das universidades, é imperativo defender a pesquisa, a educação pública, e a ciência. Articular essa oposição é construir essa agenda em frente única com entidades e setores políticos que tenham acordo com a defesa das pautas de interesses populares.  É necessário apostar num calendário de mobilização, que seja baseado em muito diálogo com amplas camadas da população, para que se possa explicar as medidas antipopulares do governo, começando com a sua proposta de reforma previdenciária.

Disputar as trincheiras e ampliar a resistência

O lugar do PSOL é animando e organizando as trincheiras da resistência. Atuando também na resistência aos planos dos governos locais que arrocham servidores e a população. Sem esquecer-se das pautas gerais, que são também território de disputa, como bem escreveram Antonia Pellegrino e Manoela Miklos, em coluna para a Folha de S. Paulo, ainda nesta semana:

“O cadáver de Marielle Franco é um campo de batalha no imaginário do presidente eleito e seu secto de bolsonaristas em guerra contra o fantasma do comunismo, ameaça que nunca passou perto do Brasil recente, mas que moveu seus moinhos eleitorais”

A defesa de Justiça para Marielle, que será enredo do carnaval da Mangueira, terá lugar no chamado ao Dia Internacional das Mulheres, que esse ano será ainda mais importante dado o sentido geral da situação política.

Esse é o espírito para começar a avançar na consolidação de uma oposição com chances de disputar e defender o conjunto da população diante da ofensiva do bolsonarismo. Buscamos tal amplitude sem abandonar a defesa das nossas ideias, atacadas pelo séquito dos direitistas. O PSOL pode e deve se fortalecer na luta ideológica, como assistimos na resistência a Trump, espelho e guru do atual presidente brasileiro. A posse das jovens deputadas socialistas foi um dos destaques do novo parlamento, enchendo de esperança os que lutam cotidianamente contra os desmandos de Trump.  Lá e cá, seguimos afirmando nosso combate, nossa resistência e semeando novas alternativas.


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Pedro Micussi