Equador: diante da tragédia, solidariedade urgente!

O Equador já é segundo país em números de caso e óbitos de Covid-19 na América Latina. É a taxa mais alta per capita do continente.

Israel Dutra 6 abr 2020, 17:00

Cenas chocantes do Equador alarmaram as redes sociais do planeta nas últimas semanas. O caos tomou conta das ruas de Guayaquil, segunda maior cidade do país e capital da região de Guayas, que é o epicentro da crise, por sua relação direta com a Espanha (os equatorianos, sobretudo dessa região, são a maior comunidade de migrantes sul-americanos na Europa). O colapso sanitário se soma ao colapso funerário, gerando um verdadeiro desastre: da falta de recursos médicos e hospitalares ao colapso do sistema funerário, que deixou expostos nas ruas centenas de cadáveres abandonados e corpos queimados. O pânico amplificou ainda mais o desastre, assinalando o caráter destruidor que a Covid-19 pode ter nos países da periferia do sistema capitalista.

Os dados são trágicos – tanto quanto à desigualdade estrutural quanto ao avanço do novo coronavírus no país. O Equador já é segundo país em números de caso e óbitos de Covid-19 na América Latina. É a taxa mais alta per capita do continente, com 191 mortes e 3800 casos confirmados, num país de 16, 6 milhões de habitantes,  sem contar os números camuflados com a evidente escala de subnotificações, um problema muito grave no país, denunciado pelo próprio governo de Lenín Moreno. O governo projeta chegar a 4 mil mortes nas próximas semanas, na província de Guayas. 

Antes da fase aguda do contágio, Lenín Moreno aproveitou para aprofundar os ajustes. Na primeira quinzena de março anunciou recortes estruturais, atacando o conjunto do funcionalismo público do país; em 21 de março, já numa fase mais crítica da contaminação, a ministra da Saúde,  Catalina Andramuño, renunciou, criticando a falta de recursos para o enfrentamento à Covid-19; além disso, também renunciou o ministro do Trabalho. Assim mesmo, em 24 de março, o governo pagou mais de 325 milhões de dólares como parcela da dívida externa, contrariando a recomendação do parlamento nacional e do apelo de figuras e personalidades da sociedade civil, para drenagem e concentração desse valor para a situação de emergência sanitária.

E foi o Equador, em 2019, que abriu um novo ciclo político no continente. Pude presenciar, no mês de outubro, a primeira grande rebelião contra o neoliberalismo, quando o movimento popular, liderado pela CONAIE, derrotou o “pacotaço” do presidente Lenín Moreno, que impunha um severo ajuste contra o povo, com medidas como o aumento do preço das tarifas, levando a uma escalada inflacionária. Durante dez dias, o levante popular de outubro ampliou a auto-organização, a confiança do povo em suas forças, colocando a luta como método generalizado para resolver os impasses políticos nacionais. Semanas mais tarde, era o Chile que entrava na rota das rebeliões, alterando, uma vez mais, o estado de ânimo das massas na América do Sul. O lugar do Equador é decisivo. O desafio de como enfrentar a pandemia vai ser um teste para o movimento de massas, tonificado pela vitória popular do ano passado, mas acossado pelas péssimas condições de saúde que o Estado equatoriano oferece para ampla maioria do povo. 

Equador: um exemplo cruel para a América Latina e a necessidade urgente da solidariedade

Estamos entrando em uma nova fase do contágio internacional da pandemia; a primeira na China, com epicentro em Wuhan, aparentemente estancada, apesar de indicações de uma possível segunda fase do surto, numa hipótese que o cientista biólogo Atila Iamarino tem chamado de “surtos intercalados”;  a segunda no coração da Europa, com Itália e Espanha devastadas pelo número de casos e óbitos; e agora o contágio se translada para o continente americano, seja pelo crescimento exponencial nos Estados Unidos, que já é o novo epicentro do surto no mundo, seja pelo crescimento do número de casos na América Latina. 

A tragédia equatoriana prenuncia uma tragédia continental: como a América Latina, marcada pela desigualdade, pelos bolsões de miséria e por um sistema de saúde muito precário, vai reagir aos picos da pandemia? Com uma estrutura de saneamento básico degradada, sub-habitações aos montes, nas favelas, cerros e vilas, com desigualdades na oferta de itens básicos como água potável, os riscos são enormes. O desastre pode se espalhar para todas as esferas da vida social. No âmbito econômico, com altos níveis de informalidade, o pior ainda está por vir. A CEPAL chegou a prognosticar que a próxima recessão levaria 22 milhões de latino-americanos na pobreza extrema. 

O Equador expõe uma situação que pode se repetir em outros países da América Latina. É o exemplo mais cruel de como uma pandemia aliada a governos antipovo, medidas neoliberais e a supervalorização do lucro antes da vida, que pode afetar profundamente uma sociedade, em especial entre os mais pobres e já mais atingidos pela crise social, econômica e da saúde. Olhar pra esse extremo deve nos orientar a uma visão mais ampla sobre o Sul global. A luta contra o imperialismo também adquire um caráter urgente: Trump atua como um pirata, concentrando máscaras e equipamentos para resolver os problemas de seu país; enquanto isso, em contraste, Cuba envia médicos e enfermeiros para várias partes do planeta. E ainda por cima, Trump ameaça a soberania nacional da Venezuela, sem respeitar sequer a condição singular da pandemia.  As condições equatorianas revelam a máxima  necessidade da solidariedade no momento em que a pandemia chega ao Sul global. Uma primeira iniciativa foi encabeçada pela CONAIE, agrupando dezenas de entidades e movimentos latino-americanos no chamado “dos povos originários, afrodescendentes e as organizações populares da América Latina”. Tal declaração sugere ordenar a luta ao redor de diversos pontos  como renda emergencial, priorizar a vida em relação às dívidas, ampliação imediata do sistema de saúde pública, a defesa dos profissionais de saúde.

Há que gerar solidariedade, discutir medidas e saídas concretas. O presidente Lenín Moreno, com apenas 8% de aprovação, já não tem qualquer legitimidade para governar. O governo tem usado a figura do vice-presidente, Otto Sonnenholzner, como interlocutor público, já que ainda conserva certo apoio. Na semana passada, começaram fortes panelaços, com a CONAIE e a FUT liderando, em diálogo com o movimento de profissionais de saúde que está se organizando para enfrentar a barbárie. Mais que urgente, é possível consolidarmos a solidariedade entre os povos do Sul global. Apenas com uma solidariedade ativa, com a defesa da vida em primeiro lugar, vamos enfrentar os dois grandes vírus que destroçam nosso continente, a Covid-19 e o capitalismo neoliberal.


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