Uma semana de crise e polarização

Para derrotar a extrema-direita, é preciso mobilizar a indignação e o mal-estar social, buscando a unidade das lutas parciais.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 1 nov 2019, 20:43

Bolsonaro usa a tática militar para fazer política. Sua linha atual é a de “aproximações sucessivas”. Ele e seu clã respondem ao isolamento crescente de sua política estimulando uma polarização sempre mais agressiva e arriscada. A declaração de Eduardo Bolsonaro, líder do governo na Câmara, de que um novo AI-5 poderia ser uma resposta em caso de protestos nas ruas mostra que o clã presidencial não deixa nenhuma dúvida de que gostaria de dar um golpe, mas não tem condições políticas para tanto. A forte reação de diversos atores, ao longo de semana, demonstrou isso.

Por outro lado, a própria cúpula do governo tem-se demonstrado preocupada com a onda de rebeliões populares que toma conta do continente, começando pelo Equador e que alcançou seu ápice no Chile. As revelações, pela Globo, de um depoimento do porteiro do condomínio de Bolsonaro no inquérito do assassinato de Marielle Franco – no qual teria afirmado que o assassino Élcio Queiroz solicitara entrada na casa do presidente na data do crime – ampliaram a instabilidade palaciana, como ficou claro na tresloucada resposta de Bolsonaro, de Riad, em vídeo.

O fantasma dos vínculos do clã presidencial com as milícias cariocas e os novos áudios do ex-assessor Queiroz somaram-se a outras crises nas últimas semanas, como a divisão do PSL, cujas alas atacam-se abertamente na pela imprensa, na internet e no Congresso, e o descaso do governo para lidar com o vazamento de óleo na costa nordestina, que resultou na suspensão de Ricardo Salles de seu partido Novo, que agora pretende fingir distância do ministro.

Um governo despreparado, em choque com aliados

Enquanto graves pressões sobre o governo somavam-se no Brasil, Bolsonaro realizava seu giro pelo Extremo Oriente e pela Arábia. No roteiro, um pouco mais do mesmo da política externa bolsonarista, com suas doses de gafes, como o traje patético do presidente na coroação imperial japonesa e os ataques à cultura daquele país, entreguismo, como sua prospecção por compradores para novas áreas do pré-sal na China, e reacionarismo, visível em sua tentativa de associar-se à assassina monarquia saudita e em seus elogios sórdidos ao príncipe Bin Salman.

O desastre da política exterior antinacional e vassala a Trump de Bolsonaro e do olavista Ernesto Araújo traz consequências graves ao Brasil, o que setores econômicos importantes, como a indústria, começam a perceber. Sobretudo, fica nítido o isolamento externo de Bolsonaro, que se soma, agora, ao crescente isolamento interno do bolsonarismo governante.

Ao mesmo tempo em que segue entregando à burguesia medidas como a reforma da previdência e sinaliza com mais privatizações, uma reforma tributária pró-patronal e mais uma rodada de ataques aos serviços públicos e ao funcionalismo, Bolsonaro queima pontes com importantes facções políticas. Após o desgaste dos últimos quinze dias, em que o PSL rachou e disputa à luz do dia o destino de centenas de milhões em recursos dos fundos partidário e eleitoral para os próximos anos, o clã presidencial e seu círculo mais próximo de militantes e ideólogos neofascistas buscam sinalizar para sua base mais sólida, alertando-a para a necessidade de mobilização contra as “hienas” opositoras e mesmo contra agentes poderosos como o Grupo Globo.

A fauna desgarrada do bolsonarismo, entretanto, cresce semanalmente. Alexandre Frota, que anteriormente cumpria com esmero o papel de líder da tropa de choque do governo na Câmara, prestou depoimento à CPMI das fake news e denunciou a presença de milícias digitais no próprio Palácio do Planalto, comandadas pela família Bolsonaro e por seus assessores de confiança. A ex-líder do governo Joice Hasselman gira suas baterias para o governo e para Eduardo Bolsonaro, acusando-os, na esteira das declarações sobre um novo AI-5, de querer instalar uma ditadura no Brasil. Já o antigo braço direito Gustavo Bebbiano, organizador da campanha presidencial vitoriosa, profundo conhecedor dos bastidores do PSL e da máquina bolsonarista, anunciou sua filiação ao PSDB e sua instalação em São Paulo para assessorar João Doria. Por sua vez, Wilson Witzel, governador do Rio eleito em estreita aliança com o clã presidencial, foi declarado na tresloucada “live” árabe inimigo público dos Bolsonaro. As pontes vão queimando-se.

A estas rupturas, começam a somar-se deslocamentos incipientes de importantes setores sociais. Nesta semana, revelou-se a ampla frustração dos praças com o ataque de Bolsonaro e Guedes a seus salários e aposentadorias. O PSOL atuou bem neste episódio num exemplo de diálogo com uma base inicialmente bolsonarista.

Repudiamos as declarações e ameaças fascistas de Eduardo Bolsonaro!

As já mencionadas declarações de Eduardo Bolsonaro – que apenas reproduz a propaganda reacionária que o pai conduziu a vida toda e que mesmo agora, como presidente, mantém ambiguamente – merecem total repúdio e combate. Eduardo Bolsonaro deveria ser cassado e ir para a cadeia por sua propaganda de um novo AI-5, por meio do qual foram liquidadas garantias constitucionais, fechou-se o Congresso, cassaram-se mandatos e foram levados ao exílio, à tortura e ao assassinato centenas de brasileiras e brasileiros.

As ameaças de Eduardo Bolsonaro ocorreram dias depois da divulgação, por Jair Bolsonaro, de um vídeo que o descreve como um “leão” atacado por “hienas” que incluem partidos de oposição, o STF, veículos de imprensa e até mesmo o PSL. Trata-se, portanto, de uma estratégia de polarização na qual Bolsonaro apresenta-se a sua base sendo acossado por vilões, a quem se deve responder com uma medida de força. Não por acaso, o vídeo e as declarações do filho do presidente mereceram repúdio forte imediato de amplos atores, como o presidente da Câmara Rodrigo Maia, juízes do STF, partidos políticos do “centrão” e líderes da oposição, como Ciro Gomes, que atacou duramente Eduardo, cujas graves afirmações não podem ser subestimadas. 

Diante da escalada de ameaças de Bolsonaro, é preciso responder com unidade de ação para evitar qualquer agitação a respeito de um novo golpe ou AI-5, que, aliás, teve que ser desmentido pelo próprio governo após a forte repercussão negativa – apesar da grave declaração de Augusto Heleno de que seria necessário “estudar as condições” de se implantar um novo AI-5. Essa unidade de ação deve ser com todo e qualquer setor ou liderança política que repudie as ameaças de fechamento do regime. 

Tomar as ruas! 

Para derrotar a extrema-direita, é preciso mobilizar a indignação e o mal-estar social, buscando a unidade das lutas parciais. É preciso canalizar a indignação como o descaso governamental com o verdadeiro escândalo do crime ambiental no Nordeste, a corrupção de Queiroz e do laranjal, bem como uma apuração séria e transparente sobre os vínculos de Bolsonaro com as milícias cariocas. 

Estão sendo convocadas manifestações no dia 5 de novembro. É preciso ocupar as ruas de todo o país para enfrentar a tragédia deste governo que ataca o povo brasileiro e os trabalhadores com sua agenda de destruição de direitos sociais e trabalhistas, entrega do patrimônio nacional e liquidação dos serviços públicos. Achamos que é o momento de unificar o descontentamento popular com a bandeira “Fora Bolsonaro”, que, neste momento, serve como um elemento de agregação e expressão de todas as lutas contra este governo desastroso, mesmo que ainda não esteja colocada para a ação imediata. O PSOL, por sua vez, tem um papel fundamental a cumprir e deve buscar ser vanguarda nas lutas contra os ataques de Bolsonaro. É hora de tomar as ruas!

Nossa responsabilidade partidária é ainda maior. Temos compromisso com a honra de nossa camarada Marielle Franco e queremos buscar a verdade sobre seu assassinato e de Anderson Gomes. Basta de manipulações e da cortina de fumaça envolvendo as investigações. Queremos justiça para Marielle!


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