14 de junho: protestos e paralisações contra um governo em crise

Uma análise da jornada de 14 de junho e os próximos passos da luta contra Bolsonaro.

Secretariado Nacional do MES 17 jun 2019, 13:37

O dia 14 de junho foi marcado por nova jornada de luta contra o projeto de reforma da previdência, incorporando a pauta da educação, que se levanta desde 15 de maio, contra os cortes.

A paralisação foi desigual em todo país, ficando aquém da greve geral de abril de 2017, com paralisações apenas parciais na maior parte dos grandes centros urbanos, com exceção de Belo Horizonte, Brasília e das capitais do Nordeste. As manifestações na parte da tarde ajudaram a compor um quadro combativo, com destaque ao principal setor da jornada de lutas, a educação. Uma parte da burocracia sindical traiu o chamado à greve geral, horas antes da deflagração, deixando ativistas, delegados e outros trabalhadores que tinham disposição de paralisar expostos à repressão patronal, da polícia e da justiça.

A manifestação não foi maior pelo papel que cumpriram as direções pelegas dos sindicatos, como o dos rodoviários de Porto Alegre e o dos trabalhadores ligados à CPTM em São Paulo. No Rio de Janeiro, nenhum setor paralisou. Combinado com isso, a pouca inserção da esquerda combativa nas garagens de ônibus e a falta de uma preparação mais democrática e pela base do chamado à greve explicam a dificuldade da paralisação total, para além das questões estruturais, como o alto desemprego e a precarização dos contratos de trabalho.

Do setor produtivo, houve boa adesão no ABC e em polos industriais como Camaçari e Caxias, entre outros locais. Entre os petroleiros, mais de uma dezena de refinarias paralisou sua produção por 24 horas. Houve piquetes e protestos em vias, organizados por movimentos rurais e urbanos. Nos serviços, bancários tiveram paralisações em estados importantes.

Contabilizaram-se mais de 200 cidades com algum tipo de protesto. O setor mais dinâmico foi a educação em seu conjunto, seguida da heroica categoria metroviária, que, com a esquerda à cabeça, bancou a paralisação dos serviços de metrô e trens em cidades estratégicas como São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Recife e região metropolitana de Porto Alegre.

Houve forte repressão. No protesto organizado nos arredores da USP, 10 ativistas foram presos, sendo liberados apenas um dia depois após a audiência de custódia. No Rio Grande do Sul, ao total foram quase 70 presos.

Com todas as contradições, o 14J foi um pronunciamento político contra o governo e sua política econômica. A crise que segue se desenvolvendo, com a demissão de três generais na mesma semana, a queda de Joaquim Levy e as revelações do The Intercpet. A luta segue contra o ajuste de um governo, que, segundo as palavras de Rodrigo Maia, é uma “usina de crises”.

Metroviários e educação, a vanguarda de cabeça erguida

O desmonte da mobilização por parte das direções pelegas colocou o 14 de junho em risco. O que fez com que pudesse ser uma jornada de lutas foi a coragem dos metroviários e a participação massiva da educação. Tanto para garantir as paralisações matinais, com os metroviários paralisando as maiores cidades do país, particularmente São Paulo, quanto no final da tarde, quando as manifestações tiveram pautas e composições parecidas com as recentes marchas em defesa da educação.

É muito importante apontar o exemplo correto das direções dos metroviários, que tiveram coragem para enfrentar a repressão e defender os interesses gerais dos trabalhadores e de sua categoria. O Sindimetro RS cumpriu esse papel. No caso de metroviários de São Paulo, a vanguarda sustentou os piquetes, apesar da traição das direções de sindicatos da CPTM e dos condutores. A luta geral contra a reforma coloca os metroviários na linha de frente para lutar contra os projetos de privatização e sucateamento que ameaçam a categoria em vários lugares.

O lugar da esquerda socialista nessa categoria é uma conquista que deve ser defendida. Trata-se de uma das poucas categorias do setor do transporte que não tem à frente burocracias ou máfias, cumprindo um papel estratégico nas paralisações nacionais da classe trabalhadora. A repressão seletiva contra os ativistas do metrô precisa ser parada com uma ampla campanha de solidariedade. Esta é uma tarefa imediata.

A educação foi o setor mais mobilizado em toda linha. Na esteira dos grandes atos de 15 e 30 de maio, estudantes e educadores somaram-se ao chamado de luta contra a reforma, enchendo praças e ruas, manifestando-se de conjunto contra o governo, os cortes na orçamento da educação e a reforma da previdência.

Com desigualdades regionais, como já assinalado acima, Belo Horizonte foi o ponto alto: ali, a cidade combinou uma forte paralisação com uma manifestação que, estima-se, reuniu 150 mil pessoas. E esse condição é coerente com as jornadas anteriores: Belo Horizonte é a vanguarda do país.

Repressão e desmonte dos pelegos: as duas vias para enfraquecer a jornada de 14 de junho

Para colocar o governo contra as cordas, a jornada de 14 de junho teria que se aproximar do que fora a grande greve de 2017. Ainda que tenha sido um importante protesto de caráter nacional, faltou a paralisação esperada e prometida pelas “reuniões das centrais”. O desmonte, oriundo das cúpulas de centrais que têm peso no transporte, como a UGT e a Força Sindical foi decisivo para expor a vanguarda. Os delegados viram-se sozinhos contra a repressão patronal e contra os capatazes das empresas de transporte que, junto com a polícia, obrigavam os trabalhadores a cumprir o dia, esvaziando os piquetes e acelerando a repressão.

A UGT saiu da greve e a Força Sindical foi contraditória. O papel do sindicato dos rodoviários de Porto Alegre foi vergonhoso. No campo da esquerda sindical, a CUT jogou-se para garantir as paralisações, mas as declarações de seu presidente, Vagner Freitas, de que os trabalhadores tinham que “ficar em casa”, atuou contra a ideia de uma greve ativa e combativa. O desmonte veio acompanhado da pressão dos governadores do Nordeste, sobretudo os do PT, para aceitar uma versão “light” da reforma da previdência.

A CTB, a CSP Conlutas, a CGTB, as duas correntes que se reinvindicam como Intersindical, além do conjunto da esquerda sindical lutadora, estiveram à frente da luta dura contra as patronais em todo país.

Como primeira greve nacional contra um governo com caracterísiticas autoritárias, confirmou-se a expectativa de maior repressão. Houve um número alto de prisões e detenções. No Rio Grande do Sul, esse número chegou a 70, dado que a Brigada Militar atuou para esvaziar os piquetes antes do sol nascer. Em São Paulo, 10 ativistas, entre os quais estudantes e sindicalistas, foram presos no piquete da USP. A truculência da polícia notou-se em várias cidades. Outro fator adicional foi a violência vinda de civis e transeuntes bolsonaristas, que jogaram carros contra manifestantes, como ocorreu em Niterói (RJ). O clima de ódio contra o movimento dos trabalhadores organizados é um dos componentes que um setor da extrema-direita busca despertar nas camadas médias mais atrasadas. Barrar e derrotar a repressão nos momentos de greve e protestos também é uma forma de conter e esmagar essa linha.

Com nossas parlamentares, estivemos desde a primeira hora nas delegacias, prestando solidariedade e assistência jurídica aos detidos. O papel da esquerda é defender as liberdades democráticas.

É necessário seguir a luta

As passeatas do final do dia completaram o quadro político da jornada. Uma ampla disposição de luta, motorizada pelo levante da educação de maio, fez-se notar, mesmo na imprensa tradicional, orientada a minizar os efeitos da jornada de luta. Centenas de milhares marcharam à noite para responder ao governo, à repressão e à operação desmonte dos pelegos. Com a cabeça erguida, é preciso seguir lutando contra o governo Bolsonaro como um todo.

Nosso papel foi ativo nos piquetes e ao longo dia. Estivemos junto aos dezenas de milhares que se envolveram de corpo na paralisação desde o ínicio da madrugada. Nossos sindicalistas estiveram junto, no pulso da batalha. Nossas figuras públicas cumpriram o papel de defender o ativismo contra a repressão. Nas marchas da noite, as colunas do Juntos, em parceria com a militância da Rede Emancipa, sindicatos e Mover, estavam nutridas e contagiantes, levando a defesa da aliança entre estudantes e trabalhadores em suas e faixas.

O que vem pela frente é uma maior polarização. O governo perde apoio, mas se arma para combates mais duros. Já anunciou a demissão do presidente dos Correios por ser demasiado “sindicalista”, num claro recado de que vai querer quebrar a espinha dorsal do serviço público, começando pelos Correios, mas chegando aos bancos públicos e à Petrobrás. No caso da educação, ainda que tenha tido duas derrotas parciais, com a liminar no STF e a votação da regra de ouro, que garantiu R$ 1 bilhão emergencial, o governo e o MEC vão seguir atacando sem tréguas. Bolsonaro aferra-se cada mais aos seus.

A crise das revelações do The Intercept joga instabilidade, desnunando o caráter parcial e seletivo de Moro para milhões. Enquanto organizam o contragolpe com um exército de robôs e trolls, espalhando fakenews, o campo de Moro teve que engolir que na própria Globo, cuja linha editorial busca preservá-lo, um quadro de humor do programa Zorra fez uma das melhores sátiras sobre o tema. 

A luta precisa seguir. Em primeiro lugar contra os ataques, como os cortes na educação e a nova versão da reforma da previdência, que mantém o aumento da idade mínima e do tempo de contribuição, a ampliação da alíquota nos estados e inclui categorias fundamentais como professores e parte dos trabalhadores da segurança. A queda de braço vai ocorrer na Comissão Especial da Câmara. 

Próximos passos

É preciso seguir a campanha de mobilização para combater o governo Bolsonaro como um todo. De imediato, há mais uma data de luta apontada: o cerco à Brasília pela educação em 12 de julho, aproveitando a reunião do movimento estudantil nacional no Congresso da UNE, a ser realizado na cidade.

Ao mesmo tempo, a greve de 14 de junho mostrou a necessidade de  construir uma campanha contra a repressão nos locais de trabalho e pela recuperação dos sindicatos para os trabalhadores. 

A luta contra a reforma da previdência e os ataques de Bolsonaro vai seguir. 


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Pedro Micussi