Celebramos os 20 anos do MES nos preparando para novos combates

Apresentando a Revista Movimento n.14-15, Israel Dutra trata dos 20 anos do MES.

Israel Dutra 22 nov 2019, 11:09

“E hoje
Depois de tantas batalhas
A lama dos sapatos
É a medalha
Que ele tem pra mostrar

Passado
É um pé no chão e um sabiá
Presente
É a porta aberta
E futuro é o que virá, mas, e daí?”

Gonzaguinha

O MES completa 20 anos. A presente edição da Revista Movimento é dedicada por completo ao importante evento que marca duas décadas de nossa história. Apesar de jovens, podemos dizer que poucas organizações na história política da esquerda brasileira alcançaram essa marca com tamanho vigor.  Longe da autoproclamação, desejamos transformar nossos êxitos em força social e militante para novos e amplos impulsos.  Ainda não cumprimos uma maratona, mas nossa história sem dúvida deixou para trás a visão de curto prazo, que alguns adversários nos chegaram a prognosticar. Diante das muitas provas, vitórias e algumas derrotas, podemos celebrar e somar forças para enfrentar as tarefas imediatas: derrotar a tentação autoritária de Bolsonaro e avançar na construção de uma alternativa socialista.

Há uma frase que diz mais ou menos o seguinte: “Quem, com 20 anos de idade, não é socialista, não tem coração, mas quem é socialista por mais de 20 anos perdeu a razão”. A máxima comum nos círculos que deixaram de confiar na classe e na revolução, muitas vezes repetida por Lula como forma de sua sabedoria política, é desafiada pelo corpo militante, de quadros e dirigentes que celebra essa data. Não apenas porque viemos de mais longe, sendo parte das melhores tradições da luta socialista no país e no mundo, mas porque queremos construir um forte polo para os embates do aqui e agora.

Naquele tarde quente de 6 de novembro de 1999, quando centenas de militantes tomaram lugar na Casa de Portugal para participar da fundação do MES, 10 anos nos separavam da queda do Muro de Berlim e 120 anos do nascimento de Leon Trotsky, ocorrido em 7 de novembro de 1879. O tempo se acelerou e se condensou para a busca de uma alternativa que superasse o reformismo da direção do PT, abrindo novas e sinuosas estradas políticas, como realizaríamos na fundação do PSOL, cinco anos mais tarde.

A edição está ordenada por uma série de textos fundamentais para nossa história. Publicamos documentos históricos e atuais, além de uma entrevista com Nancy Fraser, prefaciada por Luciana Genro, expressão da centralidade da luta feminista no mundo e nas fileiras de nossa organização. 

Esboçamos abaixo, de forma resumida, algumas questões que ajudam a/o leitor/a a conhecer melhor nossas batalhas, para as quais nós militantes entregamos coletivamente a nossa melhor e mais esperançosa parte.

1) Seattle, Quito e Porto Alegre

O ano de 1999 encerrou o breve século XX. No centro das preocupações, estava o chamado “bug do milênio”, prova da importância irreversível da tecnologia de armazenamento, processamento e transmissão de dados. O século XX foi marcado pela sequência mais impressionante de acontecimentos, concentrados no tempo e no espaço, que a humanidade jamais havia acessado. No âmbito da luta política, a ofensiva neoliberal devastava direitos e diminuía a capacidade de resistência da classe trabalhadora brasileira. O MST era o principal movimento social brasileiro, com o recuo da luta urbana e operária ao longo dos anos noventa. Contudo, o signo já era de mudança: a maré começava a virar. O desgaste do governo FHC, que foi reeleito com base na estabilidade do Real, era sentido na grande Marcha dos Cem Mil, em Brasília, em agosto daquele ano de 1999. O PT voltava a ampliar sua bancada e a ter vitórias eleitorais importantes, especialmente no Rio Grande do Sul, onde tinha obtido uma conquista contra o neoliberalismo, na eleição polarizada que consagrou o bancário Olívio Dutra como novo governador em 1998. No cenário internacional, mudanças estavam em curso.

A cidade de Seattle, até então conhecida pelo pioneirismo musical nos anos noventa, conheceu uma batalha que marcaria a entrada de um novo ator: o movimento antiglobalização, durante a “Rodada da OMC” em 30 de novembro de 1999, que foi inaugurado numa batalha campal que antecipou enfrentamentos urbanos, irrompendo uma juventude capaz de questionar o jogo das finanças e do neoliberalismo.

Em 23 de janeiro de 2000, após a virada do século, em Quito, uma rebelião popular encabeçada por indígenas, junto à baixa oficialidade militar e a setores do movimento de trabalhadores, derrubava o governo de Mahuad, tomando o palácio e buscando instaurar um “parlamento dos povos”. A cena dos indígenas da CONAIE inaugurava um novo tempo político: o ciclo de rebeliões, que, combinadas com processos eleitorais, questionaria o neoliberalismo no continente. Dois meses depois da fundação do MES, bebemos dessa fonte, estampando em nossos materiais a bandeira colorida das nações indígenas e dando boas vindas à “época das rebeliões”. Em agosto de 2000, uma delegação do MES esteve em Lima para apoiar o levante democrático que liquidaria a última das ditaduras da região, de Fujimori e Montesinos. Seguiriam-se as guerras da água e do gás na Bolívia (2000, 2003 e 2005), o Argentinazo, em dezembro de 2001, e o ponto alto com a derrota do golpe imperialista na Venezuela, em 2002, com a recondução de Chávez ao Palácio Miraflores pelas mãos do povo.

O rico processo de construção da esquerda tinha em Porto Alegre um ponto de apoio. Com a queda do Muro e a rápida direitização da social-democracia internacional, com os governos Blair e Schröder, o processo de Porto Alegre, quando a ala esquerda do PT governava a cidade e o estado, despertou a curiosidade dos socialistas de todo mundo. O Fórum Social Mundial foi um processo interessante, de confluências, mas que também revelava a estratégia reformista e de conciliação de classes da direção do PT, além da capitulação dos chamados setores socialistas da esquerda do PT, isolando a ala radical do partido, apostando na “ampliação da democracia via orçamento participativo”. A tentativa de buscar uma face mais amena para a esquerda levou à domesticação da direção do Fórum, processo concluído quando da vitória de Lula.

No ano de 2003, em unidade com setores bolivariamos, o MES desafiou essa linha, convidando e bancando a visita de Chávez, uma vez que a maioria da direção do Fórum e do PT estavam contra sua presença, num momento de auge da convergência entre essa experiência e nossa jovem corrente, representada no mandato de Luciana Genro. Fomos defensores do processo venezuelano. No ato fundacional do MES, dirigentes operários venezuelanos fizeram uso da palavra. Não foram poucas as vezes em que estivemos prestando solidariedade ativa ao processo em Caracas. Mantendo nossa independência política, enviamos militantes para atuar no processo, no interior do PSUV, orgulhando-nos do caminho percorrido e nos alinhando ao atual “bolivarianismo crítico” que combate o imperialismo sem prestar nenhum apoio ao governo de Maduro.

Assim foi forjado o MES: nesse espírito e nesse combate.

Nossa batalha política no PT foi crucial para forjar uma nova direção.  Duas tarefas práticas foram votadas no Encontro fundacional de 1999: a participação na greve geral de 10 de novembro, quando, com a vanguarda militante, paralisamos a principal garagem de Porto Alegre; e a preparação da greve do CPERS, ao lado da categoria dos educadores, em março do ano seguinte.

Sem sectarismos, apostamos em seguir ao lado dos movimentos sociais, quando o germe da cooptação e da paralisia já se verificava nos governos locais. A primeira grande prova foi a presença na luta do magistério gaúcho, na experiência do governo Olívio, atuando na direção com as companheiras oriundas do MSTB (Movimento Sindical de Transformação pela Base, corrente sindical combativa do CPERS, que tinha em Neida Oliveira e Neiva Lazarotto suas principais expressões). Luciana Genro, deputada estadual à época, foi punida pela bancada do PT por votar junto à categoria.

No âmbito nacional, com as devidas lições da adaptação petista, demos o combate contra a intervenção do Diretório Nacional no Rio de Janeiro, onde foi burocraticamente retirada a candidatura de Vladimir Palmeira para apoiar Garotinho, então no PDT. O combate contra essa adaptação não nos fez cair no esquerdismo, tanto que ganhamos Pedro Ruas e vários quadros oriundos do PDT alguns anos mais tarde. Naqueles anos, lutamos para a construção de um polo político em unidade com os setores à esquerda do PT, como o “Refazendo” no Rio de Janeiro e o bloco político “Socialismo ou Barbárie”, conformado após o encontro nacional petista em 2001. Uma longa história.

A localização de Luciana Genro como deputada federal foi estratégica para demarcar as diferenças com a estratégia de Lula no poder. Uma conquista fundamental, que tornou possíveis as tarefas “preparatórias” do ano de 2003. O desafio era unir a esquerda consequente no PT – uma parte capitulou à direção de Lula e Dirceu – para dar uma batalha pública contra a rendição ao capital financeiro e à velha política. A II Conferência Nacional do MES, no meio de 2003, deu-se em meio a essa luta política: apontar para a uma construção a partir dos “radicais” do PT ou seguir na linha do “governo em disputa”. Parte das teses vencedoras já se encontravam no livro de Roberto Robaina, Uma visão pela esquerda. Assim, preparamos o embate ao lado dos servidores contra a reforma da previdência – um rubicão que o governo Lula cruzou – com os deputados Babá, João Fontes, além da própria Luciana e da destemida senadora Heloísa Helena.

Uma vez mais, uma aposta que se consolidava. Em janeiro de 2004, junto a outras organizações, era lançado no Rio o “Movimento por uma Esquerda Socialista e Democrática”. Em 5 e 6 de junho de 2004, foi fundado em Brasília o Partido Socialismo e Liberdade.

2) A síntese como elemento central

A fundação do MES combinou-se com uma importante luta política e teórica com antigos camaradas que provinham da nossa mesma tradição. Entre 1999 e 2001, a organização internacional da qual éramos parte passou por uma discussão abrangente – da qual participou uma parte dos companheiros do Brasil que estavam na CST – sobre seus próprios marcos políticos e da estratégia. Além das polêmicas conjunturais sobre a guerra nos Bálcãs e as tarefas da política brasileira, algo mais profundo estava em discussão. Conceitos como “situação revolucionária mundial” e “Frente contrarrevolucionária” eram revistos para apontar o fortalecimento de uma estratégia que marcaria como as escolhas do MES: a hipótese do reagrupamento.

Essa questão determinou nossa localização como corrente e como construtora estratégica do próprio PSOL. Ao buscar a síntese como elemento central da construção política, sem deixar de lado a importância de um projeto leninista e internacionalista, pôde-se abrir um processo de maior experiência com grupos que não provinham da mesma cultura política.

Isso nos fez construir relações fraternas onde as sínteses não eram apenas de “fachada”. A incorporação/fusão com vários grupos, regionais, setoriais, atuava para mudar, dialeticamente, a própria “alma” da corrente. Assim, saímos mais enriquecidos de cada uma dessas experiências.
Além da experiência fundacional com MSTB, podemos citar a relação com o grupo de socialistas do Rio Grande do Norte, que, após o encontro nacional do PT de 2001, aderiu ao MES, com atuação entre trabalhadores da UFRN e protagonismo na FASUBRA;  a CS, corrente transitória do Pará, com força no Movimento Estudantil da UFPA; o MTP do Rio de Janeiro, atuante em Niterói e região; o PRS de Pernambuco; o grupo ligado a Mário Agra em Alagoas; a experiência que fizemos com Poder Popular – MTL, que não pôde avançar como um todo, fruto de problemas teóricos e políticos que resultariam na própria desagregação desta organização nacionalmente, mas que nos uniu com os camaradas da regional São Paulo. Tal união foi fundamental para pensarmos num modelo de juventude mais ampla, a partir da experiência que realizavam no movimento juvenil e na expansão do projeto da Rede Emancipa como movimento social de educação popular.

Cada uma dessas experiências, com encontros e desencontros, foi nos fazendo mais diversos e enraizados. Sem a arrogância de uma única tradição teórica ou política, fomos avançando em acordos estratégicos, evitando cair no ecletismo e no dogmatismo.

Com relação à construção internacional, concretizamos também a linha do “reagrupamento”.  A partir de uma equipe comum com os companheiros peruanos, buscamos novas sínteses. Tentamos junto ao MST argentino, para em seguida concretizar uma importante unificação entre os setores quartistas. Desde 2012 participamos, na condição de observadores da IV (SU), buscando uma confluência histórica entre as diferentes vertentes da IV: por um lado, nós, oriundos do morenismo; por outro, a corrente de tradição mandelista, que tinha rompido com sua principal seção, a DS brasileira, por conta da rendição da mesma ao governo social-liberal do PT.

Com o desenvolvimento da nossa relação, participamos do XVII Congresso da IV Internacional, já na condição de simpatizantes, votando em nossa VI Conferência Nacional do MES, a luta para unificarmos os caminhos numa mesma publicação. Já os camaradas do MST preferiram seguir uma via própria. A partir das relações na IV, já estamos almejando chegar a novas sínteses. A relação especial com a ala internacionalista do DSA e com a CS chilena vai soldando uma interessante composição internacional para uma nova esquerda, socialista, libertária e radical.

3) Nosso lugar no PSOL

Uma “regra de ouro” para qualquer militante do MES diz respeito a sua vinculação com o PSOL. Sempre afirmamos que o destino do MES está diretamente ligado ao destino do PSOL. Ampliando o campo de visão, podemos dizer que o projeto da esquerda no país está ligado ao destino do PSOL, portanto a luta do MES para enraizar e lutar para que suas ideias ajudem a fortalecer o PSOL é estratégica.

Além do aporte fundamental, a partir da tribuna parlamentar com os “radicais”, para que a separação com o social-liberalismo do PT pudesse encontrar eco em setores de massa, o esforço concentrado da campanha para legalização foi um teste. Juntando 500 mil assinaturas, em parceria com a CST, MTL e outras correntes, pavimentamos o caminho para o que seria um “abrigo para a esquerda socialista”, nas palavras de Heloísa Helena, nos primeiros anos de formação do PSOL. Hoje, contudo, é muito mais do que isto. A entrada de setores como a APS de Ivan Valente, Chico Alencar e Plínio de Arruda Sampaio, na segunda leva de ruptura com o PT, dessa vez movidos pelo escândalo do “mensalão”, fortaleceu o PSOL, deixando-o com mais musculatura, mas também fazendo-o mais complexo pelo peso que as correntes orientadas ao chamado “programa democrático e popular” ganhavam no Partido. A luta política interna ganhava um componente adicional, a dialética entre a ampliação e a disputa pelos rumos do PSOL. A riqueza partidária levou a momentos de tensão extrema, congressos conflitados, mas também de diversidade nos realinhamentos internos, um sintoma da vivacidade interna do Partido.

Nossa permanente questão dentro do PSOL foi buscar ampliá-lo e vinculá-lo ao movimento de massas. Isso deveria ser feito aproveitando oportunidades, sem cair em diluição ou perda de identidade. Lutamos para agregar setores oriundos do PT, do PSTU, trabalhistas históricos, esquerda cristã e democratas radicais, contribuindo para atração de agrupamentos políticos, sociais e personalidades que ampliassem o lastro do Partido na sociedade.

Destacamo-nos também por demarcarmos um campo à parte do PT, partido que esteve à frente do governo durante 13 anos. Nunca aceitamos a ideia de que o PSOL fosse um satélite do campo petista, nucleado ao redor da liderança de Lula. Garantir a existência de uma oposição de esquerda aos anos de PT no governo foi um dos patrimônios mais sólidos acumulados pelo PSOL. Hoje podemos buscar unidades e ações em comum, mas com uma linha própria, independente e reconhecida como tal pelos setores mais avançados do movimento de massas.

Parte dessa batalha foi incorporar com centralidade a luta contra a corrupção, como uma agenda central da esquerda. Em polêmica com outras vertentes que minimizavam a pauta, lutamos para que o PSOL fosse identificado com essa bandeira, questão fundamental para que a esquerda tenha credibilidade diante do movimento de massas.

Localizamo-nos junto a Marcelo Freixo, quando estávamos à frente da Fundação Lauro Campos, em seguida ao relatório da CPI das Milícias, popularizado nas telas de cinema pelo filme de José Padilha “Tropa de Elite 2”. Estivemos entre os que apostaram na “Primavera Carioca” como forma de emergência de uma nova esquerda, em 2012 e 2016. Também nos perfilamos como defensores da luta contra as milícias, polemizando com setores petistas que diziam que o fascismo estava chegando a todo instante, banalizando o risco real – e infelizmente atual – das bandas paramilitares cariocas.

Nos congressos do PSOL, estivemos em diferentes composições, unindo as forças da chamada esquerda partidária, com base na luta contra as distorções, pelo peso da adaptação à prefeitura de Macapá. Levamos adiante esta luta nos últimos três congressos, apontando para o retrocesso da estratégia da direção do partido, que a levava a defender de forma acrítica a experiência do Amapá, em troca da garantia de sua maioria congressual com os votos dessa delegação.

O PSOL consolidou-se como referência da esquerda no país. O crime brutal contra Marielle Franco ecoou nas periferias e favelas de todo Brasil. A resistência contra a violência política, contra as mulheres e a negritude ganhou um símbolo incontestável. A responsabilidade do PSOL aumentou muito.

4) A bússola das ruas

A carta de princípios do MES aponta que só a luta muda a vida. Essa prédica orientou o conjunto das nossas ações. A “bússola” das lutas e das ruas marcou essencialmente nossa intervenção. Assim foi na origem, com a grande greve do CPERS, assim foi na luta da reforma da previdência em 2003 ou em outros tantos momentos da luta do povo: controladores aéreos, bombeiros, sempre combinando a luta parlamentar com a primazia da ação independente dos trabalhadores e sua auto-organização. Assim foi nos primórdios da luta da juventude, com agrupamentos como “Desodebeça” e “Romper o Dia”, com os quais nos associamos às lutas democráticas presentes nos enfrentamentos da juventude brasileira, como foram as revoltas de Salvador e Florianópolis, em 2003 e 2005, antecipando o potencial mobilizador da luta contra os aumentos da tarifa de transporte.

Quando as massas entraram em cena, nos levantes que ficaram conhecidos como “Jornadas de Junho de 2013”, nossa corrente jogou-se de conjunto, sendo parte ativa dessa luta.  Nossa análise inicia-se dois anos antes, quando, junto aos levantes da “Primavera Árabe”, definimos que o mundo vivia uma onda mundial de indignação. Tal indignação, difusa, colocaria em xeque as formas tradicionais de representação política e social, aí incluídos os partidos de centro-esquerda, os sindicatos tradicionais e as direções das velhas esquerdas. Apoiamos de forma decidida a luta dos “indignados” na Espanha, voltando nossas forças e energias para construir na juventude um polo dinâmico, radical e independente, com forte vetor das ruas.

Em janeiro de 2013, com a previsão de alta das tarifas adidas para o meio do ano letivo, em reunião em São Paulo, a Direção Nacional do MES afirmou, numa circular extraordinária, que a luta contra o aumento das tarifas poderia ser o gatilho da indignação popular e que isso seria o eixo da orientação. No começo de abril de 2013, quando ainda muitas delegações voltavam do “Acampamento Internacional das Juventudes em Luta”, a luta contra o aumento da tarifa transbordou nas ruas de Porto Alegre. Rapidamente, além de se somar às ações de rua, a bancada do PSOL na Câmara Municipal, com Fernanda Melchionna e Pedro Ruas, pediu na justiça a revisão do aumento da tarifa. A combinação da ação parlamentar com a centralidade da luta das ruas tinha uma vitória exemplar. A ação se espalhou pelo Brasil e levamos em São Paulo a faixa “Vamos repetir Porto Alegre”. Em 13 de junho, quando a negociação conduzida pela comissão de segurança do ato, na qual tínhamos lugar, foi rompida de forma unilateral pela Polícia Militar paulista, levando a pesada repressão noticiada em rede nacional, a solidariedade contra os abusos policiais ganhou a maioria social. Era Junho acontecendo.

A partir da efervescência de Junho, novos fenômenos se desdobraram. Atuamos de forma consciente nas grandes greves, como a dos rodoviários em 2014 e a greve da saúde de Porto Alegre, estando no núcleo fundamental dessas batalhas da classe, escolas de guerra para nossa militância. Apoiamos as greves de garis e de metroviários, bem como os movimentos sociais e populares que davam um salto: a luta das ocupações de moradia, como a do MTST em São Paulo ou a luta por habitação popular vitoriosa em Porto Alegre.

Outros movimentos ganharam corpo e, uma vez mais, nossa presença foi uma constante. A luta ambiental na assembleia da água em São Paulo com os ativistas de Itu; a luta pela democratização da mídia; a entrada em cena da chamada “Primavera Feminista”, que, de norte a sul do país, lutou contra Eduardo Cunha, com o Movimento Juntas impulsionando as principais atividades.

O salto de qualidade foi dado quando se pôde vocalizar tais lutas: a candidatura de Luciana Genro à presidência em 2014 abriria um novo espaço para a esquerda emergente, apoiando-se nas lutas da juventude, das mulheres e do ativismo LGBT. 

Nossa corrente seguiu apostando na emergência da nova esquerda. As eleições de 2016 apontaram para seguir nessa direção. Elegemos vereadores em Porto Alegre, após uma batalha na qual Luciana apresentou-se como candidata, obtendo 13% dos votos para a esquerda radical: nossa bancada teve Fernanda (a mais votada), Roberto Robaina e Professor Alex. Na esteira da primavera das mulheres, elegemos Fernanda Miranda em Pelotas e tivemos uma conquista maior, que nos colocou noutro patamar: a eleição de Sâmia Bomfim na maior cidade do país. Com David Miranda, fruto da parceira com Glenn Greenwald e da luta por asilo para Snowden, garantirmos nosso primeiro mandato na capital carioca. Também conquistamos a reeleição de Sandro Pimentel em Natal. O tempo novamente se aceleraria.

Nossa defesa da luta contra o impeachment de Dilma na forma de eleições gerais colocou uma política correta como forma de disputar a direção do movimento de massas. Nos enfrentamentos ao governo de Temer, nossa ação foi destacada com a construção presente na greve geral de abril de 2017 e com uma coluna combativa que esteve, junto com a CSP-Conlutas, na primeira fileira do “Ocupa Brasília” em 24 de maio de 2017.

Em 2018, elegemos uma bancada de deputados federais e estaduais, com a marca de uma concepção: a de “tribunos do povo”, como queria Lenin. Foi desse modo que Luciana sempre vocalizou nossa política. Também foi assim que Sâmia cresceu na luta contra o projeto da “farinata” (escandalosa proposta de alimentação reprocessada na merenda escolar de João Doria) e contra o Samprev, reforma da previdência municipal. Fernanda seguiu o mesmo caminho em apoio à luta popular em Porto Alegre e emperedando o Ministro da Educação, como voz do tsunami de 15 de maio. Roberto Robaina faz o mesmo tipo de enfrentamento encabeçando a oposição parlamentar e social contra Marchezan em Porto Alegre, Sandro em sua luta com trabalhadores da segurança em Natal e David, junto com Glenn, na estratégica luta pelas liberdades – da qual foi um exemplo prático de unidade de ação a manifestação, em 2019, da OAB e da ABI no Rio de Janeiro.

Encontramos na bela citação de Daniel Bensaïd (que, aliás, era entusiasta da unificação com MES desde 2003, quando nossa direção se reuniu com ele e François Olivier) um bom resumo dessa concepção:

É também por isso que a concepção do militante revolucionário não é, para Lênin, a do bom sindicalista combativo, mas a do “tribuno do povo”, intervindo “em todas as camadas da população”, para apreender a forma concreta em que se entrelaça uma multiplicidade de contradições. (…) A definição de membro do partido (É precisamente a forma partido que permite intervir sobre o campo político, agir sobre o possível, não sofrer passivamente os fluxos e refluxos da luta de classes). Aí reside o essencial da “revolução” segundo Lênin. Através desta distinção do partido e da classe, do político e do social, torna-se possível pensar a relação de um com o outro, “a representação do social na política”, que permanece, segundo Badiou, “o ponto-chave”.

Encontrar, a “quente”, a chave de uma representação autêntica na política revolucionária, é nossa obsessão permanente para lutar de forma ativa e não resignada para superar a dramática crise de direção.

5) Uma paixão internacionalista

Como já mencionado acima, nosso DNA é internacionalista. Em todos os grandes acontecimentos das últimas décadas, pudemos nos orgulhar de que estivemos envolvidos. Muitas vezes, quando os levantes populares paralisavam as grandes cidades, nossos quadros estavam lutando para entrar em aeroportos interditados, no vetor oposto dos que queriam deixar os países em crise. Assim foi em Lima, Caracas, Tegucigalpa, Quito ou Santiago. A paixão pela revolução e pelo internacionalismo nos levou a acompanhar e participar de perto desses acontecimentos, não apenas apoiando, mas, sobretudo, aprendendo. Levamos nossa solidariedade à Revolução Tunisiana, estreitando laços com seus protagonistas. Estivemos com delegações na Palestina insurgente, nas montanhas do Curdistão, nas ruas de Lahore, no coração da Europa, na Praça Tahir do Cairo, nas greves gerais ibéricas. Nossos parlamentares defenderam e defenderão ativistas, deputados, lutadores com nomes de difícil pronúncia, perseguidos ou em condições de risco, nos vários continentes do mundo. Nós nos relacionamos com a juventude negra de Black Lives Matter estadunidense, fomos vanguarda na denúncia da ocupação brasileira do Haiti (ampliando essa denúncia com soldados que estiveram à frente das barbaridades cometidas pela Minustah), com a esquerda sul-africana. Nossas companheiras atuaram nas lutas das mulheres, nas lutas pelo direito ao aborto, com os panos verdes em Buenos Aires, nas escolas de formação feministas da IV Internacional e como parte da solidariedade e coordenação internacional da luta. Realizamos acampamentos internacionais que organizaram a juventude em luta, como o que contou com a participação de Marielle Franco, Eduard Snowden, delegações internacionais e colocou a necessidade da luta por um mundo “sem muros, nem fronteiras”.

O internacionalismo é o maior fio condutor de nossa tradição.  Através dele, passamos à frente o bastão das gerações anteriores: dos revolucionários do século XX, de Lênin, Luxemburgo e Leon Trotsky, passando pelos que fundaram a IV Internacional, à dura luta da corrente latino-americana de Nahuel Moreno. Nossa ousadia e reconhecimento nos levaram a muitos seminários internacionais com a presença de figuras como Hugo Blanco, François Chesnais, Anibal Ramos e Ernesto González.

Por internacionalistas que somos, reconhecemos que há um novo cenário na América Latina e no mundo. Ao contrário dos que apregoavam longa vida para os fenômenos de extrema-direita como Trump, Erdogan e Bolsonaro, apostamos que a polarização iria impor-se, gerando mais instabilidade e, todavia, mais potencialidade para resistir e defender novas alternativas. Rebeliões percorrem o mundo: Hong Kong, Iraque, Porto Rico, Haiti, Equador, Catalunha, Chile, Líbano, Honduras… O mapa-múndi está crivado de revoltas.

Junto ao ato dos 20 anos do MES, realizaremos um seminário internacional de suma importância. Também avançaremos com camaradas quartistas em seminários para buscar maior integração no Brasil. A realidade internacional abre oportunidades. As recentes crises da esquerda revolucionária no planeta indicam-nos que é preciso exercer a democracia interna e o respeito às diferenças, confiando no internacionalismo e numa direção coletiva, capaz de suplantar a ideia equivocada de “partido-mãe”.

6) Novas sínteses e novas coordenadas para o futuro: vamos longe!

A VI Conferência do MES, realizada em abril de 2018, reafirmou as linhas gerais de nossa construção: buscar novas sínteses, atualizar o programa e enraizar-se junto ao povo. Nosso resultado eleitoral conferiu-nos novas posições de força: temos Sâmia, Fernanda e David atuando no centro da política nacional. Sandro é deputado estadual no Nordeste e Mônica Seixas em São Paulo, como parte da “bancada ativista”. Luciana Genro retomou um lugar no parlamento, com um potente mandato estadual gaúcho. Roberto Robaina tem cumprido as tarefas de dirigente, mas também de tribuno, em Porto Alegre, onde nossa experiência com o movimento de massas é mais avançada. Ali, também, temos a presença do mandato de Alex Fraga, referência na luta da educação. Já mencionada, Fernanda Miranda organiza uma importante intervenção em Pelotas. Participamos, além disso, do mandato aliado de Fábio Felix no Distrito Federal. Tais conquistas podem ser revalidadas e ampliadas na disputa de 2020, onde disputaremos em várias esferas. 

Nossa construção deve ganhar raízes nas esferas partidárias, nas quais ganhamos novas regionais e tivemos uma vitória ao consolidar uma política para a setorial de mulheres do PSOL num encontro que selou sua retomada. Temos o desafio de seguir impulsionando uma juventude militante e revolucionária, com centenas de ativistas independentes, a partir do Juntos; o desafio do movimento popular-territorial, com o Emancipa chegando às periferias  das grandes cidades; com o crescimento da fileira da negritude, tonificando a luta antirracista; pudemos eleger conselheiras tutelares em várias cidades, com destaque para a eleição de Patrícia Felix no Rio de Janeiro. Com a aproximação da Frente Nacional de Lutas, conduzida por figuras emblemáticas da luta da reforma agrária no Brasil, como José Rainha e Diolinda, avançamos na luta popular e de massas no campo. Temos avançado em nossa ação sindical, através da luta da educação, da saúde, de municipários e bancários e buscando pontes e sínteses com as baixas oficialidades dos militares, das polícias e das forças de segurança.

Todas essas conquistas, contudo, devem estar a serviço das tarefas centrais: a “mãe de todas as batalhas” é derrotar Bolsonaro e seu projeto autoritário. Para isso, fazemos um chamado às ruas, construindo a unidade de ação com todos os que se opõem a esse projeto, mas confiando apenas nas forças do povo. Os exemplos do Equador e do Chile nos motivam. Tomar as ruas também para construir uma nova alternativa, uma nova esquerda, com novas coordenadas e novas sínteses.

Na questão programática, é preciso incorporar cada vez mais os elementos estratégicos das lutas feminista, antirracista, indígena, quilombola, ambiental e ecossocialista que atravessam o planeta.  Um programa capaz de vocalizar um projeto, com temas econômicos, políticos e sociais, capaz de ganhar a maioria social para uma verdadeira independência nacional. 

Vamos dar a batalha das ideias, com a Revista Movimento, com a Escola Marx e com nosso novo site, a serviço dessas sínteses. Uma nova esquerda está se forjando. Com a referência de um marxismo revolucionário aberto, retomando o melhor da tradição leninista, mas também com Trotksy, Rosa e Gramsci.

Como conclusão, uma homenagem merece ser feita às várias camadas e gerações que se encontram nesses 20 anos: dos fundadores, da velha geração, de Pedro Fuentes, nosso veterano, Roberto Robaina e Luciana Genro, os dirigentes fundamentais, Etevaldo Texieira e outros camaradas (como o velho Enrique Morales) que vem de longe, aos militantes e quadros que se entregam, muitas vezes em condições adversas, nas rodoviárias, sindicatos, diretórios, no campo e na cidade, de um país complexo e continental. A eles também enviamos nossas referências mais sinceras: nossos quadros são nosso maior ativo. São os alicerces de nossa construção. Nem a burguesia nem a burocracia conseguem quebrá-los. Por isso, somos o Movimento Esquerda Socialista.


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Pedro Micussi