Coletânea do Portal de la Izquierda sobre o 8M
Neste 8 de março, o Portal de la Izquierda divulga uma coletânea sobre a luta do movimento feminista no mundo.
Completamos uma década de crise e a ausência de uma solução econômica e política para a recessão desencadeada em 2008 tem gerado uma crescente instabilidade ao redor do mundo. Nacionalmente, governos têm se empenhado em aprovar medidas que retiram direitos trabalhistas e previdenciários da massa da população. Internacionalmente, a hegemonia comercial estadunidense já não existe mais e China e Rússia entram na disputa de maneira cada vez mais incisiva, concorrendo ao posto até então norte-americano.
A dificuldade em atuar no momento atual não é menor por parte da esquerda e, nos últimos anos, os movimentos que foram mais representativos das causas populares ocorreram de forma espontânea, complexa e muitas vezes contraditória. Apesar da dificuldade na consolidação de alternativas que vençam a queda de braço com uma direita que usa cada vez mais a imagem do “anti-establishment”, as mobilizações não são poucas. A ação nas ruas vem sendo um dos principais fatores para a desmoralização dos governos e um terreno fértil de atuação num cenário de polarização e radicalização de pautas à direita e à esquerda.
Um ponto em comum entre as lutas do último período, ainda que expresso de maneira desigual entre diferentes países, tem sido a feminização do perfil de ativistas – as mulheres têm sido a linha de frente nos mais diversos movimentos. Senhoras, jovens, crianças – os debates sobre as condições de ser mulher na sociedade atual invadiram escolas, casas e, muito expressivamente, as ruas. São manifestações que em parte retomam pautas de ondas anteriores do feminismo, mas que têm carregado uma maior radicalidade nas ações, nas demandas e no seu caráter cada vez mais antirregime ou, ainda, anticapitalista.
Esse processo não chegou com conteúdos e formas iguais nos quatro cantos do mundo; ainda assim podemos dizer que a luta das mulheres encontra-se em ascensão – especialmente na América Latina – e que, hoje, não há como pensar e fazer política desconsiderando esse exército feminino e a importância que suas ações vêm representando. Não há como entender as instabilidades atuais do governo Trump desconsiderando a marcha em 2017 realizada por milhões de mulheres nos Estados Unidos logo no primeiro dia do mandato do presidente eleito. Assim como não há possibilidade de se analisar o governo de Jair Bolsonaro no Brasil ignorando o que foram as manifestações pelo #EleNão e o atual escândalo de corrupção deste governo sobre candidaturas laranjas de mulheres por parte do partido do presidente – um escândalo que tem gerado dificuldades para o governo poder ser mais ofensivo no debate sobre a reforma da previdência.
Mais do que reagir a retrocessos, as mulheres têm se proposto a pensar uma nova forma de viver que não diga respeito apenas a outras mulheres, mas que englobe toda a sociedade em outra dinâmica de funcionamento no qual as mulheres não sejam oprimidas e a desigualdade não seja condição sine qua non para se viver. Isso pode ser observado na eleição de feministas socialistas, como Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna no Brasil e Alexandria Ocasio-Cortez nos Estados Unidos. Vozes que ecoam a esperança de uma nova esquerda num espaço tão distorcido em relação à realidade como é o parlamento.
Especificamente no Brasil, o movimento feminista foi “reinaugurado” recentemente, nesta década de 2010. Foram marcos importantes as edições da “Marcha das Vadias”, entre 2011 e 2015, e a campanha eleitoral de Luciana Genro pelo PSOL, em 2014 – quando pela primeira vez no Brasil um candidato à presidência defendeu as pautas feministas com nome e sobrenome na grande mídia nacional. Tanto as marchas quanto a campanha presidencial serviram como antessala para movimentos muito maiores que estavam por vir.
Ainda no Brasil, a “Marcha das Mulheres Negras” e as manifestações pelo direito à pílula do dia seguinte e contra Eduardo Cunha em 2015, junto das ocupações de escolas, em 2016, expandiram o movimento feminista e o elevaram a outro patamar, colocando questões a respeito das mulheres na ordem do dia. A greve de mulheres no 8M e a Greve Geral no 28 de Abril agitaram o primeiro semestre de 2017 unindo, pela prática, as lutas feministas à luta dos trabalhadores. No segundo semestre, o caso da argentina Lucía Pérez, vítima de feminicídio, foi o estopim para que mulheres argentinas, brasileiras e do mundo inteiro declarassem guerra à cultura do estupro por meio da palavra de ordem “Nenhuma a Menos”.
No ano seguinte, 2018, Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados no Rio de Janeiro. Ela, uma mulher, negra, lésbica, favelada e de esquerda, representava as lutas dos 99% da população no Rio de Janeiro e seu assassinato significou a tentativa de conter também as pessoas que ela representava. Por isso, é nosso dever fazer com que seu legado siga também em cada 8 de março! Além disso, no próximo 14 de março, se completará 1 ano da morte de Marielle e Anderson e com objetivo de mostrar que as muitas sementes de Marielle vivem e pressionar as autoridade para que este caso tenha uma solução, criamos uma plataforma para pessoas de todo o mundo apoiarem esta causa: https://14m.justiceformarielle.com/
Ainda em 2018, mais contradições passaram a compor o cenário político brasileiro. Se no começo do ano a candidatura de Jair Messias Bolsonaro parecia uma piada de mau gosto, no final do ano ele foi eleito presidente. Com isso, a hipótese de que vivemos um novo período histórico no Brasil foi reforçada e a ficou nítido o alinhamento do enredo da política brasileira com uma série de países nos quais figuras bizarras de extrema-direita ganharam visibilidade e também venceram pleitos eleitorais – vide Estados Unidos com Trump. No entanto, o Brasil se alinhou também no quesito resistência e mobilizações massivas, também encabeçadas por mulheres, o que já foi demonstrado antes da eleição com o #EleNão. Rosana Pinheiro-Machado conseguiu sintetizar bem esse momento por meio do título de um artigo publicado no The Intercept Brasil: “A extrema direita venceu. Feministas, antirracistas e LGBTs também”. Isto é, se por um lado Bolsonaro foi eleito, por outro existe a conquista da disposição de luta por parte de um amplo setor de mulheres – o que faz com que esse movimento tenha mais responsabilidades e desafios neste período.
Dessa forma, entendendo que o feminismo extrapola as fronteiras, nós, da Comissão Internacional do Movimento Esquerda Socialista, pensamos em organizar um material que ajudasse a disseminar informações sobre o movimento mais dinâmico nas lutas anticapitalistas no último período: o das mulheres. Os textos desta coletânea foram escritos por militantes feministas de diversos países do mundo e constituem relatos sobre a situação da luta das mulheres em seus países e as perspectivas de mobilização para o 8M de 2019.
Esperamos que essa coletânea alimente nossas relações internacionais e nos permita avançar na organização das mulheres para além das fronteiras. Nesse sentido, a construção de uma Internacional Feminista, convocada por Cinzia Aruzza, nos enche de entusiasmo por deixar evidente que a articulação e organização das mulheres é um desejo de feministas de todo o mundo!
Com certeza, muitas das leitoras são filhas de Junho de 2013 e das marchas pelo #EleNão no Brasil, da Primavera Árabe no Oriente Médio, do Occupy Wall Street norte-americano, do Ni Una Menos argentino, dos Indignados e da Greve Feminista na Espanha, dos Coletes Amarelos franceses, entre muitos outros processos. Da nossa parte, ficam votos, disposição, força e energia para a construção de um movimento feminista que siga como terreno de formação de ainda mais ativistas e de mobilizações que estremeçam até destruir por completo as estruturas da sociedade capitalista.
Publicado originalmente no Portal de la Izquierda.