Os atos de domingo não encerram a crise

Uma análise dos atos de 26 de maio organizados pelo bolsonarismo.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 28 maio 2019, 22:07

As manifestações convocadas pelo bolsonarismo para o último domingo, 26 de maio, não encerram a crise política. Com objetivo manifesto de apoiar Bolsonaro e estimular uma agenda golpista, os atos fracassaram em seu objetivo de impulsionar uma ofensiva do governo sobre o conjunto da sociedade. Mesmo a imprensa teve de aceitar que, na comparação com as manifestações de 15 de maio pela educação, a jornada de domingo foi mais reduzida. Contudo, os atos não chegaram a ser um fiasco, pois mantiveram coesa e organizada uma base social bolsonarista. 

O que se viu nas ruas foi um salto de qualidade na pauta política autoritária, apesar do disfarce que a mídia tradicional tentou emprestar, chamando os atos apenas de “favoráveis às reformas”. Levantou-se um programa mais claro e ofensivo, estimulando a luta contra o “centrão, o STF e o Congresso” para, na verdade, defender um golpe de Estado do clã Bolsonaro.

A convocatória das manifestações de 26 de maio fissurou uma parte importante da frente conservadora que se formou, anos atrás, nos atos organizados pela extrema-direita para enterrar o legado de junho de 2013, capitalizar a indignação das ruas e, nas eleições de 2018, trabalhar pela vitória eleitoral de Bolsonaro. Importantes setores,como o MBL e seus referentes Kim Kataguiri e Artur do Val; deputados do PSL como Janaina Paschoal e Joice Hasselman; e até mesmo o ícone cultural da extrema-direita, Lobão, atuaram para desautorizar a manifestação. Tomando distância das pautas, a guerra travada nas redes chegou às ruas no domingo, quando se chamava o MBL de traidor.

Houve atos em mais de 100 cidades, na maioria concentrações reduzidas, salvo em algumas capitais. A Avenida Paulista, palco simbólico de todas as manifestações, ficou longe do que se viu no dia 15 de maio. Nem organizadores nem a polícia divulgaram dados a respeito da mobilização. Nas fotos aéreas, enxergava-seuma pequena massa amorfa, ocupando seis quarteirões, com muitos lugares vazios, em contraste com a enorme e densa manifestação em defesa da educação da semana anterior.

Onde o chamado conseguiu adesão relevante, ainda assim muito inferior ao 15M, foi no Rio de Janeiro. Ali foi o ponto forte da ação bolsonarista, com analistas falando entre 60 e 70 mil pessoas em Copacabana. O próprio Bolsonaro estava presente num culto evangélico no Rio de Janeiro, na mesma manhã, para demonstrar força.

Apesar dos atos terem perdido a queda de braço com15M, a ameaça contra as liberdades democráticas continua porque o presidente é o líder da política golpista. A crise segue aberta e ele segue no comando.

Da jornada golpista à manipulação da imprensa

O ato teve um caráter claramente golpista. Sua composição, entretanto, indica que a força dosconservadores tem limites. Os presentes eram na sua maioria homens, com idade adulta ou avançada. Haviauma ausência importante: a juventude não atendeu ao chamado de Bolsonaro. Eram raros os jovens presentes. Isso se deve a uma nova relação de forças pela qual, nas escolas e universidades, o movimento passa à ofensiva, fruto dos ataques concretos do governo. O fato de que os jovens líderes da “nova direita”, como o MBL, não tenham convocado a manifestação ajudou a esvaziar a participação juvenil. Dos setores sociais mais dinâmicos, participou uma fração dos caminhoneiros, liderada por Dedeco, nutrindo ilusões de que Bolsonaro não avança mais porque é “travado” pelo Congresso e o STF.

O ato teve a presença de uma direita consolidada e coesa. Houve uma organização muito centralizada, expressada nas faixas, bandeiras e materiais, evidenciando que a extrema-direita buscando organizar-se, mesmo com as defecções de setores dos “verde-amarelos”. Pode-se dizer que a síntese das manifestações foi a faixa arrancada em Curitiba no prédio histórico da UFPR, demonstrandonão só o caráter conservador e autoritário, mas também o caráter antipopular e antieducação do dia 26.

A Rede Globo escondeu o conteúdo real das manifestações, vendendo a ideia de que as mesmas eram centralmente a favor da reforma da previdência. Legitimou, na prática, as manifestações golpistas para manter alguma influência sobre tal base social e para seguir empurrando a favor de um plano neoliberal que somente pode ser impleantado até o final com autoritarismo e repressão contra o povo. A imprensa não quer ser atrelada ao “partido do centrão e do Parlamento”.

Rumo a um impasse prolongado

Como dissemos, o ato não foi capaz de impor uma vitória da linha bolsonarista sobre o conjunto do “sistema”, mas ao mobilizar uma base social coesa e organizada, com a cumplicidade da imprensa, gerou algum fôlego parcial para Bolsonaro respirar. Esse foi o tom de sua entrevista para a Record, apesar de se retratar por terxingado estudantes e de ter defendido que era necessário articular melhor com os outros poderes.

A resposta política aos atos foi a ideia de certa estabilidade, ainda que precária. Os três poderes se reuniram na manhã da terça, 28, apontando um “pacto pelas reformas”. Em troca, o PSL defenderia no Senado a manutenção do Coaf no Ministério da Economia. Dessa forma, pretende-se construir uma frágil unidade ao redor do ajuste. A questão fundamental é: por quanto tempo será possível ao governo sustentar, com sua natureza, essa estabilidade precária?

As manifestações foram duras contra o centrão. Maia apareceu no lugar de Lula, como personagem de boneco inflável, com camiseta do Botafogo e símbolos da Gol e da Odebrecht. Ou seja, apesar da paz precária, a tensão contra a “velha política” segue na ordem do dia.

Por sua vez, os índices econômicos não sugerem melhora alguma. Não há caminho para sair do “fundo do poço”, nas palavras de Paulo Guedes. O governo vai tentar chantagear a maioria da população dizendo que a única saída será fazer a reforma da previdência. A imprensa oscila entre posições mais críticas com relação a temas de liberdades democráticas e uma posição de avalista do governo na reforma.

Vamos acompanhar os novos capítulos da crise que se arrasta. Não existem elementos que possam afirmar a vitória de um setor sobre outro: nem do centrão, comouma via de maior poder ao Parlamento, nem do bolsonarismo apelando às ruas e a sua base social organizada. Enquanto a classe trabalhadora e o povo não conseguirem derrotar o governo, representando um ponto de inflexão na luta de resistência, a tendência fundamental é que o impasse se aprofunde, mesmo que sob a aparência de “temporadas de normalidade”.

Não temos tempo a perder! Às ruas no dia 30!

Para o movimento de massas, não há outra saída que não apostar na mobilização para derrotar o governo e ganhar maioria social. Independentemente dos prognósticos e comparações, a tarefa nas mãos da juventude, como vanguarda atual da luta de resistência, é construir uma forte ação de rua no dia 30. 
É preciso concentrar-se na luta contra os cortes para que a defesa da educação seja a via para vocalizar a resistência. A luta contra a reforma da previdência está inscrita nasmobilizações, sabendo que o dia 30 tem que responder ao problema imediato da educação, ainda que articulandocom o chamado à construção da greve geral do dia 14. Há um debate e certa confusão no meio sindical sobre estetema. Uma parte do movimento educativo, sobretudo a maioria da CNTE (CUT e PT) não aceitou convocar uma paralisação para o dia 30, enfraquecendo e desanimando a luta estudantil. Felizmente, mesmo a UNE colocou-se firme na defesa da data e, com todas as contradições, cresce nas universidades o sentimento de responder aos idiotas verdadeiros de Curitiba que rasgaram a faixa em defesa da educação.

Nossa tarefa é seguir nas ruas, empenhando todos os nossos esforços para construir o dia 30 de maio com força na mobilização para derrotar os cortes e a política de Weintraub, Guedes e de seu chefe, Jair Bolsonaro.


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Pedro Micussi