Airbus e Boeing: política industrial e mercado

Sobre as recentes dificuldades enfrentadas pelas duas gigantes da aviação.

Alejandro Nadal 10 abr 2019, 13:06

A indústria aeronáutica está passando por um mau momento. As duas gigantes que controlam o mercado mundial de aviões de passageiros, Boeing e Airbus, enfrentam dificuldades financeiras, econômicas e tecnológicas. A Boeing acaba de receber um duro golpe depois de dois acidentes em menos de cinco meses terem envolvido seu modelo B 737 Max 8. Isto fez todos os países que operam linhas aéreas com tais aeronaves suspenderem os voos com estes modelos e mantê-los em terra enquanto terminam as investigações sobre as causas dos acidentes.

O impacto sobre o valor das ações da Boeing não demorou, com uma queda superior a 14 por centos em algumas horas, o que representou uma perda de 33 bilhões de dólares. A série 737 Max foi durante vários anos o produto principal da Boeing no mercado e vendeu mais de 15 mil unidades desta série – ainda que tenham entregado apenas 10 mil. Do modelo Max, que é o mais moderno, e agora descoberto estar envolvido com problemas nos sistemas de controle automático do estabilizador horizontal, foram vendidos 5 mil e se entregaram 375. O preço médio de um avião da série Max é de 120 milhões de dólares. Um colapso nos pedidos futuros do 737 Max seria um forte descalabro para a empresa.

Contudo, a Airbus, a arquirrival da Boeing, experimentou sua própria série de problemas. Em 1990 ela anunciou o lançamento de um programa para construir um avião de passageiros jumbo capaz de destronar o clássico 747 da Boeing no mercado de aviões de grande capacidade. O novo Airbus 380 começou a ser produzido em 2000 para em 2005 ser realizado o primeiro voo de aviação com dois andares e capacidade para 550 passageiros (em algumas configurações o A380 pode transportar 650 passageiros). O custo total do programa alcançou a casa de 10 bilhões de euros: os governos da França, Alemanha e Reino Unido deram créditos para a Airbus de mais de 6 bilhões de euros.

O custo de desenvolver uma nova família de aviões é tão elevado que uma companhia como a Airbus apostou seu pescoço com este projeto. A princípio, o ritmo de vendas parecia anunciar o êxito do projeto, mas muito rapidamente os custos de operação se foram revelando demasiadamente altos para as companhias aéreas e novos pedidos foram ficando cada vez mais difíceis de serem obtidos. Só a fidelidade de uma companhia, Emirates, permitiu manter vivo o projeto da família do A380. A estratégia dessa companhia esteve baseada nos super-jumbos da Airbus para dominar o mercado de voos intercontinentais.

Mas o problema do Airbus A380 não está somente nos custos de operação. Também começou a se revelar que era difícil encher os assentos deste avião, o que agravou o perfil de rendimento. Em síntese, os prognósticos sobre fluxo de passageiros foram desmentidos pela realidade e as companhias aéreas preferiram comprar aviões menores e de menor rendimento. Em 14 de fevereiro o conglomerado Airbus anunciou o fim da produção do super-jumbo e várias companhias (incluindo a Air France) começaram a se livrar das unidades que operam.

É possível que os problemas técnicos do 737 Max 8 sejam resolvidos em pouco tempo pelos engenheiros da Boeing em sua planta de Seattle. De fato, a companhia anunciou que os sistemas de pilotagem automático serão inteiramente substituído. E também é provável que o custo de retirar o enorme A380 do mercado possa ser superado pela Airbus. Mas é importante ter em conta algumas lições que se derivam da dinâmica deste duopólio.  A realidade é que sem os subsídios que os dois consórcios receberam nenhum deles teria podido desenvolver-se. No ano passado, a Organização Mundial do Comércio (OMC) anunciou o fracasso de um painel de controvérsias em que Airbus foi julgada culpada por receber subsídios que a OMC havia proibido em 2016 por vários governos da União Europeia.

A Boeing clamou vitória, mas a verdade é que ainda falta a decisão de um painel em outra acusação contra o consórcio estadunidense que recebe subsídios astronômicos por parte do Departamento de Defesa. Há décadas que a Boeing recebe subsidio através do apoio do Pentágono para sua linha de aviões de cisterna de uso militar (eo KC35 e o mais moderno KC46). A plataforma para estes aviões-tanque e os componentes que dividem com as demais unidades da Boeing permitem ao consórcio beneficiar-se do apoio que recebem seus aviões de uso miliar,

Se a Boeing e Airbus disputam hoje a hegemonia do mercado mundial isto se deve a uma clara e decidida política industrial, não às valências da mão invisível do mercado. Sem os subsídios e apoios estatais que ambos os consórcios receberam eles simplesmente não poderiam se ajustar a um mercado tão errático.

Artigo originalmente publicado em La Jornada. Tradução de Pedro Micussi para a Revista Movimento.

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