Dos vinte anos: com sangue nas veias, com nervos de aço

Sobre os 20 anos do Movimento Esquerda Socialista.

Iolanda Silva Barbosa 22 nov 2019, 11:06

Dos vinte anos datam muitas expectativas na contagem etária humana. De convicções e princípios, traçados e planos, de estudo e trabalho. Abandona-se muitas das inconsequências da adolescência em nome de um radicalismo mais ponderado, ainda que distante de definitivos comodismos. O caminhar incerto e trôpego dos primeiros anos assume passos mais firmes e decididos.

Para uma organização política, no entanto, vinte anos representa uma maturidade nascida de muitas experiências e desafios. Suas convicções, se desde o princípio definidas, assumem cada vez mais forma e precisão, sendo continuamente testadas. Se não desviado, seu projeto segue o mesmo. Se não corrompido ou diluído, seu radicalismo segue necessário e acertado.

O MES- Movimento Esquerda Socialista, que completa nesse mês seus primeiros vinte anos, se apresenta com o frescor e a energia da juventude, mas com a experiência de uma já expressiva caminhada, de que fazem parte combativos militantes. Foi dessa forma que a marca de duas décadas trouxe consigo histórias- histórias dos muitos que, sendo os primeiros desbravadores ou recém-chegados, constroem a organização, dando materialidade e forma às suas ideias.

Todas essas histórias, que por vezes, na urgência das lutas, não conhecemos, tiveram encontro marcado em São Paulo no último dia 15. Mulheres e homens, das mais diferentes origens, mas unidos sob uma mesma bandeira, levantarem-se de suas trincheiras diárias para celebrarem esse marco.

Na intersecção de sua história com a história da organização, na vida política nacional e internacional, cada militante construiu uma trajetória de singulares e valorosas experiências, constituindo a diversidade que é um dos maiores motivos de orgulho nesses vinte anos de organização.

Ao modo de “Reunião em dezembro”[1] (ainda que esta fosse em novembro), foram convocados ao ato político de 20 anos do MES “aqueles companheiros dispersados”, que chegavam “cada um no seu passo costumeiro, /no seu modo de ser e de existir”.

Vinham de muito longe– esta menção, consagrada pelo uso em sentido metafórico, assumiu naquele momento literalidade geográfica. Vinham dos quatro cantos, das capitais e interiores do Brasil. Também do mundo todo: emissários, companheiros internacionais, traziam, junto a suas saudações, notícias da resistência que nos é comum.

Os estandartes e bandeiras, a erguerem-se multicores, davam notícia de nossos passos. No peito, as insígnias de muitas lutas, vitórias, convicções. Mas era na voz, sobretudo no gesto do juntar-se, que se demonstrava a força contagiante da coragem, da coletividade. No repique e rufar da bateria, esta que dá ritmo à indignação e cadência às batalhas, nos víamos imersos, repletos, mais uma vez reafirmados na certeza de que não se luta sozinho, sustentados no sonho de milhares, nos ombros de centenas que vieram antes de nós.

Naquela tarde, à cada saudação, nas palavras de cada companheira ou companheiro, tomava-se consciência da dimensão das lutas, de “quanta coisa fizeste na inquietude/ de fazer coisas”, de resistir, de construir, de revolucionar. Do norte e do sul, levantavam-se testemunhos de batalhas travadas todos os dias em várias frentes: do trabalho de mulheres à negritude, da luta das LGBTs ao grandioso trabalho de Educação popular com o Emancipa, além da histórica e fundamental luta unitária do campo e da cidade, representada pelos companheiros da FNL.

Demonstrando ainda a importância do entusiasmo da juventude, esta que é símbolo da rebeldia e da esperança, vimos tomar o plenário a força do Juntos!, juventude indignada que soma a luta de secundaristas, universitários e jovens trabalhadores. De suas jovens fileiras também se apresentaram nossos parlamentares, símbolos de uma batalha que também se trava na Institucionalidade, exemplos que são daqueles idealistas “que o poder não corrompeu”, de que falava Leminski.

Ao atravessar de mais uma década, inevitável era lembrar também dos marcos políticos, do testemunho de coragem e firmeza que representa as origens do MES e do PSOL.  Pela lembrança da trajetória de bravos companheiros, era mais uma vez reforçada a necessidade de superação de erros e experiências insuficientes, para que, tal como afirma a epígrafe reivindicada nestes tempos, “amanhã não seja só um ontem com um novo nome”.

A síntese daquela tarde passaria de forma pungente por esse verso. A história, os desafios presentes e futuros da organização resumiam-se nas palavras de Emicida, que genialmente reuniu em uma só composição os versos de Belchior e o haicai de Leminski, que há muito já se dera conta do poema intrincado na palavra amarelo e, sem o saber, prenunciava o elo e o amor (aqui entendido como o próprio ideal revolucionário) existente nas cores de nossas bandeiras.

No entanto, para assumir todo o significado desse amanhã de que fala a canção, faz-se necessário olhar também para as próprias cicatrizes- feridas do campo aberto da luta ou das artimanhas sombrias do que combatemos. E é por isso que Marielle Franco, este corpo indignado, carregado do ideal revolucionário que nos move, era também presença constante naquela tarde, em imagem, em ideia, em clamor por justiça.

 Sabendo do muito que ainda resta percorrer, fazer e salvar, o plenário inconscientemente retomava os versos do Clube da Esquina: “Se muito vale o já feito, mais vale o que será”[2]. Como afirmou o comandante Pedro Fuentes, árvores crescem em seus galhos, mas para que se sustentem, é necessário que também cresçam em suas raízes: “é cobrando o que fomos/
Que nós iremos crescer”. É dessa forma que, compreendendo, reconhecendo e valorizando nossa tradição, aquele momento fazia-se gigantesco.

Desse marco de vinte anos, ao contrário da melancolia e pessimismo dos poetas românticos, resgatada por Belchior[3], temos uma organização com sangue nas veias, com nervos de aço, ainda que sem jamais perder a ternura. Já experimentada por momentos históricos diversos e adversos, sabemos que nossa maior conquista é nossa história e tradição, mas igualmente, e sobretudo, os lutadores e lutadoras que a tornaram possível, que a constroem todos os dias, com suas cores, dores e sacrifícios, mas ainda assim com brilho nos olhos.

Ainda que os desafios sejam grandes e exijam toda a coragem e tenacidade, cada militante retornou para sua trincheira com a convicção de que há ombros nos quais se apoiar, ideias em que se sustentar e camaradas com quem dividir a caminhada, em desafiante alegria.

Aos que, vendo as cores e sentindo a energia daquele momento, questionassem “que rumor é este, que risada/ rouca, feliz, irada, insubmissa, / entre as festas do povo se anuncia?”, saber-se-ia responder que, tal como lembrou Trotsky, significa a “maior das felicidades, a consciência de participar da construção de um futuro melhor, de levar sobre nossas costas uma partícula do destino da humanidade e de não viver em vão. ”

Por uma das frases mais célebres e correntes na vida militante, sabe-se que, se o presente é de lutas, o futuro nos pertence- esse futuro que assume todo o significado revolucionário de um “amanhã” que se constrói com “a fúria da beleza do sol”.

 Vida longa ao MES!


[1] Poema de Amar se aprende amando (1985), de Carlos Drummond de Andrade

[2] Canção “O que foi feito devera (de Vera)”, do disco Clube da Esquina 2 (1978)

[3] “Lira dos vinte anos”, canção de Elogio da Loucura (1988), que resgata a antologia homônima de Álvares de Azevedo


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