“O papel da esquerda socialista no interior do PSOL é manter o nosso partido vivo como um partido militante”

Entrevista com Leandro Recife, secretário-geral do PSOL.

Leandro Recife e Thiago Aguiar 9 jul 2019, 01:02

Neste ano, assumiu a secretaria-geral do PSOL Leandro Recife num período de enfrentamentos contra o governo de Bolsonaro e seus ataques contra os direitos do povo. Em entrevista para a Revista Movimento, Leandro fala dos desafios de sua nova tarefa: fazer do PSOL uma alternativa à esquerda, participando das lutas de resistência e afirmando um perfil coerente, que se diferencie da experiência do PT e ganhe a confiança do povo.

            Recife também fala de sua longa trajetória de 25 anos como militante socialista, apesar de sua juventude. Tendo iniciado seus passos no movimento estudantil secundarista, o novo secretário-geral do PSOL atuou no movimento sindical de professores, no movimento popular na Grande São Paulo, no movimento LGBT e, mais recentemente, acompanhando a interessante experiência do movimento de policiais antifascismo. Nosso secretário-geral também tem larga trajetória partidária: tendo militado no PT e participado do recolhimento de assinaturas pela legalização do PSOL, Leandro Recife contribuiu para a construção do partido em São Paulo e Pernambuco, além de ter, há anos, participação destacada nos debates nacionais de nosso partido. Confira a seguir a entrevista.

Movimento – Leandro, você recentemente assumiu a posição de secretário-geral do PSOL. Gostaríamos de iniciar esta entrevista perguntando sobre sua trajetória militante. Conte-nos como foi sua experiência nos espaços partidários e nos movimentos sociais.

Leandro Recife – Bom, eu inicio minha militância política em 1994. Sou oriundo do movimento estudantil secundarista. No final de 94, início de 95, eu me filio ao PT e ajudo a organizar a juventude. Depois, eu me torno membro da Executiva do PT no ABC Paulista e faço uma militância bem rápida no movimento estudantil universitário: fui vice-presidente do Centro Acadêmico de Filosofia da FAE. Então, eu já ingresso no movimento sindical. Comecei a dar aulas, em 2002, quando me filio à APEOESP. Fui candidato a conselheiro estadual do sindicato e me elegi. Passei 10 anos militando na educação. No final de 2004, nós nos filiamos ao PSOL. Anteriormente, já tínhamos ajudado a recolher assinaturas para a legalização do partido. Há quase 15 anos, estamos construindo o PSOL. No partido, fui secretário estadual de comunicação em São Paulo, depois secretário de finanças. Vim para o PSOL nacional na sequência: fui secretário de movimentos sociais, de organização, de relações institucionais e hoje sou secretário-geral. Nos movimentos sociais, dediquei um bom tempo a organizar o movimento LGBT. Fui idealizador e estava com a companheirada que ajudou a organizar as primeiras paradas no ABC Paulista. Também estive, desde os primeiros anos, na mobilização das paradas em São Paulo. Eu fui um dos primeiros participantes da primeira parada, quando nós tínhamos juntado duas mil pessoas, e hoje se tornou esse fenômeno, esse monstro com um monte de gente. Mas os primeiros anos foram muito difíceis. Acho que da quarta parada em diante que começou a juntar uma multidão.

M – Você assume esta nova tarefa num momento importante da história brasileira. Bolsonaro acaba de completar seus primeiros seis meses na presidência. Como você avalia o governo?

LR – Veja, o governo Bolsonaro é um misto de muitas coisas que não prestam. Tem um setor que eu classifico como incompetente, que não entende de gestão, da máquina pública. Tem outro setor, de fanáticos, religiosos, pessoas com mentalidade medieval. E tem outra turma, dos neoliberais, do ponto de vista econômico. A soma desses núcleos tem provocado bastante dano à sociedade brasileira. É um governo em que os fascistas, por exemplo, se reconhecem, se sentem à vontade para apoiar. Eu tenho visto muitos grupos, como os “carecas do ABC” e os neofascistas em Pernambuco, que claramente apoiam o governo. Então, ele conseguiu essa façanha de atrair grupos bastante atrasados da sociedade. Agora, é um governo que tem encontrado resistência. A resistência tem aumentado a seus mal feitos. Em seis meses, tem perdido popularidade e se deparado com enfrentamento. As manifestações em defesa da educação, que a juventude organizou, demonstram que há um espaço para os setores mais progressistas da sociedade. Há um conjunto de movimentos que começa a se organizar, em pautas que começam a ganhar força: os Policiais Antifascismo são um exemplo disso. Eles fizeram um congresso que reuniu policiais do país inteiro para discutir uma nova concepção de segurança pública e se identificam como antifascistas. Isto é de um avanço imensurável, especialmente nesse momento que nós estamos vivendo. Então, há um espaço. A queda da popularidade de Bolsonaro também demonstra que é possível, num futuro bem próximo, que a gente possa reverter esse jogo. O PSOL precisa estar antenado e se identificar com estes movimentos, não só em defesa da educação e dos policiais antifascismo, mas também os movimentos feministas, que têm dado um exemplo de luta e resistência no país, dos movimentos indígenas e quilombolas, que têm sido referência de resistência. É preciso que o PSOL se aproprie mais da pauta trabalhista, da pauta classista. O PSOL precisa se transformar num partido classista, com o qual a classe possa se identificar como seu partido. Este é o desafio para o próximo período. Construímos, até aqui, um partido de oposição programática, um partido com viés socialista, um partido que dialoga, com muita propriedade, com as pautas da juventude, mas é preciso agora dar um passo à frente, fazendo com que os trabalhadores, os desempregados e as camadas populares possam ver o PSOL como seu partido, como o partido que os defendem. Então, é muito importante que as organizações no interior do PSOL desenvolvam esse diálogo e essa organização constante com os sindicatos e com os trabalhadores em geral.

M – Na última eleição, o PSOL conseguiu ampliar sua bancada e ultrapassar a clausula de barreira, mostrando o fortalecimento de seu projeto partidário. Como afirmar o programa e as ideias do PSOL? De que forma o partido deve se apresentar em lutas unitárias com outros partidos?

LR – O mérito da ampliação da bancada, o mérito da superação da cláusula de barreira é, essencialmente, um mérito da militância do partido. A militância do partido tomou isto como uma tarefa, com uma importância gigantesca, e ela conseguiu dar conta dessa tarefa. Então, a nossa militância que foi às ruas, que vestiu a camisa, que às vezes militava ali 8, 10, 12 horas por dia… O cara que saía da sua escola, do seu local de trabalho e ia lá para frente do computador conversar ou pegava seus fins de semana para distribuir panfleto, para conversar com os amigos mais próximos da importância do partido e da gente superar a cláusula de barreira… Se não fosse esse gás da militância, a gente não teria conseguido esse feito. Eu acho que a próxima tarefa do partido, principalmente agora nesses movimentos de frente única, nesses movimentos unitários, é reafirmar um programa que nós estamos construindo, reafirmar seus ideais socialistas. E aí não tem muito segredo, né? É você não ter vergonha de empunhar a bandeira do nosso partido, é você ter orgulho de dizer que é socialista, é você, acima de tudo, não ter medo de ir para as ruas e caminhar conjuntamente com aqueles que queiram estar nessa luta de enfrentamento ao governo, aos movimentos fascistas, a todos aqueles que querem tirar direitos do povo e fazer com que a humanidade retroceda. Então, acho que esse é o papel fundamental do PSOL e é dessa forma que nós vamos superar esse momento difícil que o nosso país está vivendo.

M – Você teve uma experiência importante construindo o PSOL em Pernambuco. Lá, você acompanhou o desenvolvimento do movimento de policiais antifascismo. Conte-nos mais sobre esta experiência.

LR – A experiência dos policiais antifascismo é muito rica. Primeiro, nós identificamos que a esquerda brasileira – após o processo de redemocratização no país com o fim da ditadura – se omitiu do diálogo e da organização dos trabalhadores da área de segurança pública. Então, é preciso a gente fazer esse resgate e fazer esse retorno, no sentido de entender que a segurança pública é tocada por trabalhadores. E aí nós conseguimos identificar, também, que a polícia que mais tem matado os negros e pobres nas periferias é a polícia que mais tem morrido também. E os que morrem são justamente estes: são os pais de família, são os pobres também. Então, é preciso a gente fomentar esse debate, fazer essa reflexão bastante ampla. Esse coletivo de policiais antifascismo, que tem tomado uma proporção bem interessante, tem ganhado corpo no interior dos trabalhadores da segurança pública, tem ganhado uma importância muito grande, em primeiro lugar, porque eles se reconhecem como trabalhadores. Em segundo lugar, porque eles reconhecem a importância de enfrentar o fascismo, logo, de enfrentar esse governo. Em terceiro lugar, a visão de segurança pública deles não é a visão desse governo e nem a de governos anteriores. Os governos Lula e Dilma, por exemplo, poderiam ter tido outra política de segurança pública e não o fizeram. Então, é um movimento, digamos assim, bem mais avançado do que o simples fato de um movimento que está ali para combater o fascismo. É mais do que isso: eles têm um modelo de segurança pública que não é o que está vigente. Eles têm uma pauta. Agora, é um movimento amplo, né? Você tem militantes do PDT, do PT, do PCdoB… Embora, em sua maioria, eles sejam militantes do PSOL, eles têm essa capacidade de ter amplitude. É um movimento que eu acho que o partido deve ter um olhar, dialogar e ajudar para que ele possa se desenvolver nas tarefas e reivindicações legítimas dos trabalhadores da segurança pública.

M – Por último, na sua opinião, que papel pode cumprir a esquerda socialista no interior do PSOL? Como unificá-la?

LR – O papel da esquerda socialista no interior do PSOL é manter o nosso partido vivo como um partido militante, um partido de esquerda e socialista que, ao mesmo tempo que tenha consciência de que é um dever nosso enfrentar um governo neofascista e atrasado que temos no Brasil, também saiba que os modelos de governo que tivemos no Brasil não são suficientes para resolver os problemas da nossa classe. Então, o nosso papel é muito mais de mostrar para a sociedade que o PSOL é o partido da classe, do feminismo, dos quilombolas, do movimento indígena, do movimento LGBT e do conjunto da classe trabalhadora. Para ser esse partido, ele necessariamente deve ser um partido socialista. Esta é a maior contribuição que nós podemos dar no interior do PSOL. É claro que a esquerda socialista no interior do partido tem muito peso. Ela é parte da direção. É diferente da experiência que tínhamos no PT, que era uma esquerda muito pequena e que não tinha uma capacidade de interferência. No PSOL, é outro formato. A esquerda tem muita representatividade e capacidade, inclusive, de influenciar nas decisões do partido. Para que a gente possa, cada vez mais, nos unificarmos, nós precisamos evoluir no debate de uma concepção de sociedade, sobre nossas diferenças e acumular um programa mais unitário, desenvolvendo seminários, plenárias e tendo ações conjuntas nos movimentos concretos. Não tem muito segredo: a palavra mágica é ação. Nós temos que ter um plano de ações para que a gente possa se aproximar, se fortalecer e se manter unido.

Esta entrevista faz parte da edição n. 13 da Revista Movimento. Compre a revista completa aqui!


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