A batalha da previdência
A ida de Paulo Guedes à Câmara dos Deputados revelou-se uma interessante fotografia da situação política.
Na última quarta-feira, a ida de Paulo Guedes à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados revelou-se uma interessante fotografia da situação política. Como grande representante do capital financeiro e da ala ultraliberal do governo, o ministro da economia destilou sua cantilena para justificar o ataque ao povo. A fraqueza da bancada governista – premida pela insatisfação com a reforma impopular e pela pressão de partidos do centrão –, incapaz de demonstrar apoio à proposta de Guedes, e a confusão ao final, com gritos e xingamentos, evidenciaram o momento tumultuado e as dificuldades do governo. O constrangimento do ministro representante da banca na CCJ refletiu-se no mau desempenho dos mercados de capitais.
O dia seguinte foi marcado pela busca frenética de acordo entre Bolsonaro e os líderes partidários, mostrando a necessidade de composição com aqueles a quem o bolsonarismo chamava de representantes da “velha política”. A imprensa noticiou os pedidos de desculpas de Bolsonaro por suas “caneladas” a políticos como Romero Jucá (MDB) e Ciro Nogueira (PP). Num momento patético, a Gilberto Kassab (PSD), enredado em investigações de corrupção, Bolsonaro pediu perdão por tê-lo anteriormente chamado de “porcaria”. Depois do curto-circuito na articulação na Câmara e com Rodrigo Maia na última semana, após as prisões de Temer e Moreira Franco, e das queixas na imprensa de banqueiros e dirigentes patronais, o governo busca compor sua tropa e finalmente dar ordem unida pela reforma da previdência, superando as dificuldades demonstradas até aqui por seu flagrante despreparo e incompetência.
Enquanto o governo pretende dar confiança à burguesia de que seu empenho pela reforma segue inabalável, na economia real, novos dados do IBGE – imediatamente desacreditados pelo presidente da República – mostram que há 13 milhões de desempregados no país e que mais de 7,4 milhões de brasileiros foram empurrados para a pobreza. O entusiasmo do patronato e da imprensa burguesa com a recuperação do crescimento econômico em 2019, após a posse do governo pró-mercado de Bolsonaro, arrefeceu e os analistas afirmam haverá mais um ano de estagnação econômica. A recuperação só viria – como papagueiam seguidamente desde 2016 – após a aprovação das “reformas” antipopulares e antinacionais, e de mais uma rodada de desmonte do Estado nacional.
“Reforma da previdência ou morte”
A burguesia não vai medir esforços para aprovar a reforma e passar seu ajuste. Como declarou o empresário Flávio Rocha, bolsonarista de primeira hora, a palavra de ordem dos capitalistas é “reforma da previdência ou morte”. Apesar do discurso de Guedes na CCJ de ataque aos “privilégios”, a proposta de reforma pretende atacar, sobretudo, os direitos de trabalhadores vinculados ao INSS, servidores públicos da base das carreiras, agricultores e portadores de necessidades especiais. As propostas de transição demandarão muitos anos adicionais de contribuição para obter o direito à aposentadoria, além de promover cortes drásticos no valor dos benefícios, praticamente inviabilizando a obtenção da aposentadoria integral. O ataque à população mais carente, que necessita do benefício de prestação continuada (BPC), é um exemplo escandaloso da essência da reforma de Bolsonaro e Guedes: pretende-se que os idosos pobres vivam com R$ 400,00 mensais.
Além dos ataques à aposentadoria das mulheres – sobre quem pesam duplas e triplas jornadas – e de categorias como professores, o período de transição para as novas regras, caso seja aprovada a idade mínima, seria estabelecido por cálculo ainda mais nefasto que o do fator previdenciário. Esta seria a base para a destruição do atual modelo, de repartição, bastante combalido com as reformas de FHC e Lula, pelo qual os trabalhadores da ativa garantem com suas contribuições – somadas à contribuição dos patrões e do governo – o sistema previdenciário.
A inspiração de Paulo Guedes vem do Chile, onde trabalhou durante a sanguinária ditadura de Pinochet (1973-1990). À época, o Chile tornou-se um laboratório neoliberal a partir da condução econômica de economistas ultraliberais da “Escola de Chicago”, onde se formaram Paulo Guedes e sua equipe. Como representante dos interesses do capital financeiro e da classe capitalista transnacional, Guedes pretende liquidar o sistema previdenciário brasileiro e implantar um regime de capitalização, espelhado na experiência chilena, pelo qual o acesso à aposentadoria depende de aplicações individuais – desonerando os patrões de suas contribuições – em fundos de investimento. Trata-se da financeirização do direito à aposentadoria, que passa a depender da remuneração, incerta e flutuante, dos capitais investidos pelos trabalhadores. Banqueiros e fundos de investimento agradecem e salivam diante da hipótese de administrar carteiras bilionárias para especular com a poupança futura e a vida dos trabalhadores brasileiros.
Diante de tamanho ataque – somado às imbecilidades diárias do presidente e dos desclassificados por ele nomeados aos ministérios –, a popularidade do governo derrete de forma intensa. Ao afirmar que as propostas de capitalização talvez saiam da reforma nas discussões no Congresso, Bolsonaro demonstra que a insatisfação e resistência populares podem fazer-se notar.
Por uma ampla campanha popular
A resposta deve vir pela organização da resistência, aproveitando as contradições no andar de cima e o desprestígio crescente de Bolsonaro. As manifestações de 22 de março foram um pontapé inicial, que abriu o debate nas categorias de trabalhadores. Diante da unidade da burguesia pela reforma e do bombardeio diário de propaganda pela imprensa, comprometida com os interesses da banca, será preciso muito mais debate, organização e luta para barrar este ataque inaudito ao povo brasileiro.
De nossa parte, por meio dos mandatos de Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna, temos impulsionado comitês domésticos em centenas de cidades, buscando preparar uma campanha de base e popular para tratar do tema. Apenas pelo site de Sâmia há mais de 1200 comitês cadastrados.
Lutar e vencer contra a reforma
Em São Paulo, outro exemplo importante foi o seminário sobre a reforma da previdência do PSOL-SP, com presença do deputado chileno Diego Ibañez, da Frente Ampla, Sâmia Bomfim, Ivan Valente e dirigentes do partido.
Além de debates e iniciativas como as mencionadas, é preciso animar uma ampla unidade de ação para enfrentar a reforma de Bolsonaro e Guedes. Seguindo o exemplo do 22 de março, quando os trabalhadores da educação foram a categoria que encabeçou a luta, há um calendário convocado pela CNTE, com nova jornada nacional no dia 24 de abril. A expectativa de atos unificados das centrais no 1º de maio, acontecimento inédito, daria um novo fôlego para a construção de um dia centralizado de paralisações e ações, numa forma de pronunciamento vigoroso da classe e do povo contra a reforma.