Sergio Moro: um titeriteiro contra a democracia

O ministro é o êmulo, em maquiagem mal feita de modernidade, daquilo que diz combater.

Luiz Fernando de Souza Santos 27 jun 2019, 15:55

Desde que a Operação Lava-Jato veio à tona, a figura do Juiz Sérgio Moro paira como ave agourenta sobre a vida brasileira. Travestido de paladino da justiça contra velhos esquemas de cupinização da riqueza pública, contra a aviltante confusão entre o público e o privado que remonta à colonização, efetivamente ele é o êmulo, em maquiagem mal feita de modernidade, daquilo que diz combater.

Um currículo que mostra o exercício da docência numa instituição de ensino superior público federal, tradução de literatura jurídica de vigor teórico duvidoso, palestras em universidades norte-americanas, treinamento jurídico nos EUA, não são garantias de que temos um sujeito que vive o seu ofício como se fora, nos termos weberianos, uma vocação (Beruf) e disposição ética moderna. Sérgio Moro, como juiz, foi a encarnação do atraso, de coisa velha, anterior à racionalização moderna (Aufklärung).

Para exercitar teoricamente a compreensão desta figura antiga travestida de moderna, farei uma breve incursão por argumentos do filósofo Michel Foucault, em Vigiar e Punir e História da Sexualidade.

Na obra Vigiar e Punir, Foucault nos apresenta o caso de um certo Damiens, condenado ao suplício em praça pública (tortura e esquartejamento). Este tipo de espetáculo, cena – no qual o corpo torturado, esquartejado, amputado, é o objeto da repressão penal-, é categorizado como economia do suplício.

A Operação Lava-Jato, tendo o Juiz Moro como titeriteiro (aquele que manipula fantoches ou marionetes), é a manifestação contemporânea da economia do suplício. Prisões, conduções coercitivas, delações premiadas, depoimentos e julgamentos, fundamentalmente se realizam como espetáculo, como cena, como suplício em praça pública. Não há uma gota de “sobriedade punitiva”, como assinala Foucault em relação às técnicas punitivas modernas.

O espetáculo conduzido pelo juiz de Curitiba é a continuidade, nos tribunais, de um sistema prisional cuja tecnologia política do corpo é a da produção da morte (rebeliões, chacinas, interdição de direito de revisão da pena, etc.). Assim, sistema prisional e jurídico, imbricados que estão, são expressões antimodernas de estruturas sociais, políticas e jurídicas.

Em História da Sexualidade, encontramos referências a um exercício de poder que é típico da época da economia do suplício: o soberano tinha o direito de vida e de morte sobre os súditos que afrontavam sua autoridade, uma espécie de “direito de causar a morte ou deixar viver”. Moro é o soberano que quer causar a morte. É assim que se explica que sua figura se atribuiu inclusive a tarefa de pressionar o STF.

Por ocasião do julgamento do Habeas Corpus do ex-presidente Lula, o juiz deu entrevistas nas quais indicava para os juízes do Supremo a decisão a ser tomada. A grande mídia que cobria o julgamento, particularmente a Rede Globo, para dar ar de legitimidade aos discursos de seus “especialistas”, que apontavam que a prisão de Lula era o indicador de que a “justiça é para todos”, nos bombardeou com os quereres de Sérgio Moro.

O juiz de Curitiba foi o oposto do profissional do meio jurídico moderno que, em termos foucaultianos, vive seu ofício segundo mecanismos administrativos que desoneram o sistema judicial do espetáculo dos suplícios. Moro quer a exposição pública, do preso e de si, pois se deleita com os mimos de um jornalismo de gosto duvidoso e com os aplausos que, como bom titeriteiro, arranca dos fantoches que se vestem de verde e amarelo.

Com a recente publicação, pelo The Intercept Brasil, de diálogos entre o então juiz Sérgio Moro e os procuradores à frente da Operação Lava Jato, vem à tona a descoberta de uma conduta que vai além de uma epistéme jurídica não-moderna. O papel de titeriteiro exercido por Moro não se inscreve apenas numa escolha intelectual de tempos idos. É também a expressão de um cálculo politicamente orientado, e orientado por escolhas pelo veio reacionário em política. Como titeriteiro, se vê como aquele que tem a autoridade legítima para conduzir as investigações dos procuradores, aquele que pode definir quem está apto ou não para participar de inquirição em audiência pública, de pensar a possibilidade de “limpar o Congresso”, de vazar ilegalmente gravação de conversa entre Dilma e Lula, de garantir as condições de possibilidade de prisão do último e, assim, pavimentar a via que levou Bolsonaro ao Planalto.

Moro é, pois, o lado arcaico de uma nação com práticas punitivas que naturalizaram o suplício do corpo preso ao tronco. Mas é também a velha face distorcida de um sistema jurídico assentado numa estrutura societal na qual o poder político, sua hegemonia, sempre esteve nas mãos de uma elite reacionária, que tem ódio dos subalternos.  Não há aí justiça moderna. Não há democracia.


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Camila Souza